Quando Oprah faz um discurso pra você
Em tempos onde lacre é regra, estava pronta pra comemorar mais um pisão que vinha aí. Mas desde o primeiro minuto de seu discurso, Oprah me desarmou. Me colocou em lágrimas.
Ontem a noite uma coisa mágica sobre ser quem você é e fazer o que você faz aconteceu comigo. Como uma das manas por trás das maquinas da NINJA, ontem à noite estava eu acompanhando o Golden Globes. Apreciadora de séries como sou, estaria de qualquer forma, mas ontem seria uma das primeiras premiações depois da onda de denúncias contra assédio sexual em Hollywood e prometia. Quer dizer, a coisa toda estava anunciada já quando os artistas começaram a divulgar que iriam de preto.
Confesso que enquanto assistia essas mulheres trajando vestidos caros o suficiente para tirar muita gente das dívidas, fiquei pensando na excitação que elas sentiram não só de organizar um protesto assim, mas de conectar com as manas maravilhosas dos movimentos sociais que compartilharam um pouco do que elas vem acumulando com anos de luta.
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Uma das atrizes que foram acompanhadas por lideranças dos movimentos foi a Michelle Williams. Durante sua entrevista no tapete vermelho, mais um show de machismo. Ryan Seacrest não só queria desviar o assunto o tempo todo, mas também quando ela conseguiu mencionar porque elas estavam ali, interromper as duas. E Tarana Burke, que deveria ser a real heroína do rolê continuou silenciada. O meu alívio é que Michelle finalmente percebeu que foi trollada e vai voltar pra casa pensando em como isso já aconteceu tantas outras vezes e ela deixou passar.
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Já outra, a Debra Messing, foi de tiro porrada e bomba de cara. Durante uma entrevista para E! apontou que a empresa não paga para suas apresentadoras o mesmo que paga aos homens na mesma função. Elisabeth Moss fez um discurso tocante, lembrando que as mulheres são quem estão escrevendo a história agora.
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No começo de tudo, usando de uma série de piadas seguidas, Seth Meyers tentou justificar porque era ele e não uma mulher apresentando prêmio, mas no fim, todos os grandes prêmios foram levados por histórias onde as protagonistas eram mulheres.
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Foi uma noite história. E quem coroou tudo foi Oprah Winfrey.
Vendo de longe, sempre admirei a Oprah só pelo fato dela ser uma mulher negra de sucesso. Ela tinha acesso ao que poucas pessoas negras no geral tinham e parecia se esforçar para compartilhar amor.
Eu já estava preparada para um grande discurso pelo Prêmio Globo de Ouro: Cecil B. DeMille. Oprah tem consciência de quem é e que lugar ocupa nos tempos que estamos, inclusive já teve que falar publicamente que não vai se candidatar a presidente, justamente por o quão necessária ela é.
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Em tempos onde lacre é regra, estava pronta pra comemorar mais um pisão que vinha aí. Mas desde o primeiro minuto de seu discurso, Oprah me desarmou. Me colocou em lágrimas, porque aquela grande mulher, com uma fortuna avaliada em 2.8 bilhões de dólares, tão distante que eu só poderia conhecer através do streaming falou COMIGO.
“Não passa despercebido para mim que, neste exato momento, há garotinhas assistindo, enquanto eu me torno a primeira mulher negra a receber este mesmo prêmio. É uma honra e um privilégio dividir essa noite com todas elas”.
Eu sou a garotinha. Ela está dividindo o seu prêmio comigo. Comigo e tantas outras jornalistas negras estagiárias trabalhando até tarde para cobrir esse prêmio repleto de gente com salário inalcançável. Com as que estavam condições terríveis costurando os vestidos. Com outras que só limparam o chão depois da cerimônia. Oprah mirou a platéia enquanto ela falava, mas não viu pessoas que tem até 10 integrantes no seu #GlamTeam, Oprah nos enxergou. Oprah me enxergou.
Porra, olha só essas mulheres aplaudindo a Oprah!
E não foi só porque ela reconheceu que há outras dimensões em estar ali, mas porque há outros assuntos que devem ser tocados. #Militou ao falar de trabalhadoras domésticas, de mulheres rurais e do chão de fábricas, heroínas sem nome que sustentarão as próximas gerações. Mas também lembrou o nome de Recy Taylor, sequestrada, estuprada e jogada de volta as ruas sem direito a justiça real.
Aclamou as mulheres que tiveram levantaram a voz contra o assédio, assim como saudou a imprensa, que está constantemente sob alvo de censura de um presidente tão temeroso quanto o nosso. E é preciso lembrar que ela fez tudo isso num lugar onde podemos contar a quantidade de negros nos dedos das mãos.
Candidata ou não, Oprah salvou vidas com suas palavras. Não só por serem acolhedoras, mas porque elas enchem de esperança outras mulheres fantásticas que vão fazer grandes mudanças acontecerem. Assim como ela, “Quero que todas as garotas assistindo, aqui e agora, saibam QUE UM NOVO DIA ESTÁ NO HORIZONTE! E que quando esse dia finalmente nascer, será por causa de muitas mulheres magníficas”.
Terminei o plantão do Golden Globes ontem mais plena para as lutas desse ano, preparando mais um etapa do #8M desse ano que chega e começando a escrever o meu discurso.
Leia o discurso na integra:
“Obrigada a todos! Ok, ok, obrigada Reese! Em 1964, eu era uma garotinha sentada no chão de linóleo da casa da minha mãe em Milwaukee, assistindo Anne Bancroft entregar o prêmio de melhor ator na 36ª edição do Oscar. Ela abriu o envelope e disse cinco palavras que literalmente fizeram história: ‘O vencedor é Sidney Poitier.’ No palco, subiu o homem mais elegante que eu já tinha visto. Lembro que a gravata dele era branca, e é claro, sua pele era negra, e eu nunca tinha visto um homem negro ser celebrado daquele jeito. E eu tentei muitas, muitas e muitas vezes explicar o que um momento como aquele significa para uma garotinha – uma criança assistindo das beiradas – enquanto minha mãe entrava pela porta exausta depois de limpar a casa dos outros. Tudo o que posso fazer é citar e dizer que a explicação está na atuação de Sidney em Uma Voz nas Sombras: ‘Amém, amém. Amém, amém.’
Em 1982, Sidney recebeu o prêmio Cecil B. DeMile aqui mesmo, no Globo de Ouro, e não passa despercebido para mim que, neste exato momento, há garotinhas assistindo, enquanto eu me torno a primeira mulher negra a receber este mesmo prêmio. É uma honra e um privilégio dividir essa noite com todas elas, e também com todos os homens e mulheres que me inspiraram, me desafiaram, me apoiaram e fizeram com que minha jornada até este palco fosse possível. Dennis Swanson, que me deu uma chance no A.M. Chicago; Quincy Jones, que me viu no programa e disse a Steven Spielberg: ‘Sim, ela é a Sofia em A Cor Púrpura; Gayle, que tem sido a própria definição de amiga; e Stedman, que tem sido meu porto seguro– para citar apenas alguns.
Gostaria de agradecer à Associação da Imprensa Estrangeira em Hollywood, pois todos sabemos que a imprensa está sob cerco atualmente. Mas também sabemos que é a insaciável dedicação de revelar a verdade absoluta que nos impede de fechar os olhos para a corrupção e para a injustiça. Para os tiranos e as vítimas, os segredos e as mentiras. Quero dizer que valorizo a imprensa mais do que nunca conforme tentamos navegar estes tempos complicados. O que me leva ao seguinte:
O que eu tenho certeza é que falar a sua verdade é a ferramenta mais poderosa que temos. E estou especialmente orgulhosa e inspirada por todas as mulheres que se sentiram fortes o suficientes e empoderadas o suficiente para se pronunciar e dividir suas histórias pessoais. Todos nós neste salão somos celebrados pelas histórias que contamos. E neste ano, nós nos tornamos a história. Mas não é só uma história que afeta apenas a indústria do entretenimento. É uma história que transcende qualquer cultura, geografia, raça, religião, política ou local de trabalho.
Então, eu quero esta noite expressar minha gratidão a todas as mulheres que suportaram anos de abuso e assédio, porque elas – como minha mãe – tinham crianças para alimentar, contas a pagar e sonhos a alcançar. São as mulheres cujos nomes jamais conheceremos. São as trabalhadoras domésticas, as que trabalham em fazendas, as que trabalham em fábricas, em restaurantes; que estão na academia, na engenharia, na medicina e na ciência; as que são parte do mundo da tecnologia, da política e dos negócios; são atletas nas Olimpíadas e militares no Exército. E elas são outra pessoa: Recy Taylor, um nome que eu conheço e que acho que você deveria conhecer também.
Em 1944, Recy Taylor era uma jovem esposa e mãe. Ela estava apenas andando para casa depois de ir à missa em Abbeville, Alabama, quando foi sequestrada por seis homens brancos armados, estuprada e deixada vendada à beira de uma estrada, voltando da igreja para casa. Eles ameaçaram matá-la se ela contasse a alguém o que aconteceu, mas sua história chegou à N.A.A.C.P., onde uma jovem trabalhadora chamada Rosa Parks tornou-se a principal investigadora do caso, e juntas elas buscaram justiça. Mas justiça não era uma opção na era Jim Crow. Os homens que tentaram destruí-la nunca foram indiciados. Recy Taylor morreu há dez dias, perto de seu aniversário de 98 anos.
Como todos nós, ela viveu anos demais em uma cultura quebrada por homens brutalmente poderosos. E por tempo demais as mulheres não foram ouvidas ou não se acreditou nelas quando ousaram falar sua verdade contra o poder destes homens. Mas o tempo deles acabou. O tempo deles acabou. O tempo deles acabou.
E eu só espero que Recy Taylor tenha morrido sabendo que a verdade dela – como a verdade de tantas outras mulheres que foram atormentadas naqueles anos, e mesmo agora – segue marchando. Estava em algum lugar do coração de Rosa Parks quase 11 anos depois, quando ela tomou a decisão de continuar sentada naquele ônibus em Montgomery. E está aqui com cada mulher que escolhe dizer: ‘Eu também’.
E com cada homem – cada homem – que escolhe escutar.
Na minha carreira, o que eu sempre tentei fazer, tanto na televisão quanto no cinema, foi dizer algo sobre como os homens e as mulheres realmente se comportam: como vivemos a vergonha, como amamos, sentimos raiva, falhamos, recuamos, perseveramos e como superamos. Entrevistei e interpretei pessoas que resistiram a algumas das coisas mais horríveis que a vida pode jogar no seu caminho, e a qualidade que todas elas parecem ter em comum é a habilidade de manter a esperança por uma manhã de luz, mesmo durante as noites mais escuras.
Então quero que todas as garotas assistindo, aqui e agora, saibam QUE UM NOVO DIA ESTÁ NO HORIZONTE! E que quando esse dia finalmente nascer, será por causa de muitas mulheres magníficas – muitas delas aqui neste salão – e alguns homens fenomenais, lutando duro para garantir que elas se tornem as líderes que vão nos levar a um tempo em que ninguém mais precise dizer ‘eu também’ de novo. Obrigada.”