Quais contribuições o design pode e tem oferecido com relevante impacto social?
Responsabilidade social, ambiental e de governança são pautas justas e urgentes que demandam sempre mais soluções e pessoas envolvidas
**Por Carla Piaggio
O Design contribui de diversas formas para a construção de uma sociedade mais justa. É um aliado que pode atuar gerando melhores e maiores impactos sociais em projetos e instituições. Está presente no desenvolvimento de objetos, soluções, campanhas de comunicação e experiências mais acessíveis, diversas e sustentáveis para a sociedade, a economia e o meio ambiente.
No livro “Design e impacto social: construindo futuros”*, que publicamos recentemente na Carla Piaggio Design, trazemos relatos de ações desenvolvidas em comunidades escolares, periféricas, quilombolas ou em situação de vulnerabilidade econômica. São projetos que avaliam as necessidades sociais, ambientais, de usuários e beneficiários para cocriar, junto com a população, soluções eficazes.
Na economia solidária, por exemplo, há projetos em que designers, em parceria com outros profissionais, conhecem a produção de artesanato de um município, dialogam com as pessoas que o produzem, pesquisam as matérias-primas locais e o histórico do território. A partir daí elaboram formas de tornar a produção mais ágil, com menor custo e impacto ambiental, criando produtos mais atrativos comercialmente, devidamente precificados, com embalagem e marca de aspecto profissional, além de estratégias de distribuição e novos pontos de venda. Dessa forma, os projetos contribuem para ampliação da geração de renda, melhoria da qualidade de vida, independência feminina e preservação do meio ambiente.
A atenção a demandas não atendidas que consideram necessidades específicas de usuários também é inovação social e inclusão. Um exemplo é a criação de toucas de natação para pessoas com cabelos volumosos, ou de tons de maquiagem e vestuário para pessoas com a pele negra. Assim como os projetos de ambientes, sinalização, objetos, exposições, plataformas digitais, entre outros, que levam em consideração o acesso para todas as pessoas, iniciando pelas que muitas vezes são excluídas, como pessoas trans ou com deficiências.
Como jurada na categoria Design de Impacto Social no Prêmio Brasileiro de Design, pude conhecer soluções que me fizeram pensar: “mas como ainda não é assim sempre, por que deixamos esse problema sem solução até agora?!” Um exemplo é a premiada tábua para cortar verduras que pode ser usada de várias formas com apenas uma mão – solução genial e necessária. Assim como a adoção de banheiros individuais sinalizados apenas como banheiros, sem relação com gênero, o que já é realidade em alguns espaços culturais.
Algumas soluções são urgentes e relevantes e ainda não estão amplamente implementadas devido à manutenção de lideranças e equipes cujos conhecimentos e vivências são limitados ao seu universo de privilégios. Equipes diversas de gestão e criação têm visão e repertórios que elevam ações com compromisso social e representativo a outro patamar de qualidade, pela verdade com que produzem e por conhecerem de forma mais efetiva as dinâmicas de vida dos vários públicos.
São amplas as possibilidades de contribuição do Design em relação à representatividade e à redução de estereótipos. Na escolha e na produção de fotos e ilustrações para campanhas de comunicação e publicações, a diversidade de corpos, gêneros, etnias, raças, idades, orientações sexuais deve ser sempre ampla, representando de forma mais realista a população. Para pessoas que historicamente foram excluídas ou associadas a papéis sociais secundários e negativos, o protagonismo positivo é motivo de afirmação da própria identidade e inspiração.
Atualmente muitas crianças negras têm acesso a livros, brinquedos, lápis de colorir e filmes de animação em que podem se ver, se sentir belas, se imaginar em futuros potentes. O fortalecimento da autoestima e da autoconfiança desde cedo terá enorme impacto nas suas vidas. Narrativas sobre grandes personalidades que sofreram apagamento são igualmente relevantes – é necessário descolonizar e recontar a História, fortalecer novas referências do passado e do presente a serem admiradas. A Educação e a Cultura são grandes agentes nessa transformação, e o Design pode se somar e levar a crianças, jovens e adultos maior conscientização social e entendimento sobre o respeito à pluralidade das pessoas.
Na moda, vestimentas e acessórios com autoria e estamparia de inspiração africana, indígena ou com temas ativistas mostram como o Design também promove conexão cultural e orgulho identitário. Assim como na modelagem livre de gênero e restrições de tamanho. O vestir é político, é construção de imagem interna e externa, é afirmação de posicionamento social, demarcação de presença.
O Design pode de variadas formas ser parceiro de instituições que atuam com apoio social a pessoas vulnerabilizadas e excluídas ou em defesa de causas ativistas. A criação de marca e identidade visual profissionais irá agregar maior credibilidade para que busquem captação de recursos e apoio junto a financiadores e parceiros. Para as organizações do terceiro setor, campanhas de comunicação expressivas e boa apresentação nas redes sociais podem levar a uma maior conexão com as pessoas e ao aumento na visibilidade e no volume de arrecadação de doações e conquista de parcerias. A criação de produtos ilustrados para venda como camisas, acessórios e livros vai gerar renda adicional. Será ainda mais valorizador e rico se os beneficiários atendidos pelas instituições forem protagonistas na idealização, no planejamento, na produção artística ou se estiverem presentes nas fotografias.
A responsabilidade social dos designers precisa passar também pelas metodologias e práticas de trabalho. Há disponível uma vasta gama de recursos técnicos de acessibilidade comunicacional ainda pouco difundidos. Tenho pesquisado e aprendido junto com a equipe de minha agência sobre escolha cromática inclusiva para pessoas com daltonismo, publicações digitais com recursos interativos e otimizadas para a correta leitura em voz alta por aplicativos, audiodescrição de imagens, sites com intérprete virtual de Libras e com ajuste de cores, contrastes e fontes. São ferramentas que podem ampliar o acesso da comunicação e torná-la mais compreensível para um público maior.
Essas e tantas outras possibilidades de contribuição – inclusive as que ainda precisam ser criadas – podem e devem expandir o olhar e as práticas de designers, lideranças, organizações sociais, empresas, governos. Responsabilidade social, ambiental e de governança são pautas justas e urgentes que demandam sempre mais soluções e pessoas envolvidas. Sigamos cocriando coletivamente!
* O livro Design e impacto social: construindo futuros tem apoio do Sebrae Bahia e do Projeto Regional Nordeste da Cadeia de Valor da Economia Criativa. Está disponível gratuitamente para download em www.designeimpacto.com.br
**Carla Piaggio é diretora da Carla Piaggio Design. Liderança no coletivo de design negro PretADG. Curadora de diversidade e Jurada em Design de Impacto Social e Design Editorial no Prêmio Brasileiro de Design 2021, 2022 e 2023. Em 2024 é embaixadora do Prêmio Latino Americano de Design no Brasil. Vozes 30 Papel & Caneta 2022, uma das vozes que lutam para mudar a indústria da comunicação através de projetos e iniciativas reais.