por Valéria Cordeiro*

Apesar de o tema da acessibilidade cultural estar amparado por leis com mais de dez anos, como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), de julho de 2015, que inclui diversos artigos sobre lazer, entretenimento e cultura, os avanços na área têm sido lentos e difíceis. A LBI é ampla em relação à acessibilidade para pessoas com deficiência, e no campo cultural, o Plano Nacional de Cultura (Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010) garante, no Capítulo III, o acesso à cultura para pessoas com “necessidades especiais”, respeitando suas especificidades. Mais recentemente, a Lei Paulo Gustavo (2021) e a Política Nacional Aldir Blanc (2023) explicitaram que projetos e ações financiados com recursos públicos devem assegurar acessibilidade às pessoas com deficiência, definindo cotas, critérios específicos e bonificações em editais.

Considerando que pessoas com deficiência existem desde sempre, o processo tem sido extremamente lento. Muitos demonstram impaciência ao explicar e orientar corpos normativos sobre como acolher a diversidade de existências. Como gestora e produtora cultural, acompanho a implementação de políticas públicas de cultura no Ceará e o debate crescente sobre acessibilidade nas produções artístico-culturais.

Algumas linguagens se adaptam mais rapidamente à acessibilidade cultural. A música, por exemplo, apresenta um número crescente de artistas que incorporam intérpretes de Libras em seus shows, oferecendo experiências estéticas a pessoas surdas e proporcionando ao público ouvinte uma nova forma de percepção através dos gestos. No entanto, alguns artistas ainda se recusam a incluir intérpretes, ou contratam profissionais cuja tradução carece de emoção, exigindo maior atenção à qualidade artística do trabalho.

A literatura já realiza esse exercício há mais tempo, com livros narrados e descrições de imagens, cenários e personagens que estimulam a imaginação e atendem a diferentes formas de perceber o mundo. Intérpretes também traduzem para Libras, muitas vezes combinados com áudio descrição, atingindo públicos diversos. Poucas produções artísticas desafiam-se a oferecer múltiplas formas de acessibilidade estética. No cinema, há legendas, áudio descrição e janela em Libras; nas artes visuais, exposições acessíveis com áudio descrição, legendas, vídeos em Libras e peças táteis. No teatro, entretanto, o debate sobre descrição e Libras ainda engatinha.

Recentemente, presenciei uma discussão entre diretores de teatro selecionados para um festival, provocada por assessores em acessibilidade, incluindo uma mulher cega. As reflexões surgidas foram instigantes, mostrando a necessidade urgente de repensar a dramaturgia sob uma perspectiva mais inclusiva.

Outros desafios incluem recursos insuficientes, limitações de aplicação a determinados projetos e a preocupação com a interferência na estética da obra. Até o momento, a discussão sobre acessibilidade cultural tem se concentrado apenas no público com deficiência, sem abordar a criação e a formação.

Ainda estamos apenas começando a tocar a superfície dessa questão central: todo brasileiro e brasileira tem direito à cultura assegurado pela Constituição. É fundamental ampliar o debate para enfrentar estigmas, preconceitos e promover a efetiva inclusão na produção cultural.

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*Valéria Cordeiro é produtora e gestora cultural em Fortaleza (CE)
Membro do GT em Acessibilidade Cultural do Estado do Ceará (SECULT-CE)
Ativista pelos direitos das pessoas com deficiência
Consultora em acessibilidade cultural, com atuação em eventos como Festival Música na Ibiapaba, Seminário Cultura do Acesso, Feira da Música-CE e na coordenação da implantação da política de acessibilidade na rede de equipamentos da SECULT-CE.
Assessora de Gabinete da Secretaria da Cultura de Fortaleza (SECULTFOR)