Presídio de Bangu, mulheres e surpresas
Bangu. Bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, em algum lugar da avenida Brasil. Bangu: onde são medidas as temperaturas mais altas da cidade. Lá onde fica o complexo carcerário. É como entrar num barco que nos conduz a uma ilha distante.
Bangu. Bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, em algum lugar da avenida Brasil. Bangu: onde são medidas as temperaturas mais altas da cidade. Lá onde fica o complexo carcerário. Tudo que eu sabia sobre Bangu, até atravessar os muros altíssimos de concreto cinza com arame farpado na ponta que separam o complexo da cidade.
É como entrar num barco que nos conduz a uma ilha distante.
Lá onde os remédios não chegam. Lá onde o material de higiene pessoal é doado pela igreja, ao invés de ser entregue pelo Estado. Lá para onde são enviados nossos degredados. A ilha de que não temos notícia, mas que é o perfeito negativo da foto da família brasileira racista e patriarcal.
Minha primeira surpresa no presídio feminino é que 70% das detentas estão ali por crimes ligado ao tráfico de drogas. Nenhuma chefona. Todas mulas. Só peixe pequeno. Mas condenadas por crime hediondo. A maioria são negras e pobres, esposas de presos, que tentaram entrar com droga na cadeia. Boa parte delas são jovens, entre 18 e 29 anos, com ensino fundamental, tentando ganhar um troco ilícito que complemente a renda que não dá conta de manter a casa, a vida, os filhos.
Se o presídio é a ilha, o presídio feminino é a solitária dentro da ilha.
São as mulheres que fazem fila para visitar os presídios masculinos. E são as mulheres que, quando presas, não recebem visitas.
Através dos corredores, celas e solitárias, o cheiro é de detergente. O material de limpeza que o Estado envia não é suficiente. Pra manter a cadeia limpa, as diretoras aprenderam na internet a fazer sabão e cloro. Uma boa surpresa: as funcionárias do presídio parecem ser profundamente comprometidas com seu trabalho.
Nas paredes de pintura descascada de algumas celas, pode-se ler a palavra “saudade”, entre corações e nomes de casais. Em cada cela de 6 metros quadrado estão seis mulheres. Através da janela, entram raios de sol, nenhuma brisa e a imagem do lixão. Elas dormem em beliches de alvenaria, sobre as quais estão finos colchões. Há ventiladores, esponjas, garrafas de água, bíblias. Os pertences ficam em sacos de supermercado. Sobre as camas, pendem gambiarras como armários flutuantes. Atravessando a cela, varais.
Todas vestem camiseta branca, tem os cabelos presos e as unhas feitas. Na pele, tatuagens. Os pés pisam sandálias de dedo.
Neste prédio chamado de Joaquim Ferreira, dentro do complexo de Gericinó, estão 500 detentas. Cabem 400. O aumento do encarceramento feminino nos últimos 14 anos no país foi de 567%, de acordo com dados do Ministério da Justiça. A cadeia oferece curso de designe de sobrancelha, maquiagem, fuxico e crochê. São iniciativas significativas, algumas de funcionárias do próprio presídio, mas que levam a questionar por que continuamos a nos colocar nestes lugares de subalternidade?
Ao longo das galerias, aquelas que encontram força para tomar a palavra são brancas.
A ilha é distante mas está tudo ali: a falta de escolaridade da população negra, a maior escolaridade da população branca, as desigualdades de classe, o reflexo do racismo brasileiro na autoestima de todas. Surpreende o fato delas não terem noção dos próprios direitos. Ao invés de fuxico, que tal feminismo?
No dia 12 de Abril, o presidente em exercício assinou o pedido de indulto, incluindo nele as mulheres encarceradas por tráfico.
Segundo texto no site Justificando: “o indulto, que é uma forma de extinção da pena, será concedido de acordo com o decreto para as mulheres presas que não tenham sido condenadas por cometer crime mediante violência ou grave ameaça e não tenham sido punidas com a prática de falta grave”.
Foi sancionada também a lei que veda o uso de algemas nas presas durante o trabalho de parto. Sorte a sua saber disso no momento em que a prática será extinta no país.
Deu a louca no presidente? Essa é uma conquista do movimento de mulheres e de entidades ligadas aos direitos humanos, fruto de anos de luta. O pedido destes grupos era para que o indulto fosse assinado no dia das mulheres. Ficou pro dia das mães, retomando a pauta moral do bela, recatada e do lar, tão cara ao atual mandatário. No dia das mães, as detentas voltam para seus lares, isto é, o espaço que lhes cabe. Claro que, independente do recado do poder, a vitória é gigantesca e deve ser comemorada, exposta e empoderada. Essa é mais uma demonstração de que juntas somos mais fortes, mesmo.