Por Patrick Simão, do Além da Arena

Neste domingo (7), alguns jogadores da Seleção Francesa de Futebol, que estão na semifinal da Eurocopa masculina, comemoraram a vitória da esquerda e do progressismo contra a extrema-direita nas eleições para o parlamento francês.

Aurélien Tchouameni, do Real Madrid, celebrou nas redes sociais: “A vitória do povo!”. Jules Koundé, do Barcelona, afirmou: “O alívio é igual à preocupação das últimas semanas: imenso! Parabéns a todos os franceses que se mobilizaram para que a França não se veja governada pela extrema-direita”. Ousmane Dembelé, do PSG, também se mostrou feliz com o resultado, publicando uma foto em seu story.

Junto a eles, o grande destaque da equipe, Kyllian Mbappé, reiterou, em três entrevistas-coletivas durante a competição, sua rejeição à extrema-direita. Posteriormente, o técnico da Seleção, Didier Deschamps, disse que está de acordo com o posicionamento de Mbappé. Para o craque francês, maior nome do PSG nos últimos anos e recém-contratado pelo Real Madrid, “é realmente urgente votar, não podemos deixar o país nas mãos dessas pessoas. Vi os últimos resultados e foram catastróficos”. Os resultados em questão indicavam uma vantagem parlamentar da extrema-direita, algo que foi revertido neste domingo. Portanto, podemos considerar a hipótese de uma influência do ídolo francês como um dos fatores para esta virada histórica.

Quando vemos essa postura vinda de grandes jogadores franceses, logo comparamos com a realidade oposta que vivemos no futebol masculino brasileiro. Em sua grande maioria, os jogadores não se posicionaram ou declararam apoio político ao negacionista Jair Bolsonaro nas últimas eleições. Essa reflexão converge justamente com o aniversário de 10 anos do 7 x 1, por ironia do destino (que também pode ser atribuída às gestões do futebol brasileiro, que entrarão neste debate).

Iniciando a análise pela França, há um ponto em comum entre os jogadores que se posicionaram: todos são filhos ou descendentes de imigrantes africanos. Barrar a imigração é justamente um dos pontos centrais do discurso nacionalista da ultra-direita francesa, que se baseia na xenofobia para tentar crescer. Estes jogadores, portanto, têm as suas identidades atingidas e poderiam nem viver na França caso suas famílias fossem barradas nas últimas décadas. É irônico que o discurso nacionalista francês é bem visto quando estes jogadores ganham a Copa do Mundo, mas mal visto quando eles se posicionam ou então quando fracassam esportivamente.

:: Mbappé e mais de 160 atletas franceses se mobilizam contra extrema direita nas eleições na França ::

Enquanto na França podemos ver os atletas se posicionando contra políticas que se opõem às suas identidades, não vemos o mesmo por aqui. Apesar da maior parte dos jogadores brasileiros serem de origem mais pobre e de muitos deles sofrerem constantemente com o racismo, eles não costumam se opor a um político que tem acusações de racismo ou a uma política econômica que prejudica os mais pobres.

Nesse panorama, podemos colocar duas hipóteses: a primeira é a inserção católica-evangélica na cultura nacional, que, em muitos casos, é comandada por agentes do bolsonarismo. Muitos dos nossos jogadores recebem esse discurso desde a infância e o incorporam à vida adulta, passando-o para a geração seguinte. Outro aspecto é que, para conseguir destaque, os atletas precisam conviver com empresários ou com o meio político do futebol brasileiro, que também é majoritariamente comandado por direitistas.

O principal exemplo atual é Neymar. Às vésperas da Copa do Mundo de 2022, o atleta, que era considerado a principal referência da Seleção naquele momento, declarou publicamente apoio a Bolsonaro. Outros jogadores concordaram com ele, enquanto outro grupo não se posicionou. Isso é grave, visto que grande parte da Seleção atual afirma publicamente que Neymar é um ídolo de infância deles, o que pode provocar (e muitas vezes provoca) a repetição de muitos dos seus comportamentos e posicionamentos.

Temos sempre que destacar os posicionamentos raciais históricos e veementes de Vinicius Jr, craque do Real Madrid. Ou então os posicionamentos sociais de Richarlison em muitos momentos. Paulinho, destaque do Atlético Mineiro e que recentemente passou pela Seleção, é a principal voz de esquerda dentro do futebol brasileiro atual. Além disso, o cenário é diferente no futebol feminino brasileiro, com muitas atletas se posicionando contra a extrema-direita e protestando contra casos de misoginia e LGBTfobia no futebol (enquanto o futebol masculino, quase sempre, segue calado).

Historicamente, temos grandes nomes como Sócrates, Reinaldo, Casagrande e Raí se posicionando a favor de políticas sociais. O último deles, inclusive, é ídolo do PSG e discursou contra a extrema-direita francesa, comparando-a com a do Brasil, de Jair Bolsonaro.

Ainda assim, o cenário também não é positivo quanto a ídolos históricos. Romário (senador pelo PL) e Ronaldinho Gaúcho declararam apoio a Bolsonaro, Ronaldo fez o mesmo com Aécio Neves em 2014, e os exemplos seguem se formos pensar em mais ex-atletas da Seleção masculina. Também podemos considerar casos ainda mais graves, como o do goleiro bicampeão mundial Gylmar, que trabalhou para a Ditadura Militar, e de Falcão, recentemente acusado de assédio, que manteve amizade com o torturador Pedro Seelig.

A partir disso, lamentamos, mas também precisamos refletir: há como mudar o cenário social da elite do futebol masculino brasileiro? Acredito que há, mas isso passa por um trabalho geracional, que ainda pode acontecer.