Por que a esquerda não abraça a pauta da maconha?
São raras as opções de partidos que assumem o antiproibicionismo como bandeira.
Um lance que sempre me deixou encucado com relação à esquerda brasileira é o fato de a maioria dos partidos e movimentos sociais não abraçar, de verdade, a luta pela legalização da maconha. Em algumas dessas organizações, a pauta está ali, no canto, ilustrativa, quase cumprindo tabela; em outras, tem até um peso maior, mas nunca realmente significativa; mas há casos que chega a ser mais tabu que em espaços políticos assumidamente conservadores. São raras as opções, como o PSOL, de partidos que assumem o antiproibicionismo como bandeira.
Há ainda uma resistência quanto à pauta do cultivo, mesmo entre os antiproibicionistas. Uma ideia errada de que falar de cultivo no Brasil é algo elitista, de que plantar é uma condição possível apenas para brancos, privilegiados, de classes mais altas. Nós, ativistas do cultivo, sabemos que esta realidade tem mudado muito nos últimos anos. Os relatos que chegam pelos canais do Growroom mostram que é cada vez maior o número de usuários que não se enquadram nesse recorte social. Gente preta, periférica, jovem, que tem encontrado no cultivo caseiro a autonomia, o acesso a um fumo de melhor qualidade e o rompimento de relações com o tráfico.
Quando a esquerda ignora esses jovens, que já se conscientizam quanto ao uso que fazem da maconha, ignora mais uma vez o trabalho de base. Um trabalho de base que diz respeito a um assunto que causa impactos sociais dramáticos, que agente sabe bem quais são: o genocídio da juventude negra, o encarceramento em massa, a violência policial e por aí vai. Mais que isso: deixa de mostrar para essa molecada que está trabalhando por políticas que levem à regulamentação de um mercado que pode destravar uma vastidão de possibilidade de trabalhos formais relacionados à maconha.
Mas aí quem vai e faz isso? Sim, meus amigos: a direita. Claro que com outros interesses, que não o social. Visando o lucro, como sempre, as alas políticas conservadoras já se ligaram no potencial econômico milionário da cannabis legal. Afinal, a direita sacou que, com a legalização iminente, a grana é a forma de seguir dominando os pobres: assim como dominavam com a proibição, agora querem dominar controlando esse mercado que antes era criminalizado.
O jogo já está virando no mundo todo. Basta perceber que o mercado da cannabis legal já é praticamente dominado por brancos nos Estados Unidos, como mostra o filme “Baseado em Fatos Raciais”, da Netflix. Por aqui, a coisa não é diferente, e o mais curioso é que a esquerda não consegue perceber essa realidade. Não vê que também estamos sendo direcionados a um modelo em que as grandes empresas, com capital estrangeiro, dominarão o mercado e empregarão apenas brancos; em que os jovens deixarão de ter consciência de que fumar maconha é um ato político; em se alastrará o desagradável fenômeno do maconheiro bolsominion.
Vale lembrar que a coisa começou quando a indústria farmacêutica aproveitou do desespero de pais e mães de crianças enfermas para desvincular o CBD da maconha, como se o endocanabinoide fosse algo dissociado da planta, atrasando em anos a luta antiproicionista. Agora, o atraso tende a perpetuar com o projeto de lei do deputado Paulo Teixeira, que deixa o cultivo medicinal nas mãos do agronegócio ao permitir que as licenças sejam concedidas apenas a empresas, mantendo na criminalidade usuários caseiros.
Ou seja, já estão entregando o mercado para os gringos, abrindo o caminho “para a boiada” e perpetuando a guerra às drogas. Os ricos continuarão mais ricos e privilegiando suas castas, o negro periférico seguirá como a principal vítima desta guerra, as cadeias continuarão lotadas, as estruturas de corrupção serão mantidas e o usuário ainda viverá à margem do risco. Portanto, a esquerda deve começar, urgentemente, debater o modelo de legalização do Brasil – que não é o do Uruguai, que não é o da Califórnia, que não é o da Holanda.
Os partidos da esquerda brasileira devem incluir a legalização da maconha em seus planos de governo e não só usar o assunto como isca para conquistar votos. Devem ter a mesma coragem que alguns candidatos que nestas eleições têm se disposto a dar a cara a tapa, em tempos tão sombrios, para a levantar a bandeira antiproibicionista – como o caso de André Barros (PSOL-RJ), no Rio, e Dário (PSOL-MG), em BH. É urgente que a esquerda abrace a pauta da maconha, antes que ela escorra de vez pelas mãos.