Para o ano que vem, eu desejo a revogação do Novo Ensino Médio
Após ampla mobilização, a votação foi adiada e ficará para março de 2024, garantindo que o debate também seja realizado durante a Conferência Nacional de Educação (Conae)
Nas últimas semanas, os movimentos educacional e estudantil aumentaram a pressão nas ruas e nas redes para tentar impedir a votação na Câmara dos Deputados do texto do relatório do deputado Mendonça Filho, que apresenta uma nova proposta de Ensino Médio para as escolas públicas e privadas brasileiras. Diga-se de passagem, desastrosa. O texto foi apresentado para substituir o projeto original, enviado pelo Executivo (PL 5230/2023), – este fruto da consulta pública realizada pelo Ministério da Educação, que ouviu, durante 90 dias, o conjunto do movimento educacional.
Após ampla mobilização, a votação foi adiada e ficará para março de 2024, garantindo que o debate também seja realizado durante a Conferência Nacional de Educação (Conae). A mobilização conquistou um fôlego para que possamos reorganizar as estratégias e trabalhar para garantir que o Brasil tenha um modelo de ensino médio inclusivo e democrático.
O projeto em debate, apresentado por Mendonça Filho, não foi discutido pela sociedade brasileira. E, pior, em seu interior, reforça muitos dos elementos da desastrosa Lei 13.415/17, também chamada de Novo Ensino Médio (NEM) – feita pelo desgoverno Temer quando o deputado Mendonça Filho era Ministro da Educação. Além de criar um piso de 2.100 horas para a carga horária de disciplinas comuns, inclui profissionais não licenciados, com reconhecimento de notório saber, no exercício do magistério. Isso significa abrir as portas da escola pública para pessoas sem formação na área educacional ou mesmo curso superior para ministrar disciplinas de formação técnico-profissional. Combater a terceirização de partes da formação escolar é essencial tanto para a valorização da profissão docente quanto para o combate à precarização do ensino.
O texto do relatório vai de encontro ao programa eleito pelas urnas em outubro do ano passado. O que ascende uma luz amarela acerca das estratégias e do nível de resistência oferecida pelos representantes do campo conservador frente às demandas populares. O que temos hoje é uma maioria conservadora que ignora a consulta pública aberta pelo Ministério da Educação (MEC) e também os interesses da maioria do nosso povo.
A retomada da participação social enquanto um princípio tem norteado as ações do terceiro governo Lula. Tanto que o Ministério da Educação, liderado pelo ministro Camilo Santana, deu consequência a esse programa vitorioso quando convocou a sociedade civil, a comunidade escolar, os profissionais do magistério, gestores, técnicos dos sistemas de ensino, estudantes e pesquisadores a orientar o Ministério na elaboração de uma verdadeira proposta de Ensino Médio. É assim que se constrói um modelo socialmente referenciado, moderno e promotor de autonomias. Radicalmente diferente da proposta imposta de cima pra baixo, sem o devido diálogo com a sociedade e que atende somente a interesses diretos de setores do empresariado de Mendonça Filho.
O Novo Ensino Médio (NEM) não cumpriu com a proposta de fazer da sala de aula um espaço dinâmico e atrativo para os estudantes, tampouco para os educadores, não sendo capaz de se viabilizar sequer enquanto alternativa aos limites do modelo anterior, frustrando também as expectativas dos estudantes que buscam preparação técnica para o mercado de trabalho. Desde então, esse modelo tem sido parte responsável pelo aprofundamento do cenário de exclusão em um país em que mais de 70 milhões de estudantes, jovens e adultos, não terminaram sua formação básica. Esse modelo tem produzido um verdadeiro apartheid educacional, sendo os mais afetados os jovens pobres, negros e periféricos, que estão submetidos a uma educação com currículos rebaixados.
Por isso, defendo a recomposição das 2.400 horas da Formação Geral Básica, uma elevação fundamental para a preparação dos estudantes que, ao concluírem o ensino médio, farão a prova do ENEM, um importante instrumento para o processo de democratização da Universidade Pública no Brasil. Além disso, como bem propõe o projeto do Executivo, é fundamental a substituição dos itinerários formativos, definindo que o currículo será composto pela formação geral básica e pelos percursos de aprofundamento e integração de estudos – uma estratégia que buscará combinar, no mínimo, três áreas do conhecimento, conforme a relevância para o contexto local. São as áreas: linguagens, matemática e ciências da natureza; linguagens, matemática e ciências humanas e sociais; linguagens, ciências humanas e sociais e ciências da natureza; e matemática, ciências humanas e sociais e ciências da natureza. O projeto também aponta que os sistemas de ensino garantirão que todas as escolas de ensino médio ofertem, no mínimo, dois percursos com ênfases distintas.
Importante também o retorno de disciplinas como filosofia, sociologia, artes e o ensino de língua estrangeira, que tem como objetivo contrapor o caráter do Novo Ensino Médio, que atribuiu toda a importância para uma formação voltada para a ocupação de vagas de baixo valor agregado no mercado de trabalho.
Aprendemos ao longo da história do Brasil e da nossa gente que a realidade brasileira demanda cada vez mais sujeitos críticos e capazes de tomarem assento em um processo de alteração das suas próprias realidades e a realidade do nosso país.
A ampliação e intensificação dos debates em torno das diretrizes da Politica Nacional de Ensino Médio (PL5230/2023), visando suprir até aqui a inexistência de debates públicos em torno do relatório apresentado pelo deputado Mendonça Filho, coloca-nos diante da grande oportunidade de discutirmos juntos e democraticamente um modelo de educação que atenda aos interesses da maioria do povo brasileiro e que ainda seja capaz de aperfeiçoar o projeto enviado pelo governo.
Nossa luta, somada aos setores do movimento educacional, é pela implementação de um modelo de educação que dialogue com um projeto político da maioria, que aposte na participação popular como chave para o aperfeiçoamento democrático e que forje uma cidadania consciente e autônoma. Tem um modelo de educação que já vem dando certo, o dos Institutos Federais. O ensino médio integrado ao curso técnico é o modelo com os melhores resultados, uma vez que articula a formação geral com uma formação específica, garantindo, ao mesmo tempo, uma educação emancipatória e crítica e preparatória para o mercado de trabalho.
Como professora e que conhece o chão da escola, seguirei trabalhando para que o Brasil assegure uma educação que garanta o pleno desenvolvimento da nossa juventude e da nossa classe trabalhadora e que os prepare para o exercício da cidadania e os qualifique para o trabalho digno e decente. Esse é meu desejo e meu compromisso de luta para 2024.
Dandara Tonantzin é deputada federal e coordenadora da Frente Parlamentar Mista da Educação.