Os pretos no devido lugar
Aquele que nunca reproduziu um comportamento racista que atire a primeira pedra
Este artigo deveria ser uma celebração do orgulho e das vitórias de mais “um príncipe guerreiro que defende o gol” (Racionais MC’s) na Champion’s League 2024. Vinicius José Paixão de Oliveira Junior mais conhecido como Vini Jr., cria de São Gonçalo, Rio de Janeiro, terra de outros talentos como Orochi, Buchecha, Mc Poneis, Claudia Leitte, Black Alien, e Lucas Bebê.Vini Jr. está indicado ao prêmio “Bola de Ouro”, que o elegeria o melhor jogador do mundo na temporada.
Vini Jr. já é uma grande promessa no futebol mundial, mas a diferença de títulos entre ele, Messi e Ronaldo é grande. Além disso, como jogador preto, Vini Jr. precisa provar seu valor repetidamente e enfrentar ofensas racistas constantes. Messi e Ronaldo são referências no futebol, mas como seriam tratados se fossem pretos?
Em apoio a Vini Jr., a GR6 Explode (maior produtora de arte urbana da América Latina) juntou os maiores artistas de seu elenco em um grito de protesto que questiona o racismo estrutural e busca ressignificar o lugar dos pretos na sociedade. Depois de “Cracolândia”, “Hit do Ano”, “180” e agora “Pretos no Devido Lugar”, lançada no último dia 31/05, a música, com um elenco poderoso de artistas como Ludmilla, Ice Blue (Racionais MC’s), Mc IG, Mc Davi, Mc Livinho, Mc Hariel, Mc Ryan SP, Vulgo FK, Mc Don Juan, Mc Kelvinho, Mc Kadu, Mc Luki e com os beats poderosos de Murillo e LT no Beat, já está disponível em todas as plataformas.
“Os Pretos no Devido Lugar” é um chamado à consciência que ressignifica a ideia de qual deveria ser o lugar das pessoas pretas, buscando um futuro onde pessoas pretas possam estar onde quiserem, sem serem hostilizadas. A música convida à reflexão sobre o racismo e a importância de lutar por um Brasil mais justo e igualitário.
É importante lembrar que o combate ao racismo não é responsabilidade exclusiva dos pretos. Pessoas minimamente letradas sabem que não é necessário ser preto para combater o racismo na sociedade.
Não torne o nosso lugar de fala um lugar de fardo.
Já existe muito material disponível para estudo, começando pelas leituras básicas da coleção “Feminismos Plurais” que ajuda a se inserir no debate. Como diria Mc Hariel em trecho da música: “Entortar racista é a minha diversão”. Que assim seja a nossa diversão. Música é sentimento; cada um fala e canta aquilo que vive ou sente.
Nós não precisamos de brancos salvadores com síndrome de princesa Isabel, com a ideia de que não ser racista é ter um amigo(a) preto(a), companheiro(a) preto(a), funcionário(a) preto(a). Isso não te fará menos racista. Ser aliado de verdade é muito mais do que a simples ideia de branco salvador. “Dar voz para preto” não resolve os nossos problemas nem alivia a culpa burguesa.
Precisamos de mais equidade salarial e de ocupar mais cadeiras de alto comando dentro das multinacionais. Começando pelos grandes clubes, grandes gravadoras e plataformas de distribuição musical de streaming no Brasil, que não têm uma pessoa preta no alto comando como CEO. Se houver, me provem que estou errado. Parece brincadeira, mas não é. De que adianta escancarar o tema através de versos e rimas quando a indústria do futebol e da música, há décadas desde a época do Samba até o primeiro jogador preto (Miguel do Carmo) na história do Brasil, lucra bilhões de reais com suor e sangue preto, e mesmo assim, não muda muitas coisas em relação ao tema.
Discutir sobre racismo no Brasil, seja em casa, no trabalho, nas rodas de amigos e familiares, nas escolas, nas universidades, na academia, nos espaços políticos e religiosos, e de lazer, que vão dos campos de várzea na quebrada até os clubes de tênis nos Jardins e Morumbi, ainda é uma utopia. A música, por si só, não consegue dar a dimensão da profundidade do que é discutir e entender o problema do racismo no Brasil, mas ela ajuda e estimula a busca e pesquisa por informações adicionais para o letramento racial. Se fosse assim, todo mundo que um dia ouviu e consumiu as músicas e letras dos Racionais MC’s conseguiria compreender o que é nascer preto e viver no Brasil.
Como disse (Martin Luther King Jr.) “Nós não podemos andar sós.” A luta contra o racismo exige união e engajamento de todos, pretos e brancos, em busca de um futuro mais justo e igualitário.
Quanto ao Vini Jr., continue brilhando no futebol com seus passos firmes e fortes representando o povo preto e brasileiro e criando oportunidades para seus pares que um dia também sonham em ocupar o topo como você, sem precisar desviar o foco da entrevista para falar do que você mais sabe fazer, que é jogar bola, para falar do que é ser preto no Brasil.
“Eu quero fazer com que as pessoas no mundo possam evoluir, possam melhorar, e que possamos ter igualdade, e que no futuro próximo, possam haver menos casos de racismo e que as pessoas negras possam ter uma vida normal, como todas as outras. Eu quero seguir lutando só por isso, porque, se fosse como eu falei antes — se fosse só por mim, eu já teria desistido, porque eu fico só dentro de casa, ninguém vai me enxergar e ninguém vai fazer nada comigo” (Vini Jr.).