Os Deuses estão em festa: Gilberto Gil em Berlim!
Em 2019, com o Brasil sendo governado por um extremista de direita e já com o Ministério da Cultura extinto, Gil é ainda mais o gostinho de um Brasil quase apagado da nossa percepção, o gosto de um Brasil feliz. A história de Berlim não poderia ser melhor adubo.
Certamente quando em turnê pelo Velho Continente, Londres há de ser campeã invicta em simbologia na trajetória de Gil. Além do cunho político dos tempos de exílio, as influências musicais angariadas ao DNA sonoro gilberteano, o elevaram para o patamar do transcendente. Os sons de Bobby Marley e Jimmy Hendrix o fizeram substituir o violão pela guitarra elétrica que, por sua vez, lá atrás quando Gil ainda morava na Bahia, substituíra o acordeon, depois dele ouvir nas ondas da Rádio Bahia, no final de 1959, ecoar “Chega de Saudade” de João Gilberto. “A partir dali, tremeu tudo”, revela Gil em entrevista ao programa “Som do Vinil” no Canal Brasil em 2014. Depois do almoço ele foi ao armazém que ficava ao lado, procurou na lista telefônica o número da Rádio Bahia e indagou sobre a música que acabara de ser tocada. “Tocou tudo em mim, o violão em especial. As notas lisas, sem vibrato, mas em especial mesmo o violão. Isso me fez, logo em seguida, tomar coragem para pegar o violão pela primeira vez”.
A influência africana, especialmente aflorada depois da viagem a Luanda, quando esse país ainda era desconhecido do mapa seria enriquecida, mais tarde, nas viagens de Gil durante as filmagens do documentário, “Viramundo”, do suíço Pierre-Yves Borgeaud.
Se espalha nos campos derrubando as cercas…
Berlim não tem como desbancar Londres, ainda muito menos encarar a disputa com a riqueza do continente africano, mas é nesta cidade que Gil é recebido como um ídolo. Poucas vezes os alemães conseguem expressar emoção: talvez sejam Tina Turner, Gil e David Bowie as únicas exceções. Quando Gil toca em Berlim, ele faz questão que seja na Casa das Culturas do Mundo, não muito pelo nome que angaria respeito, mas pelo lugar no qual ele já construiu um livro de histórias.
Pelo segundo ano consecutivo (e isto já é como 13 pontos na loteca) o baiano Gil volta a Berlim e se apresenta no centro cultural de maior relevância do país.
Em 2006, como ministro da cultura do governo Lula (2003-2008), o maior embaixador cultural que o Brasil já teve, fez um show no auditório para qual os ingressos se esgotaram em duas horas. Para compensar e fazer jus à eletricidade que emanava em Berlim naquele verão durante a Copa da Alemanha, foi agendado um show do lado de fora, no coração verde de Berlim que reuniu e transformou o jardim da “Casa” em um formigueiro humano (fontes não oficiais falam de 5.000 pessoas). Neste dia estavam no palco ou ao seu redor, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Margareth Menezes e até o colunista Anselmo Góis. Foi uma festa popular como eu nunca vi naquele local. Nem antes, nem depois.
Em 2018, (depois de um jejum de 7 anos), Gil chegou a Berlim com o som de Refavela40. Uma banda imensa com músicos jovens, desconhecidos e dotados de eletrizante talento e simpatia.
Gil é para Berlim na área da música o que Fernanda Montenegro representa para a área do cinema. A cidade se ajoelha, reverencia, chora, canta.
Em tempos sombrios quando no Brasil a arte, ciência e cultura foram declaradas inimigas do povo, o melhor embaixador que se pode desejar é Gil, que joga na liga de músicos imortais desde sempre, como Carlos Santana, Miles Davis, John Coltrane, BB. King, Wayne Shorter, George Duke, sim, será um afago para brasileiras e brasileiros, como de praxe, mas Gil se espalha nos campos derrubando cercas e muros e o mal humor crônico dos berlinenses.
Em 2019 em Berlim será mais do que “somente” um bem-vindo afago na alma brasileira, mas um presentão para todos ali que anseiam serem alimentados com a eletricidade e sonoridade gilbertiana à céu aberto, à beira do Rio Spree, no terreno que é a espinha dorsal político-cultural da hoje Capital da República. Mas Gil conhece Berlim de outros carnavais. Um dia depois do Brasil ser campeão da Copa de 1994, Gil e Caetano tocaram em Berlim promovendo o “Tropicália”. Um dia depois do Brasil ser campeão em 2002, exatamente contra os alemães (que tempos bons aqueles!), Gil deu o ar de sua graça em local também histórico, o jardim da Ilha dos Museus. Super solícito, evitou de esbravejar a alegria da conquista da Seleção e ficou até sem jeito. Um diplomata de primeira linha!
Em 2019, com o Brasil sendo governado por um extremista de direita e já com o Ministério da Cultura extinto, Gil é ainda mais o gostinho de um Brasil quase apagado da nossa percepção, o gosto de um Brasil feliz. O solo berlinense não poderia ser mais propício.
Em sua última passagem por aqui, tentando tirar duas fotos, voltei ao camarim. Ele, sentado na mesa redonda e acompanhado de músicos olhou pra mim com olhar interrogativo. Super sem graça eu cheguei a ele e disse: “Gil, a foto não vingou, faz outra comigo?”. Ele levantou da mesa, veio até a mim e disse,: “Fátima, agora tem dar certo…”., disse ele em tom como daquele professor solícito mas que acaba de corrigir a redação e ainda vê potencial de otimização.
Pente fino no Velho Continente
Gil se tornou um Workaholic. Tem o programa semanal “Amigos, Sons e Palavras” no Canal Brasil, fez a trilha sonora do novo espetáculo do “Grupo Corpo” de Belo Horizonte do qual lançamento será no Teatro Alfa, São Paulo, dia 8 de agosto. No final de junho, Gil esteve pessoalmente em BH para acompanhar os ensaios. Ainda gravou o disco “OKOKOK”. A turnê passa o pente fino na Europa. Iniciou em Viena, passou por Londres e no momento de finalização desse artigo, a equipe já estava a caminho de Rotterdam, na Holanda.
Depois de Berlim, onde se apresenta no domingo, dia 14, Gil passa por Portugal e Espanha e ainda volta à Alemanha para shows em Munique (22) fechando as datas em solos alemães em grande estilo, dia 11/08 na prestigiosíssima Filarmônica de Hamburgo. Dia 13/08 é Grande Finale em Oslo, na Noruega.
Gil chega a Berlim com uma banda repleta de músicos talentosos, alguns deles, “Prata da casa” e com sonoridade de alto caráter percussivo.
Danilo Andrade – teclado
Diogo Gomes – Trompete /Flügelhorn
Thiago Queiroz – Sax (alto e barítono)/flauta
José Gil – percussão/bateria
Domenico Lancellotti – percussão/bateria
Bruno Dilullo – baixo
Bem Gil – guitarras e direção musical
Nara Gil – back vocal
Participações especiais: Roberta Sá e Flor Gil Demasi (neta de Gil)