Orquestra Sinfônica Jovem faz homenagem à compositora negra Florence Price no Theatro Municipal

Violoncelista Antônio Meneses, que faleceu aos 66 anos no início deste mês, também foi reverenciado

Na onda das comemorações de dez anos da Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro (OSJRJ), seus integrantes fizeram uma homenagem na noite do dia 27 de agosto à compositora negra norte-americna Florence Price. O concerto contou com a participação da pianista Olga Kopylova e do regente José Soares, que interpretaram obras também de George Gershwin e Maurice Ravel. Na ocasião, o violoncelista Antônio Meneses, que faleceu aos 66 anos no início deste mês, na Suíça, também foi reverenciado. 

A composição “Concerto para Piano em Um Movimento”, de Price, foi apresentada pela primeira vez na cidade. Ativista contra o racismo e pianista desde os 4 anos de idade, a musicista norte-americana foi a primeira mulher negra no seu país reconhecida como compositora e a ter uma canção tocada numa orquestra sinfônica. Nascida no sul dos Estados Unidos, após sofrer muito preconceito e até linchamentos, só teve sua obra reconhecida anos depois em Chicago, onde sua carreira ganhou mais visibilidade nacional. Passou por escolas de música e seu repertório diversificado ganhou prêmios, sendo revisitado hoje por estudiosos décadas depois de sua morte, em 1953. 

Foto: Marcelo Costa Braga

Segundo a jovem de 23 anos, Biancka Faria, que toca violino desde 2019 na OSJRJ, homenagear uma das compositoras mais importantes de que já ouviu falar é muito emocionante. Ela destacou que além de mulher e negra, Price é de uma época em que, além de não existir mulheres nas orquestras, muitas compositoras tinham que mudar a autoria de suas músicas porque era proibido. 

“Era uma forma de calar elas, e ver uma compositora mulher e negra representando isso mostra o quanto conseguimos evoluir nessa questão. Ainda mais no mundo erudito que, inclusive, se você for reparar, nas orquestras ainda vemos poucas mulheres. Mas está avançando e estamos conseguindo trazer mais representatividade, e essa homenagem é maravilhosa”, destacou Biancka. 

Para a responsável pelo projeto e diretora da Ação Social pela Música do Brasil, Fiorella Solares, é importante estimular repertórios políticos como os de George Gershwin, que foi responsável pela introdução do jazz ao público da música clássica nos EUA e compôs canções consideradas verdadeiros hinos da resistência ao racismo. Suas músicas foram gravadas por cantores e compositores negros do jazz americano, como por exemplo Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Louis Armstrong e Miles Davis.

“É uma honra enorme ver a nossa Orquestra, composta em sua maioria por jovens negros, homenageando Florence Price, e ainda com uma obra inédita em concertos no Rio. Também tivemos obras de Gershwin consideradas verdadeiros marcos da resistência ao racismo nos Estados Unidos. A potência e a representatividade que isso traz para eles é enorme”, afirma Fiorella Solares, diretora da Ação Social pela Música do Brasil, responsável pelo projeto da OSJRJ.

Também foram marcantes as participações da pianista Olga Kopylova, nascida no Uzbequistão e que, entre 2000 e 2024, ocupou a posição de pianista titular na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), sendo uma das solistas mais requisitadas e premiadas do país. E na regência, o jovem talento paulista José Soares, que com apenas 26 anos já regeu orquestras em diversos países, inclusive na de Tóquio, considerada uma das maiores do mundo, sendo um dos nomes mais importantes de sua geração e inspiração para os jovens na música de concerto no Brasil. 

Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro


A OSJRJ é composta por 55 jovens, a maioria deles de comunidades do Rio de Janeiro. Desenvolvida desde 2014, a Orquestra é residente da PUC-Rio há um ano e meio, por meio do programa da organização social Ação Social pela Música do Brasil (ASMB), projeto que existe há 25 anos e que promove a inclusão social de crianças, adolescentes e jovens de comunidades em situação de vulnerabilidade social.

Atualmente, atende cerca de 4,4 mil alunos em núcleos e polos de musicalização espalhados por 20 comunidades da capital fluminense, além de outras cidades do país. A OSJRJ tem realizado apresentações no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na Cidade das Artes, na Sala Cecília Meireles, Sala da Filarmônica de Minas Gerais, dentre outros locais. Alguns desses jovens talentosos, inclusive, já se apresentaram em concertos na Alemanha, Holanda, Suíça e nos Estados Unidos.

Orquestra Sinfônica Jovem no Theatro Municipal. Foto: Marcelo Costa Braga

O violinista Gabriel Paixão, de 22 anos, participa do projeto desde os onze anos de idade. Fala que sua vida está completamente ligada à orquestra, assim como a de seu irmão mais velho, Natanael Paixão, que hoje toca viola no Conservatoire à Rayonnement Régional de Toulouse, na França. Nascido e criado no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, ele contou que começou a vir ao Centro do Rio com doze anos e, após acessar ingressos para ver pessoas importantes no Theatro Municipal, sempre se emociona ao tocar nesse palco.

“Não importa quantas vezes eu suba aqui, sempre lembro e pisar nesse palco e fazer música é sempre uma emoção muito grande. É um teatro histórico para a cidade e para mim. Hoje foi uma noite linda de festa e comemoração, tanto à memória do violoncelista Antonio Meneses quanto a dos afro-americanos e afro-brasileiros, porque é super importante esse conceito para a orquestra se posicionar com esse tipo de repertório muito diverso”, destacou o jovem.

Alguns jovens relataram a importância de suas experiências enquanto espectadores, antes do primeiro contato com a música e artistas renomados nos ensaios e palcos. Destacam a oportunidade trazida pela Orquestra em estabelecer alguma conexão com a música clássica e no acesso a um local histórico por onde grandes artistas passaram. Muitos lembram de estar na plateia, onde achavam que nunca sentariam, e ter tido contato com grandes músicos, professores, solistas, regentes, etc. 

“O projeto foi o cofundador dessa orquestra e principal pivô que me motivou a ir mais além na música. Me proporcionou tocar algumas vezes aqui, como também na sala de Minas Gerais, que é uma das maiores do país. Imaginar que um garotinho do Complexo do Alemão toca violino no Theatro Municipal e viaja para outros países é algo incrível. A música como transformação e a ponte para as crianças é super importante, pretendo estudar fora mas vou ter sempre o projeto dentro de mim”, concluiu Paixão.