Esse é do bom, você vai gostar. O famoso “dedo de gorila”. Puxou, chapou. Bate na hora. É coisa fina, pode botar fé. Sente o gosto na hora do trago. Fecha o olho e viaja, é só o começo da onda. A experiência é milenar, aproveita, mas mantenha o respeito.

Eu sei que você fica chateada com essas coisas. “Droga é coisa de bandido”, o PROERD te ensinou. Dói agora olhar para trás e enxergar tudo o que te disseram, tentar reagir. Fuma um que a dor passa. A moléstia se amua com um traguinho e você se permite. Ah, como se permite. A mente voa.

Eu também sei que você ficou puta com 100 mil nego fumando na porta da sua casa. No celular, falando com a PM, você gritava de ódio, xingava, mandava um “Bolsonaro neles!”, achando que um falastrão careta vai cortar a brisa de alguém. Hoje não. Hoje ninguém vai cortar a brisa. Porque a Marcha da Maconha é um dia diferente.

 

100 mil pessoas pela legalização na Marcha da Maconha 2017 em São Paulo. Foto: Tiago Macambira / Mídia NINJA

100 mil pessoas pela legalização na Marcha da Maconha 2017 em São Paulo. Foto: Tiago Macambira / Mídia NINJA

Na quebrada, colando na pracinha ou na viela, não pode dar muita pala. Quem dirá fumando na Av. Paulista. Se pá no vão do MASP, quando os coxa não tão por perto. Mas, o Dia da Marcha é nois. Liberado. Bola a vela e mete fogo que vai começar o fumacê.

Eu sei, cara Família Tradicional Brasileira, dói no seu peito eu ter a minha onda tão livre. Você quer ver a PM tacar bomba, esculachar com a gente, como acontece nos outros dias do ano. Mas hoje o esculacho é em você.

A quebrada foi pra rua. As mães foram para a rua. Os médicos e ativistas da redução de danos foram às ruas. O movimento negro foi a rua. As feministas foram às ruas. Os LGBTs foram às ruas. Os playboys foram. Sem treta, sem pala. A Marcha foi linda, mas ninguém mais soube.

Marcha da Maconha de São Paulo em 2017. Fotos: Mídia NINJA

Marcha da Maconha de São Paulo em 2017. Fotos: Jorge Ferreira e Felipe Giubilei, para Mídia NINJA

A Marcha, que começou às 4h20 no MASP, como tradicionalmente acontece, esse ano pegou a Brigadeiro Luiz Antônio, sentido Sé. No meio da Marcha, às 18h, um grupo pequeno de pessoas acompanhava ao vivo o SPTV, jornal vespertino da Rede Globo. Com os olhos atentos, uma mulher de colete laranja assistia esperando uma notinha que fosse sobre a Marcha. Passou o primeiro bloco, nada. O segundo, nada. O terceiro, a mesma coisa. No meio do quarto, ninguém mais prestava atenção, aceitando que mais uma vez não seriam notícia.

Não foram. Como não foram no ano passado, e no outro, e no outro etc. Quando foram, em 2011, eram vândalos maconheiros em uma repressão irracional da PM. Essa você gosta Família Tradicional, por isso passou. Está na hora de mudar.
Este ano, seus veículos até falaram alguma coisinha.

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A brisa errada dos jonais é conseguir hipersexualizar o corpo de uma mulher até em uma manifestação pela legalização da maconha. O pai da Família deve clicar em uma mulher com os seios tampados apenas por uma folha da erva. A notícia “caça cliques” flertando com a irrealidade e a mentira. Quem foi, sabe que não é só isso a Marcha. E quem não foi?

A impossibilidade de disputar o imaginário das pessoas nas redes impediu a Marcha de ser ainda maior. O que eu queria entender na Família Tradicional é de onde vem esse seu medo de Maconha. A erva machuca a sua moral?

A imprensa tenta invisibilizar a Marcha. É descarado e absurdo. Em qualquer lugar do mundo, 100 mil pessoas fumando maconha na principal avenida da cidade seria uma manchete de capa. Mas a gente trata como notinha de rodapé com comentários bizarros sobre “manifestantes protestaram contra ditadura venezuelana”, como saiu na Folha de S.Paulo.

Ai, Família Tradicional, melhorem!

Eu sei que, daqui há algum tempo, você também vai aderir a uma “goiaba” da boa pra relaxar essa cabeça cheia de discursos do João Doria ou do Bolsonaro. Vocês vão aceitar que maconha é paz, a guerra é morte. Mas, por enquanto, ainda estão nessa vibe agressora e moralista, pensando tudo como uma grande contravenção da lei e dos “bons costumes”.

Seus veículos, na mesma onda, tem medo de falar sobre drogas. Aliás, dá mais espaço para os “craqueiros”, uma forma fácil de criminalizar usuários.

As redes, por outro lado, são um termômetro. Enquanto nas ruas a mobilização é quente, nas redes é tabu. É melhor não arrastar. Quantos fumam e os pais sabem? “Ah, prefiro deixar quieto, pra não dá treta” é a resposta da maioria.

Pois, maconheiros e maconheiras deste país, sair do armário também é lutar pela legalização!

Enquanto nos escondermos e não nos assumirmos, eles vão nos invisibilizar! É através do empoderamento e da aceitação de que a cultura que vem da erva é um poder místico catalisador de energias para todo o cosmo, que podemos nos entender e unir para pedir a legalização.

Não queremos habeas corpus para fumar um dia sem PM:

🍁 Queremos regulamentação para fumar todo dia com segurança, com saúde e com qualidade.

🍁 Queremos regulamentação para ter acesso ao autocultivo e a possibilidade de curar filhos e filhas, homens e mulheres, a quem é negado o acesso ao único remédio que pode de fato os ajudar.

🍁 Queremos que nossa população não seja exterminada em nome de uma guerra hipócrita que serve para controlar corpos e grupos sociais.

🍁 Queremos a liberdade de Rafael Braga e tantos outros vítimas da Guerra às Drogas.

🍁 Queremos o julgamento imediato dos 40% das pessoas que estão no sistema prisional brasileiro sob prisão cautelar, muitos em função da prisão “em flagrante” por tráfico, em que só há PMs como testemunhas (como no caso de Rafael).

Em suma, cara Família Tradicional, eu sei que você corta a brisa, mas a Marcha acende a fumaça da paz para te fazer enxergar um mundo em que dividir é melhor que somar, em que a união é regra e não exceção. Lugar em que podemos viajar fora do seu sistema.

Quebrar correntes, plantar sementes!

 

Foto: Gustavo Luizon / Mídia NINJA

Foto: Gustavo Luizon / Mídia NINJA