O significado da foto do menino segurando a cabeça do Bolsonaro
Afinal, o que significa a foto de um menino, negro, segurando a cabeça do presidente Bolsonaro… decapitada?
Por Jonathan Raymundo e Djefferson Amadeus
Afinal, o que significa a foto de um menino, negro, segurando a cabeça do presidente Bolsonoro… decapitada? Trouxemos algumas reflexões que são mais perguntas do que respostas e, ao final, um poema em homenagem a todas as crianças do Brasil e, em especial, ao João Pedro Mattos – menino negro assassinado pelo Estado que sonhava ser advogado.
Pois bem. Em 1958, há 62 anos, a Bélgica montava o seu último zoológico humano, com 598 pessoas, incluindo 273 homens, 128 mulheres e 197 crianças. Toda Europa foi lá conferir. A Bélgica do imperador Leopoldo II, que mandava torturar e cortar a mão dos congoleses que não produzissem o suficiente. Mãos. As mesmas mãos do mito fundador Belga em que o herói Sálvio Brabo cortou as mãos do gigante Antígono, que cobrava altos impostos dos navios que entravam em seu território.
Quem não pagava os impostos tinha as mãos cortadas e jogadas ao Rio. Antuérpia vem daí e, por isso, não fica na Bélgica à toa. Significa “mão” (ant) e “jogar” (werpen). Está tudo ligado. Macaco. Zoológico. Tudo! Racismo científico o qual argumentou que nós, negros, somos inferiores e estamos mais próximos dos primatas do que do Humano, (leia-se branco). Quando se chama uma pessoa Negra de macaca, está se impregnando de toda a lógica racista, colonial, escravagista. Toda nossa solidariedade ao Neymar. Afinal, por essa gente racista ainda estaríamos em zoológicos alegrando suas crianças e velhos. Ou sem mãos…
Ainda estaríamos sugando todo leite do peito de nossas mães, esfregaríamos seus chãos sem direito a férias, décimo terceiro. Nada! Não foi só ao Neymar que se agrediu, mas todos os milhares e milhares e milhares de negros no mundo. Neymar.jr era pra ter dado na cara! Seriam milhares e milhares de mãos. Não as mãos belgas, mas seriam as mãos que os racistas cortaram e continuam cortando. Estamos falando da Bélgica…. Mas podemos falar da França e lembrar das mães pretas e de suas crianças pretas que os racistas cortavam a barriga e apostavam pra ver quem iria morrer primeiro, no Haiti.
Ah, a França… responsável por uma das colonizações mais violentas de toda a humanidade: a guerra da Argélia. Conta-nos Fanon que os médicos europeus – pasmem, os médicos! – colocavam argelinos dentro de uma caixa grande, por 15 a 20 minutos, e diziam: – seu câncer está curado; davam laudos falsos atestando que não houve tortura contra os argelinos; entregavam água destilada como se fosse penicilina ou vitamina B12; ajudavam os torturadores dopando argelinos com “soro da verdade” para que estes, dopados, entregassem o endereço de outros argelinos aos torturadores; os argelinos somente ganhavam remédios se dessem informações privilegiadas (leia-se: se caguetasse amigos argelinos), e por aí vai… Tudo isso está livro do Fanon – Dialétictica de La liberación. Haja estômago…
Muitos argelinos e argelinas, por isso, preferiam morrer em vez de serem tratados por médicos franceses. Viam a consulta como uma luta; daí a maioria não seguir as receitas médicas. Nas consultas, segundo Fanon, os pacientes argelinos diziam aos médicos europeus o seguinte: “Sabemos como entramos a sus consultórios, pero ignoramos còmo saldremos, e incluso si llegarremos a sair”.
Os médicos franceses afirmavam que, com os argelinos, não utilizavam a medicina, mas sim a veterinária: “Com esas gentes, no se pratica la medicina, sino el arte de los veterinários”.
Os médicos europeus ofereciam, conforme vimos, água destilada como se fosse vitamina B12; aqui, no Brasil, oferece-se Cloroquina como se fosse vacina. Muitas crianças (negras e de favelas) estão vendo suas mães, pais e avós morrerem, conforme comprovou a pesquisa realizada pelo Serviço Social na Associação Ballet Manguinhos, em que mais da metade das crianças e adolescentes entrevistadas, cerca de 81 pessoas, perderam algum parente ou ente querido pela COVID. São nas favelas que as mortes pela Covid-19 estão ocorrendo e, em sua maioria, pessoas negras.
Mesmo combalido por conta de um governo neoliberal, o SUS ainda resiste, mas o descaso é tanto, que crianças ainda continuam vendo suas mães, tias e avós morrendo. Nos EUA também foi assim. Lá, pior. Como o caso de um idoso que foi até o hospital, detectou o Covid-19 e voltou pra casa. Voltou porque a saúde é paga. Privatizada. E cara! O avô não queria transmitir a dívida do hospital privado ao filho. Voltou para casa… e morreu. Seu filho era só ódio!
A foto, portanto, pode ser interpretada como uma preocupação, de quem a criou, com o que pode ocorrer se o descaso ao SUS continuar; se o descaso à vida das pessoas que dependem do SUS, em sua maioria negras, persistir. Afinal o SUS, como disse o Mestre Sílvio Almeida, deveria ser o maior orgulho de todos os brasileiros, mas o neoliberalismo pretende destruí-lo; e tem conseguido, infelizmente.
Daí algumas perguntas contidas nas fotos: – E se o ódio contra os negros e pobres continuar… e virar? Deixaremos as crianças sem seus avós, pais e mães (mortos por conta da precarização ao SUS) substituírem a esperança pelo ódio? A foto, então, àqueles comprometidos com o afeto e preocupados com o futuro das nossas crianças pode ser interpretada como um chamado ao destino que não queremos às nossas crianças, ou seja: a foto é resultado da ausência de sonho e esperança; ela é o destino que o racismo e o neoliberalismo tentam impor às nossas crianças; ela é o resultado das crianças que, na favela, estão vendo seus parentes morrendo… de falta de ar. A foto, portanto, pode ser interpretada como um chamado para a necessidade de se derrubar o neoliberalismo e o racismo estrutural para que não deixemos as crianças substituírem o sonho e a esperança pelo ódio. Encerramos com o poema. Venceremos.
Viemos aqui pra lhes falar
Do jovem João Pedro
E de todas as crianças
Que sonhavam advogarEle teve a vida interrompida
Por um estado genocida
Levaram o Joãozinho
Podia ser um EmicidaOu então um Luiz Gama
Maior advogado do Brasil
Herói da libertação
lutou contra EscravidãoOu um Amilcar Cabral
Heroi da guiné bissal
Pedagogo da revolução
E pai da libertação
Amilcar e João
Viva a revoluçãoE pra finalizar
Agora vamos lhes falar
Cansamos de gritar presente
A gente quer gritar vive
Povo preto vive
E vira professor
Ou desembargador
Mestre e doutor
Viva João Pedro
Advogado e defensor
*Jonathan Raymundo é filósofo, historiador, poeta, escritor, palestrante, ativista, criador e organizador do @wakandainmadureira
*Djefferson Amadeus é advogado criminalista e eleitoralista, diretor do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), mestre em direito e hermenêutica filosófica, pós-graduado em filosofia pela PUC-Rio, pós-graduado em processo penal pela ABDCONS-RJ e membro do MNU e do IANB.