O reencontro de Lula e Marina Silva: um jogo de ganha-ganha?
Por Helena Dolabela e Leonardo Barros Soares Na semana passada foi selado o apoio público de Marina Silva (Rede) ao candidato Lula (PT), ainda em primeiro turno. No escritório da campanha política do presidenciável, em São Paulo, Marina participou de uma coletiva de imprensa ao lado de Lula, Gleisi Hoffman, Aloízio Mercadante e Geraldo Alckmin. Com […]
Por Helena Dolabela e Leonardo Barros Soares
Na semana passada foi selado o apoio público de Marina Silva (Rede) ao candidato Lula (PT), ainda em primeiro turno. No escritório da campanha política do presidenciável, em São Paulo, Marina participou de uma coletiva de imprensa ao lado de Lula, Gleisi Hoffman, Aloízio Mercadante e Geraldo Alckmin. Com um discurso baseado na conjuntura político-eleitoral nacional, mas também nos desafios climáticos globais, ela afirmou existir ali um “reencontro político e programático”. O propósito de fundo declarado por Marina é enfrentar “a ameaça das ameaças, a ameaça à democracia”, para ela representada pela candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro. Talvez não seja exagero denominá-lo como o evento mais importante para a pauta ambiental durante a campanha presidencial de 2022. O tema, que foi recorrente durante os quase quatro anos do governo Bolsonaro, não apresenta a mesma centralidade nos debates entre os outros candidatos.
Marina Silva tem a sua história política construída na vivência como seringueira e liderança sindical rural na defesa dos direitos dos povos tradicionais e da floresta amazônica. Grande amiga de Chico Mendes, assassinado em 1988, lutou com ele pela criação e consolidação da pauta socioambiental também nacionalmente. Tem conhecimento de causa, de luta e de direitos. Como poucos políticos que alcançam tamanha projeção nacional – foi vereadora, deputada estadual, senadora pelo Acre por duas vezes, ministra do Meio Ambiente no Governo Lula e candidata à Presidência da República por três vezes – nunca se afastou do socioambientalismo como movimento e direito.
Neste momento crucial da história democrática do país, Marina Silva e seu grupo político decidiram pautar uma agenda climático-ambiental avançada e com propostas claras baseada em um tripé: criação de uma Autoridade Nacional de Segurança Climática, a demarcação de terras indígenas e a criação de unidades de conservação. Mostra, portanto, que tem uma visão institucional e operacional sobre a pauta da mudança climática transversal a várias políticas e ministérios. Além disso, dá visibilidade a outras duas pautas incomodamente marginais neste pleito eleitoral até então, mas diretamente relacionadas com a regulação do clima: a retomada da demarcação de terras indígenas e a ampliação das unidades de conservação. Não à toa, Lula afirmou que as propostas de Marina eram “ousadas”.
No mesmo dia, Lula foi entrevistado pela CNN e fez jus à aliança. Perguntado pelo jornalista William Waack sobre a “reconciliação” com Marina e a existência de “contrapartidas”, Lula falou sobre direitos de povos e comunidades tradicionais. Respondeu com firmeza sobre a sua “opção” de efetivar o direito à demarcação de terras para indígenas e quilombolas, lembrando o seu passado de compromisso com a criação de reservas ambientais e direitos territoriais para povos tradicionais. Assim, se apresenta, hoje, como a candidatura à Presidência da República que tem maior envergadura programática para enfrentar e impulsionar o que foi nomeado por Marina como um “imperativo ético para dar conta do grave problema da mudança climática”.
A aproximação tem contornos políticos para além do espectro partidário na medida em que a federação PSOL-Rede já compõe a coligação “Brasil pela Esperança”. As análises no campo da esquerda sobre o anúncio público do apoio de Marina ao ex-presidente Lula convergem: é um jogo de ganha-ganha. Marina Silva traz para perto de Lula a marca da sua trajetória como mulher nortista, evangélica e uma das mais importantes lideranças socioambientais que este país já teve. Por outro lado, Marina ganha ainda mais visibilidade para o pleito à deputada federal em São Paulo, onde não está sua base eleitoral mais fiel. De quebra, como um efeito inesperado, mas bem-vindo para a campanha petista, isola ainda mais Ciro Gomes, que se vê cada vez mais pressionado pela possibilidade de abandono por parte de eleitores desejos de ver a fatura eleitoral liquidada já no primeiro turno.
No entanto, nem tudo são flores e convém moderar as expectativas. Em que pese o inegável fato de que a aliança com Marina dê a robustez que faltava ao compromisso ambiental do programa de governo do candidato Lula, é preciso saber se, na eventualidade de sua vitória, a política ambiental se subordinará, mais uma vez, aos imperativos da realpolitik, assim como aconteceu durante os governos petistas. Lembremos que também fazem parte do legado desses governos o gosto amargo da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que permanece intragável para as populações tradicionais afetadas, e a aprovação do Novo Código Florestal, para citarmos apenas dois fatos mais proeminentes.
Os setores que se beneficiaram enormemente nos últimos anos no governo Bolsonaro não deverão vender barato qualquer tentativa de repressão de ilícitos ou diminuição de suas obscenas margens de lucro e poderão pressionar de forma implacável o novo governo, que terá de ceder em alguns dos compromissos assumidos com a pauta ambiental. Em outras palavras, mesmo que, a curto prazo o ganho mútuo da reaproximação seja inegável, o mesmo não pode ser dito para uma perspectiva de médio ou longo prazo. Será preciso esperar a composição de forças no Congresso para que possamos ter mais elementos para um prognóstico político mais claro.
A reaproximação Lula-Marina é, sem dúvida, uma notícia auspiciosa, num ambiente eleitoral extremamente tensionado, e uma cartada política relevante para dois agentes políticos experimentados. Em termos programáticos, Lula se apresenta como um candidato que, de volta ao poder, poderá retomar o protagonismo internacional, destroçado pelo governo Bolsonaro, no campo da política climática, e encaminhar o país para uma vigorosa política ambiental que formate sobre novas bases a matriz energética e as cadeias produtivas do país. A questão é saber em que medida as forças político-econômicas que se beneficiam da degradação ambiental se organizarão para manter e até mesmo ampliar o impulso destruidor em voga em tempos bolsonaristas.
Assim, não é um exagero afirmar que as eleições de 2022 são o “momento da verdade” para o meio ambiente no Brasil. Estamos diante de duas trilhas que levam a dois futuros bastante distintos. O mundo inteiro olha com preocupação para o outubro vindouro, que pode ser a pá de cal nas esperanças de um planeta climaticamente equilibrado ou a retomada da esperança num futuro menos catastrófico. Que a aproximação Lula-Marina seja apenas o início de uma possível – e bem-vinda – mudança de rumos para a política ambiental em nosso país.
Helena Dolabela é pesquisadora de pós-doutorado no INCT IDDC. Graduada em Direito. Mestre em Ciência Política e Doutora em Antropologia pela UFMG.
Leonardo Barros Soares é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Mestre e doutor em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Université de Montréal. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas.
Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades.