O que a vida ensina pra uma jovem negra de quebrada
São Paulo, terra de arranha-céu, cidade-negócio que joga a juventude para o desemprego. Só que a quebrada me ensinou que periferia é lugar de sonho e batalha.
Por Simone Nascimento*
São Paulo, terra de arranha-céu, cidade-negócio que joga a juventude para o desemprego. Só que a quebrada me ensinou que periferia é lugar de sonho e batalha. E nós vamos virar esse jogo.
Nasci e cresci na quebrada, em Pirituba, distrito da Zona Noroeste de São Paulo. Mais especificamente na Vila Zatt, brincando na rua com os vizinhos.
A vista cabulosa de todos os dias (e, também o friozinho) é por conta do Pico do Jaraguá, ponto mais alto da cidade, lugar de fazer trilhas, piqueniques, de contato com a natureza e de luta indígena na capital.
É aqui também que fica a casa da melhor boleira da Vila Zatt, Dona Elaine, minha mãe. Foi por aqui que eu me criei e aprendi o que é ser uma mulher negra, periférica que reivindica as suas raízes.
Somos 163 mil habitantes que acordam cedo para trabalhar nas regiões mais centrais da cidade. Todo dia o ritual é pegar a perua, descer no Terminal, depois ônibus que vai pelo corredor ou o trem. Para voltar, se você for mulher, esquece o trem: sem iluminação pública, é perigoso andar sozinha da estação até o terminal de ônibus.
E, por falar em perigo, Pirituba tem a maior taxa de feminicídio de São Paulo. Jolie, Leila, Juliana e tantas outras tiveram suas vidas ceifadas pelo simples fato de serem mulheres. O país que fundou suas bases na cultura do estupro, da miscigenação forçada “à laço” das mulheres indígenas e negras, ainda não rompeu a ideia de que amor não combina com violência. E continua esse ciclo de dor cultivando a LGBTQIfobia, sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo – 80% mulheres trans e travestis negras.
O desemprego, a fome e a miséria aumentaram muito na cidade de São Paulo, especialmente com a pandemia do novo Coronavírus. E a violência policial e o extermínio da juventude negra também. É revoltante que um jovem negro seja assassinado a cada 23 minutos no Brasil.
O modelo de cidade-negócio dos que governam é incapaz de controlar a pandemia e colocou em xeque o futuro de toda uma geração. Não salvaram vidas e nem a economia: a juventude tem o dobro da média de desemprego na cidade e vê cada vez menos possibilidade de continuar seus estudos.
Mas, se engana quem acredita que na periferia só tem história triste. É daqui que pulsa a esperança de um outro mundo possível, fundado em um profundo sentimento de solidariedade e de resistência.
Foi no aperto da pandemia, quando começou o distanciamento social, que a quebrada se uniu para juntar cestas básicas para as famílias que mais precisavam. A cada batida de funk, forró e de reggae, em cada batalha de MC’s, a cada slam, em cada roda de samba, passinho de dança de rua e rima de hip hop a história da população negra e periférica resiste, ainda que a política e a polícia nos criminalize.
São tempos difíceis, mas o sentimento de esperança brota, regado pelas recentes derrotas ao autoritarismo na Bolívia, no Chile, até nos Estados Unidos. Em São Paulo, a luta para retomar a cidade dos negócios para as pessoas está cada vez mais próxima.
Precisamos de um projeto que carregue a esperança das e dos jovens! Uma alternativa de incentivo ao emprego na juventude, que priorize a educação pública, a cultura e o lazer nos bairros, com inclusão digital e participação democrática. No lugar de reprimir é preciso descriminalizar, incentivar e reconhecer como patrimônio histórico a produção artística, intelectual e cultural das periferias. É urgente interromper o genocídio pelo direito à vida, promover empregos para garantir o presente, investir em educação e cultura para devolver o futuro! A juventude negra e da quebrada quer viver!
A periferia é lugar de gente de fibra e eu tenho muito orgulho de ter vindo de onde eu vim. É inaceitável que na Câmara Municipal, dos 55 vereadores, apenas nove sejam mulheres e não haja NENHUMA mulher negra, enquanto a maioria da população brasileira é negra e feminina.
É hora de virar o jogo! Quero representar na Câmara de Vereadores, com meu corpo e a minha consciência negra, a luta pela existência digna de toda uma juventude, das mulheres trabalhadoras, a luta por uma São Paulo humanizada e para as pessoas.
Eu divido este sonho com mais milhares. Com Guilherme Boulos e Luiza Erundina somos três gerações que sonham e lutam por uma uma revolução solidária em São Paulo. E aí, vamos juntos virar o jogo?
Simone Nascimento é jornalista, formada pela PUC-SP via Prouni. Jovem negra, moradora de Pirituba, quebrada de São Paulo, está candidata a vereadora pelo PSOL. Ajudou a fundar o movimento RUA – Juventude Anticapitalista e faz parte da coordenação estadual do Movimento Negro Unificado (MNU) em São Paulo.
A colunista Isa Penna cede o espaço de sua coluna na Mídia NINJA a Simone Nascimento nas próximas semanas.