O pesadelo do antidoping que assombra os atletas olímpicos
Uma extensa lista de substâncias químicas e um risco de não compreender ou detectá-las antes de consumi-las traduzem a ansiedade dos atletas que realizam os testes de controle de dopagem.
Por Rafael Callegari
A atleta do lançamento de disco, Fernanda Borges, é a segunda brasileira a ser cortada das Olimpiadas de Tóquio em razão de doping. Ela teve resultado positivo anunciado no início do mês de julho, quando se detectou a presença de ostarine no organismo da atleta, e aguardava-se julgamento.
Para preservar a igualdade de condições entre os atletas durante o transcurso das edições dos Jogos Olímpicos e outros eventos multidesportivos, os organismos desportivos vêm aprimorando as técnicas de detecção de substâncias que promovam ganho de desempenho ou qualquer facilitação na prática desportiva.
A testagem dos atletas passou a ser obrigatória, dentro das competições e fora delas. Se eventualmente o atleta necessitar utilizar uma substância que seja proibida pelas agências de antidoping, precisa comunicar sua federação e obter autorização para uso terapêutico. Caso contrário, corre o risco de ser suspenso, ficar fora de competiçoes importantes, devolver medalhas ou, em situações gravíssimas, o banimento.
A presença de substâncias químicas no organismo dos competidores passou a ser motivo de preocupação justamente quando uma tragédia abalou o esporte. Durante os Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, o dinamarquês Knud Enemark Jansen, de apenas 23 anos, disputava a prova de ciclismo 100km, quando passou mal e veio a óbito. Exames apontaram a presença de roniacol, um vasodilatador. Estudos começaram a ser realizados para identificar essas substâncias, proibi-las e detectá-las.
No mundo olímpico, a fiscalização antidoping se iniciou nos Jogos da Cidade do México, em 1968 – e no primeiro caso, a culpada foi a cerveja.
Durante os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio, oito atletas foram flagrados nos testes antidoping. Os Jogos Olímpicos de Tóquio, a poucos dias de seu início, já registrou o primeiro caso, com a detecção de hormônio do crescimento na urina do atleta brasileiro Fernando Reis, do LPO (Halterofilismo).
Fernando era promessa de pódio nesta edição das Olimpíadas, vindo de três medalhas de ouros nos Jogos Panamericanos e com vários outros títulos no currículo. Progredindo suas cargas ano a ano, recorde atrás de recorde, a expectativa era grande. A decepção quando a Agência Brasileira de Antidopagem o suspendeu preventivamente, também.
Outra promessa de medalhas, a judoca Rafaela Silva amarga a mesma frustração. Ela testou positivo para fenoterol nos Jogos Panamericanos de Lima em 2019. No final de 2020, A Corte Arbitral do Esporte manteve a punição de exclusão de dois anos do esporte, retirando-a da edição destas olimpíadas.
O temido banimento
A atleta da natação Rebeca Gusmão, foi a primeira brasileira que recebeu a punição mais grave do esporte, o banimento. Ela testou positivo para testosterona em antidoping realizadado nos Jogos Panamericanos do Rio em 2007, perdendo suas quatro medalhas conquistadas (duas de ouro, uma de prata e uma de bronze).
O Antidoping e as Olimpíadas
O primeiro caso antidoping relacionado às Olimpiadas ocorreu nos Jogos da Cidade do México em 1968, quando o exame no pentatleta moderno da Suécia, Hans-Gunnar Liljenwall, acusou para a presença de álcool no sangue. O atleta confessou ter tomado duas cervejas para se tranquilizar para a competição. Perdeu a medalha de bronze que havia conquistado.
O primeiro campeão olímpico que testou positivo no antidoping foi Rick Demont, ex-nadador norte-americano, nos Jogos Olimpicos de Munique em 1972. Ele conquistou a medalha de ouro nos 400 metros livre, mas a detecção de enfedrina (acelara metabolismo) lhe cassou a conquista.
O velocista canadense Ben Johnson foi flagrado no antidoping por uso de esteróides anabolizantes logo após conquistar sua medalha de ouro nos 100m rasos nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988. Além de perder a medalha, foi banido do esporte.
Confissão em um programa de televisão derrubou o mito do ciclismo Lance Armstrong, dos EUA, que foi medalhista de bronze nos Jogos de Sidney em 2000.
Outra esportista do atletismo que confessou ter utilizado anabolizantes na preparação para as Olimpíadas de Sidney foi Marion Jones, dos EUA. Em razão da dopagem, ela obteve medalhas nas cinco provas que disputou, três de ouro e duas de bronze. Além de devolver as medalhas, foi banida do esporte.
O atleta grego Konstantinos Kenteris ganhou a medalha de ouro nos 200 metros rasos nos Jogos de Sidney, mas não compareceu ao exame por ter sofrido um acidente de moto (muitos acreditam ter sido simulado) com a namorada Ekaterini Thanou, medalha de prata nos mesmos Jogos, na prova de 100m. O não comparecimento do casal em outras duas convocações gerou suspeita. Na véspera das Olimpíadas de Atenas, em 2004, Konstantinos se retirou voluntariamente e Ekaterin foi suspensa por faltar à convocação antidoping. O julgamento do caso rendeu punição de 4 anos ao treinador do casal.
A atleta de salto em distância brasileira Maurren Maggi caiu no antidoping em 2003, sendo atestado o uso de clostebol. Isso a retirou dos Jogos Olimpicos de 2004, em Atenas. Após cumprir a suspensão, voltou as pistas e se tornou a primeira campeã olímpica do Brasil em esporte individual, nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.
O atleta de volei brasileiro Giba teve sua participação nos Jogos de Atenas ameaçada quando testou positivo para cannabis sativa (maconha) em 2002. A punição para esta infração pode chegar a dois anos, o que o retiraria dos jogos, mas a Federação Italiana de Volei o puniu com dois meses de suspensão.
Os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, foi a edição que registrou o maior número de casos antidoping. Foram 25 ao todo, retirando a medalha de ouro de oito atletas.
A jogadora de volei brasileira Jaqueline Carvalho correu o risco de ficar de fora das Olimpíadas de Pequim de 2008 quando testou positivo para sibutramina (moderador de apetite) em julho do ano anterior aos jogos olímpicos. A decisão final foi de suspensão por três meses, o que permitiu que participasse da equipe que conquistou o primeiro ouro olímpico para o volei feminino.
O nadador Cesar Cielo quase ficou de fora dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, ao testar positivo para furosemida (diurético que inclusive oculta outras substâncias proibidas) em 2011. O laboratório de manipulação utilizado pelo atleta admitiu o erro, por ter causado contaminação de outra medicação permitida. O Tribunal Arbitral do Esporte decidiu apenas pela advertência.
Outro atleta que teve o sonho de participação dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012 em perigo foi a ginástica Daiane dos Santos, que também testou furosemida. Admitindo que usou para fins de tratamento e não para ganho de desempenho, a atleta escapou da punição máxima e pegou suspensão de cinco meses. A atleta ficou em 12 lugar na competição.
Pedro Solberg, do vôlei de praia, é outro atleta que teve sua participação das olimpíadas ameaçadas, em 2011, ao testar positivo para esteroide androstane. O atleta foi absolvido quando novos exames provaram erro na testagem por parte do laboratório.
Nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, tivemos o primeiro registro de atleta brasileiro flagrado no antidoping durante a competição. A atleta do remo Kissya Cataldo testou positivo para o estimulante EPO, sendo eliminada da competição.
A delegação russa ficou integralmente sob suspeita após relatório da Agência Mundial Antidopagem (WADA) confirmar que amostras de controle de doping tinham sido destruídas em 2014 no laboratório russo antidopagem. O resultado foi a desclassificação para as Olimpíadas de 2016 e banimento da Rússia de eventos desportivos por dois anos (de dezembro de 2019 a dezembro de 2021). Os atletas do país até podem competir nos Jogos de Tóquio, mas em bandeira branca (neutra).
E não é somente na Rússia onde houve estratégia estatal para dopar os atletas em busca de melhores performances. Entre os anos 70 e 80, antes da unificação alemã, a então Alemanha Oriental forçou atletas a consumir fármacos que melhoravam o rendimento causando inclusive problemas de saúde permanentes aos competidores.
E se você acha que somente os atletas humanos passam pelo antidoping, saiba que os animais utilizados nas competições também! Estamos falando dos cavalos do hipismo que também têm um conjunto de substâncias proibidas foras de competição e em competição. E justamento um caso de doping envolvendo o cavalo Waterford Crystal, do atleta irlandês Cian O’Connor, que o fez perder a medalha de ouro nos Jogos de Atenas em 2004. Bom para o brasileiro Rodrigo Pessoa, que herdou a medalha.
Mas em 2008, nos Jogos de Pequim, foi a vez do cavalo do próprio Rodrigo Pessoa ser flagrado no antidoping, além do animal que era utilizado pelo atleta Bernardo Alves, resultando na desclassificação de ambos.
Atletas que já encararam antidoping e estarão nas Olimpíadas
Gabriel dos Santos é um dos atletas da natação brasileira em Tokyo e vai disputar os 100m livres e o revezamento 4×100 livre. Ele caiu no antidoping em 2019 com a detecção do anabolizante clostebol, tendo sido suspenso por 8 meses. Retornou aos treinamentos em 2020 após ser absolvido na Corte Arbitral do Esporte e se classificou para as Olimpiadas.
Outro atleta com vaga para as Olimpíadas de Tóquio e com antidoping positivo é o velejador Jorge Zarif, que testou positivo nos eventos testes para os Jogos Olímpicos, em 2019, para tamoxifeno, aceitando a suspensão preventiva dada pela Autoridade Brasileira de Antidopagem. O atleta admitiu o uso, feito por recomendação médica, que evitaria intervenção cirúrgica. Para estes casos, existe a Autorização para Uso Terapêutico, que impede punições quando o uso é justificável para a saúde do atleta, não possa ser utilizada outra medicação permitida, e com comunicação prévia à autoridade antidopagem. O atleta não seguiu adequadamento aos critérios e por isso o Tribunal de Justiça Antidopagem o suspendeu por 12 meses. Com a punição cumprida, e graças ao adiamento para este ano de 2021, o atleta segue firme nos Jogos de Tóquio.
Etiene Medeiros, atleta da natação, irá disputar o revezamento 4×100 livre feminino e os 50m livre. Ela testou positivo em 2016 na preparação para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e foi inocentada no mesmo ano, quando o STJD entendeu que não houve dolo nem negligência da atleta.
A velocista Ana Claudia Lemos não competiu nas Olimpíadas do Rio de Janeiro em razão de uma lesão no joelho, mas quase o motivo foi outro. Após realizar teste antidoping, o exame acusou a presença de oxandrolona. A atleta sustentou que houve contaminação pelo laboratório de manipulação, aceitando cumprir a suspensão de cinco meses. Está no rol de atletas das Olimpiadas de Tóquio e competirá nos 4×100 rasos.
O skatista Pedro Barros caiu no antidoping por uso de cannabis sativa em 2018 e cumpriu suspensão de 6 meses. É uma das promessas de medalhas em Tokyo, com a estreia do esporte na edição.