“O movimento agroecológico reúne experiências e caminhos possíveis e desejáveis”
Denis Monteiro, secretário-executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) faz uma análise do PL 735, resgata políticas públicas direcionadas ao setor nos últimos anos e destaca a importância do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), tendo o Estado um importante papel a cumprir na garantia da segurança alimentar da população mais vulnerável.
Foi aprovado na Câmara dos Deputados, no dia 20 de julho passado, o PL 735, que condensa diversos projetos direcionados de forma emergencial para a agricultura familiar. Neste período de pandemia e isolamento social devido ao coronavírus, há uma preocupação geral em relação à produção e distribuição dos alimentos. Órgãos internacionais como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) alertam sobre a possibilidade de o Brasil voltar ao mapa da fome.
Os movimentos e redes populares ligados ao campo tiveram intensa participação na aprovação deste Projeto na Câmara dos Deputados. A pressão continua pela votação do texto no Senado e posterior sanção pela Presidência da República. Para tratar de temas relacionados à agricultura familiar, entrevistamos Denis Monteiro, secretário-executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Na conversa, ele faz uma análise do PL, resgata políticas públicas direcionadas ao setor nos últimos anos e destaca a importância do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), tendo o Estado um importante papel a cumprir na garantia da segurança alimentar da população mais vulnerável.
A ANA surge em 2002, no I Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), ano da primeira eleição do ex-presidente Lula, cujo governo aperfeiçoou ou criou várias políticas públicas para a agricultura familiar. A ANA participou de diversos espaços de democracia participativa, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo) e o Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável. Atuou muito fortemente no diálogo com o governo federal, construindo uma série de políticas públicas a partir dos ensinamentos e demandas das experiências de todos os territórios do país.
O que é agroecologia e como surgiu a ANA?
Agroecologia é a aplicação dos princípios da ecologia à agricultura, para termos condições de desenhar agroecossistemas que sejam muito produtivos respeitando os ciclos da natureza. Como ciência, se constrói a partir da interação entre conhecimentos populares e tradicionais e aqueles que vêm da academia. Agroecologia pode ser entendida como um enfoque para compreender como funcionam os sistemas agroalimentares, seus impactos ambientais e injustiças sociais, buscando caminhos para desenhá-los de formas verdadeiramente sustentáveis. A agroecologia é um conjunto de práticas, mas também um movimento social, que aborda questões como a desigualdade entre homens e mulheres, relações de trabalho na agricultura e no meio rural, defesa dos direitos da agricultura familiar e camponesa, dos povos indígenas, quilombolas e de todos os povos e comunidades tradicionais, além das lutas de denúncia do patriarcado e do racismo estrutural. É, portanto, um movimento comprometido com transformações profundas em nossas sociedades marcadas por desigualdades abissais, injustiças e diversas formas de violência, principalmente contra os mais pobres.
A ANA é uma rede nacional essencialmente baseada em experiências, uma articulação de pessoas com a mão na massa colocando em prática os princípios da agroecologia nos territórios. Experiências de roçados, pomares, agroflorestas, quintais agroecológicos nas cidades; comercialização, como feiras, compras institucionais; iniciativas com participação ativa de mulheres e jovens; trabalhos com sementes crioulas e feiras de biodiversidade. Experiências político-organizativas com espaços de autogestão, movimentos populares e sindicais. Tem toda uma dimensão mais prática que envolve desde a produção ao beneficiamento, comercialização e consumo de um alimento, mas também de discussão e proposições de políticas públicas.
A trajetória da ANA está marcada por esta incidência política, mas, desde o golpe em 2016, estes espaços foram muito fragilizados ou extintos. O orçamento das políticas públicas para a agricultura familiar foi drasticamente reduzido e, com a eleição do Bolsonaro, todas as políticas para a agricultura familiar e para a promoção da segurança alimentar e nutricional foram, praticamente, extintas. O Consea foi extinto em 1º de janeiro de 2019 e, logo depois, a Cnapo. Foi um duro golpe para as forças representativas da agricultura familiar. A população mais pobre foi totalmente excluída do orçamento público.
Antes, não era um mar de rosas, porque o modelo hegemônico também se fortaleceu, por exemplo, com a liberação dos transgênicos, a prioridade dada aos monocultivos e à mineração, que impacta muito os territórios, o aumento absurdo no uso de agrotóxicos. Mas, desde 2016, a situação da política institucional piorou muito, porque além do modelo do grande capital, nos territórios passamos a não contar mais com as políticas públicas que, mesmo aquém do necessário, fortaleciam as comunidades.
Para se ter uma ideia, o PAA chegou a ter um orçamento, em 2012, de R$ 850 milhões, o que, corrigido pela inflação, daria R$ 1,2 bilhões. Era um recurso que incentivava as famílias a produzir, porque sabiam que o Estado compraria sua produção. Mas, agora em 2020, o orçamento foi de R$ 120 milhões, 10% do que já foi no auge. No contexto da pandemia, com a perda de produção de vários setores, exercemos pressão sobre o governo para a retomada do PAA. Com a nossa pressão, foi retomado o Programa com R$ 500 milhões.
Por sua vez, outro importante programa, o de Cisternas, não teve nenhum real investido em 2020. Até agora, o investimento do governo federal nas cisternas foi zero. Estes são apenas alguns exemplos.
Infelizmente, é possível identificar várias políticas desmontadas. Uma exceção neste desmonte quase generalizado até o início da pandemia era o PNAE que, apesar das dificuldades, permanecia destinando recursos para comprar diretamente da agricultura familiar.
Como foi recebido o projeto final do PL 735, os movimentos foram contemplados no processo?
É importante situar o PL 735 no contexto inédito da pandemia, que foi declarada pela OMS [Organização Mundial de Saúde] no dia 11 de março de 2020. Os movimentos vinham sendo mais atacados pelo governo e pelas forças reacionárias e neofascistas nos últimos anos. Mas, mesmo marginalizados, foram os que mais deram respostas significativas aos desafios. Foram as redes de solidariedade das ONGs, o MST [Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra] doando quantidade enormes de alimentos pelas periferias, os movimentos das favelas, movimento negro, LGBT, etc. Todos começaram a se articular, mesmo sendo os mais carentes e os que mais sofrem nas periferias. Então, isso coloca em outro patamar a visibilidade desses movimentos populares no contexto político nacional.
Desde 2015, o discurso é que o Estado é ineficiente, que é preciso cortar, a política pública é entendida como gasto, dinheiro jogado fora, teto de gastos, etc. Mas, quem dá resposta agora é o Estado, através das políticas públicas. O que seria desse país sem o SUS? Qual a capacidade que os mercados capitalistas têm de dar respostas às pessoas que estão passando fome? É a sociedade que tem respondido e o Estado através de políticas públicas de saúde e segurança alimentar.
Nesse contexto, foi aprovado o auxílio emergencial de R$ 600, embora o governo estivesse propondo três parcelas de R$ 200, enquanto os movimentos e partidos progressistas propunham um salário mínimo. Esses mesmos parlamentares da esquerda apresentaram vários projetos de lei e foi aprovada urgência da votação do PL 735, proposto por deputados do PT e cujo relator foi o Zé Silva (Solidariedade-MG). A pressão fez com que esse PL entrasse na pauta e, a partir destes canais de diálogo através dos mandatos e movimentos populares, se construiu um conjunto de proposições. Nem todas foram acolhidas, mas é uma conquista muito importante neste contexto bastante dramático.
O PL propõe o pagamento do auxílio emergencial de cinco parcelas de 600 reais e, no caso de mulheres de famílias monoparentais, cinco parcelas de 1.200 reais. É a correção de uma enorme injustiça cometida pelo presidente, que vetou este direito para muitos(as) agricultores(as) familiares de baixa renda, que estava previsto em outra lei. O PL 735 também prevê uma extensão de prazos para agricultores familiares que pegaram empréstimos no ano passado ou durante o período de calamidade pública, com a possibilidade de renegociação. Outra questão é uma linha especial de crédito no âmbito do Pronaf, que é um recurso reembolsável, para projetos de até R$ 10 mil com uma taxa de juros de 1% e, para projetos de mulheres, 0,5% com um bônus de adimplência de 20%.
É muito importante também o fomento, que é o recurso não reembolsável: agricultores e agricultoras familiares em situação de pobreza e extrema pobreza têm direito de receber R$ 2.500,00. No caso de mulheres, R$ 3.000. Para as famílias que optarem por tecnologias relacionadas a captar e distribuir água, até R$ 3.500. Esses pequenos recursos garantem sistema de irrigação, compra de algumas mudas e enriquece o quintal, ampliação ou cercamento de um roçado, compra de animais, de uma roçadeira, entre outras possibilidades. As famílias conseguem fazer o seu projeto a partir das suas estratégias, alavancam e diversificam a produção num curto prazo. Por fim, é a comercialização com a criação do PAA Emergencial.
Com o contexto da pandemia, muita gente está perdendo o plantio porque não tem mercado para escoar, com o fechamento de feiras e restaurantes, por exemplo. Para quem produz hortaliças, principalmente nos cinturões das metrópoles, mudou completamente o consumo, porque as pessoas quase não estão indo aos mercados e, quando compram, é pouco para não estragar. Muita gente estava acostumada a comer saladas somente nos restaurantes self-service em dias de trabalho. Houve uma alteração nos mercados de alimentos nunca vista no Brasil e no mundo.
O Estado tem que comprar e garantir a distribuição desses alimentos para quem está precisando nas periferias das cidades. O desemprego, a redução da renda e a ausência de políticas de segurança alimentar fizeram com que aumentasse muito o número de populações em situação de pobreza. Já vínhamos em uma crise econômica gravíssima que, com aumento de desemprego e a pandemia, agravou muito esse quadro de fome e de alimentação de péssima qualidade. É por isso que defendemos, na campanha “PAA: comida saudável para o povo”, que seja destinado R$ 1 bilhão para o Programa em 2020. Valor que deve chegar a R$3 bilhões em 2021. Já foram liberados 500 milhões, o que foi uma conquista importante, mas é insuficiente.
Outra mudança muito significativa foi a alteração no PNAE. Com o fechamento das escolas, muitos governos pararam de comprar da agricultura familiar e passaram a dar um cartão para as pessoas comprarem no supermercado ou passaram a doar kits sem frutas, legumes e verduras. Em alguns casos, inclusive, com produtos ultraprocessados de péssima qualidade, cheios de conservantes. Isso impactou a renda das famílias agricultoras que programaram o plantio para essas entregas. Temos relatos de organizações que doaram essa produção por falta de mercado e as crianças ficaram sem esse alimento.
Por isso, lançamos a campanha “Agricultura Familiar é Saúde na Alimentação Escolar”, mostrando que apesar do quadro dramático, alguns governos estaduais e prefeituras seguiram comprando da agricultura familiar. São alimentos de qualidade e produzidos sem agrotóxicos. Esse recurso tem que ser usado para quem mais precisa. Não é porque a escola está fechada que a política pública tem que parar, ela precisa ser reconfigurada. É preciso acreditar no diálogo entre o governo e a sociedade organizada para encontrar os melhores caminhos, respeitando os protocolos sanitários.
Sobre o PL 735, a palavra de ordem agora é agilidade. Já estamos entrando em agosto e os agricultores precisam programar o plantio, pois, se eles não têm segurança, por que vão produzir? O Estado tem que sinalizar o apoio à compra, gerar demanda pelos alimentos da agricultura familiar, aí sim, o pessoal vai investindo.
A inflação nos últimos 12 meses foi de 1,88%, por conta da crise econômica e da pandemia, mas a inflação dos alimentos chegou a 6,48% em um ano. O preço da comida está subindo e isso é muito sério. Quando falamos de desabastecimento, temos aquela imagem do mercado vazio. Isso não deve acontecer, pelo menos no curto prazo, mas pode haver falta de alguns itens em determinados lugares, ou um forte aumento nos preços, se não houver políticas públicas consistentes.
Do lado do consumo, falta dinheiro para muita gente comprar comida ou o auxílio emergencial não dá conta para comprar frutas, legumes e verduras. O pessoal mais empobrecido acaba usando esse dinheiro para comprar arroz, feijão, macarrão. Por isso, é importante uma política pública que garanta uma renda mínima para o básico e também a oferta direta de alimentos para essas famílias.
Os agricultores têm todo um sistema que envolve as organizações de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) e a disponibilização dos bancos públicos, mas é tudo demorado. Vimos como foi o desastre de acesso ao auxílio emergencial em muitos lugares, com aquelas filas nas agências da Caixa Econômica, porque há um desmonte do Estado e muita gente desempregada pela política econômica ultraliberal em curso. Portanto, não quer dizer que a votação do PL 735 na Câmara dos Deputados resolveu. Precisamos nos mobilizar ainda mais no segundo semestre porque aumentam as chances de atingirmos conquistas políticas, mesmo neste contexto adverso.
O presidente é declaradamente a favor do latifúndio e contra sem terra, quilombola, indígena etc. Além disso, tem uma bancada ruralista forte no Congresso. Quais estratégias têm sido adotadas pelos movimentos e atores sociais neste contexto?
A situação é dramática com um avanço de forças neofascistas no país. Um governo claramente anti-indígena, não só pelo desmonte das políticas, da Funai, mas pelo discurso. São as forças do avanço do desmatamento ilegal, do total desrespeito à legislação ambiental. O discurso do ministro do meio ambiente de “passar a boiada” é uma sinalização para que as forças que apoiam este governo avancem sobre a floresta e seus povos, principalmente nas fronteiras da Amazônia. Estão empoderadas e precisamos denunciar isso, pois veremos os dados do desmatamento na Amazônia passarem dos 10 mil km². Isso precisa repercutir internacionalmente, porque se você desmonta a governança ambiental, fragiliza o Ibama e o ICMBio, mina a fiscalização.
O desmatamento da Amazônia tem consequências catastróficas para toda a humanidade. Fará um ano que o dia virou noite em São Paulo, resultado das queimadas na Amazônia. Sem os “rios voadores”, sofreremos cada vez mais catástrofes ambientais. Temos também que fortalecer as frentes parlamentares aliadas, promover um diálogo para que reverberem cada vez mais no Congresso o que está se passando e apresentar projetos de lei de apoio aos povos indígenas, quilombolas, e de combate ao desmatamento. A mídia também tem que dar voz aos que estão nos territórios, mostrar o descaso com a saúde, a falta de política de segurança alimentar e assistência governamental. É necessário mostrar a capacidade que essas populações violentadas têm de promover alternativas ao desmatamento, aos monocultivos e aos grandes projetos de mineração. Alternativas que produzem alimentos e riqueza mantendo a floresta em pé.
A agroecologia é um caminho para mostrar que o desenvolvimento hegemônico não é o único nem o melhor. Um modelo que produz e democratiza a riqueza respeitando os povos e comunidades tradicionais, que são os guardiões desta biodiversidade, das águas e respeitam os ciclos da natureza. A defesa da agroecologia significa estimular os circuitos curtos de comercialização, valorizar as populações extrativistas e os conhecimentos tradicionais. Reconhecer isso é importante, não só pelo valor cultural desses conhecimentos, mas porque são experiências que mostram outra economia, que não seja destrutiva, que não tenha uma lógica capitalista.
Esses povos precisam de políticas públicas que os apoiem, como o Fundo Amazônia, que esse ministro do meio ambiente acabou. Esse Fundo não só apoiava uma governança ambiental e sustentável com fiscalização contendo o desmatamento, mas também iniciativas de desenvolvimento comunitário orientadas pelos princípios da agroecologia. Hoje, o extrativismo não é só a seringa e a castanha, tem uma série de produtos como frutas nativas, cosméticos, toda uma biodiversidade da floresta que gera riqueza e precisa ser reconhecida e apoiada. É possível produzir fartura de comida e gerar renda com os sistemas agroflorestais, roças agroecológicas, manejo florestal comunitário, pesca sustentável. Para isso, é preciso apoiar os povos da floresta, que há milênios ou séculos vêm convivendo com a floresta e seus mistérios.
Além da discussão sobre garantia e qualidade da alimentação, há a necessidade de ter terra para plantar. Como a reforma agrária entra neste contexto?
A defesa da reforma agrária tem que ser feita incondicionalmente. Os movimentos populares têm denunciado a crueldade dos absurdos despejos, durante a pandemia, de comunidades em luta pela reforma agrária. Inclusive, há iniciativas de projetos de lei no sentido de proibir despejos neste momento de calamidade pública. Outra questão é toda essa demonstração que os movimentos estão dando sobre a importância da reforma agrária para a nossa segurança alimentar e nutricional, porque até nos territórios onde o pessoal está há anos esperando o Estado com políticas públicas, estão plantando e doando comida saudável. É um momento de politizar e discutir a importância dos assentamentos de reforma agrária para a produção de alimentos saudáveis. Construir uma concepção de projeto de desenvolvimento que tenha essa questão e o reconhecimento dos territórios das populações tradicionais. Uma coisa é você desapropriar terras para fins de reforma agrária, outra é reconhecer os direitos ancestrais aos territórios. É uma disputa de natureza política que se dá, não somente no plano institucional, mas também de ideias e concepções de sociedade.
O principal movimento de luta pela terra, que tem pautado a reforma agrária desde os anos 1980 e que foi tão criminalizado do golpe para cá, é quem está mostrando para a sociedade, através da solidariedade, a importância da reforma agrária. A correlação de forças só vai se mover se, cada vez mais, setores da sociedade apoiarem a luta do MST e dos movimentos populares.
Algumas pessoas, às vezes, falam que as ações de solidariedade não dão conta de abastecer e resolver o problema da fome. Claro que não, só que com a forma como essas ações se organizam, muitas vezes conseguem destinar aos que mais precisam, pois conhecem bem o território. Em volume de alimentos doados, não se compara com uma política pública, que tem uma capacidade de mobilização de recursos e de quantidade de alimentos muito maior, mas uma coisa não exclui a outra. Pelo contrário, o PAA e o PNAE são políticas de solidariedade, na medida em que pegam recursos públicos, do conjunto da sociedade, e, através do Estado, destinam para a compra da agricultura familiar e doação de alimentos. No sistema democrático isso deveria ser a regra e não a exceção na gestão de recursos públicos.
De cerca de 4 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar que existem no Brasil, segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 2017, 1 milhão estão em assentamentos da reforma agrária e o pessoal que mora no entorno sabe que é nelas que se produz fartura e diversidade de alimentos de qualidade vendidos nas feiras e mercados locais. Isso é muito importante na disputa de ideias na sociedade, porque todo o discurso do latifúndio, da mídia corporativa e, agora, dessas redes da extrema direita é de que é um bando de baderneiros que não produz nada e são áreas abandonadas. No contexto da pandemia, temos a possibilidade de desconstruir, através do alimento, esse discurso hegemônico que, infelizmente, foi entrando na cabeça das pessoas e gerando uma série de preconceitos.
Temos que levar em conta também as políticas institucionais nos estados e municípios e os governos podem e devem apoia a agricultura familiar. Estamos no contexto de eleições municipais, então temos que desconstruir o discurso que as prefeituras não têm dinheiro e não têm o que fazer. É possível ter uma política consistente de segurança alimentar, inclusive com poucos recursos, que fazem grandes diferenças. Temos experiências muito interessantes, como restaurantes populares, PAAs comprando da agricultura familiar, apoiar uma feira, uma festa de sementes e mudas, política de compostagem de resíduos orgânicos, destinar terrenos para agricultura urbana etc. Os municípios podem fazer muito pela agroecologia. Faremos uma agenda programática do movimento para apresentar aos candidatos/as às câmaras de vereadores/as e prefeituras. Temos experiências que mostram que é possível e vamos discutir a partir dos territórios, reunir as pessoas, formular propostas, construir um projeto político alternativo ao hegemônico que vem causando tanta degradação ambiental. Ganhamos um tempo porque as eleições foram adiadas e vamos desenvolver esse trabalho.
É tempo de cultivar as esperanças e devemos fazer isso com muita solidariedade e perseverança.