O Malabarista e o Messias
Por Dino D’Santiago

E é por isso que precisamos, com urgência, de ressignificar esta história.
Cuidar de cada um de nós… nós que andamos em ferida aberta, a sangrar por dentro, com o discernimento em ruínas.
Estamos perdidos.
Não é metáfora: é diagnóstico.
Pessoas em hemorragia espiritual, que não perceberam ainda que o odor do próprio sangue atrai vampiros, criaturas que se alimentam do nosso desespero e que, de tão sedutores, confundimos com Messias.
Acreditamos que vieram para nos salvar, para elevar Portugal a um tempo idealizado onde “ser Português” significava glória. Mas que glória? Uma glória construída sobre os escombros de outros povos, apagando legados milenares, queimando culturas em fogueiras de arrogância. A promessa de um “novo mundo” não passou disso: uma promessa.
E, na sombra dessa promessa, a Inquisição ergueu o seu plano maquiavélico.
Perceberam cedo que, se retirarem a fé que habita a alma humana, sobra apenas uma carcaça.
E carcaças não rezam… alimentam necrófagos.
Eles sempre estiveram aí, com os dentes afiados, à espera da nossa desistência.
Mas a verdade mais dura é esta: fomos nós que escolhemos caminhar como zombies.
Fomos nós que nos ausentámos de nós mesmos, amputando qualquer traço de empatia ou compaixão pelos nossos próprios seres.
Cheiramos a podre.
E não porque alguém nos amaldiçoou, mas porque nos perdemos de tal forma que já não reconhecemos o cheiro da alma viva.
Perecemos em vida, e não sabemos.
Vivemos como se estivéssemos sós… mas as nossas ações, cada gesto, cada silêncio, está sempre ligado ao todo.
E o mundo…
O mundo sempre caminhou assim, em círculos de equilíbrio e desequilíbrio, como um malabarista num circo que nós mesmos escolhemos montar.
Enquanto atirávamos ao ar as bolas da sobrevivência, da ambição e da vaidade, apontávamos o dedo indicador para o palhaço que tentava arrancar-nos um riso.
Um palhaço que chorava em silêncio, ao ver no que nos transformámos.
E nesse gesto de julgamento, esse dedo erguido com altivez, esquecemo-nos de olhar para os outros quatro dedos da mesma mão, que silenciosamente ditavam a sentença: o verdadeiro culpado sempre esteve do lado de cá.
E esse todo, hoje, está doente.
Mas pode curar.
Se voltarmos ao princípio.
Se ousarmos olhar a ferida e não como um fim, mas como a porta por onde entra a luz.
Dino D’Santiago
19 de maio, 2025
Dino D’Santiago é músico, compositor e ativista português de ascendência cabo-verdiana.