O impacto do futebol na sociedade brasileira: ele a reproduz, mas também a modifica

O futebol tem um enorme impacto na cultura nacional: ele reproduz seus comportamentos, ao mesmo tempo que pode modificá-los. Como este esporte pode explicar a cultura brasileira, e vice-versa?

Por Patrick Simão, do Além Da Arena

Dezenove de julho é o dia internacional do futebol. Esse esporte tem um enorme impacto na cultura nacional: ele reproduz seus comportamentos, ao mesmo tempo que pode modificá-los. Por algum motivo, a paixão pelo futebol ou por algum elemento que o envolve fez esse texto chegar até você. Em contrapartida, vemos muitas manifestações de problemas da sociedade brasileira estampadas justamente no futebol.

Esse texto tem dois caminhos: relembrar a identidade do futebol brasileiro, suas conquistas, grandes personagens e como este esporte é um fator de transformação social, ou lembrar da reprodução misógina e homofóbica que o futebol tem em sua história. Esses caminhos, no entanto, se cruzam e são indissociáveis. Primeiro vamos resgatar que o futebol, desde que chegou ao Brasil, rapidamente entrou no gosto popular. A princípio, tentaram restringi-los apenas às elites (algo que ocorre até hoje com preços abusivos em ingressos), mas o futebol sempre foi resistência.

Até hoje, o futebol foi e é uma rara esperança de muitas famílias saírem da pobreza. Em meio a discursos rasos que vendem uma rara ilusão meritocrática, o futebol sempre foi a possibilidade e o sonho de muitos jovens darem uma vida digna a quem eles amam. Esse caminho, apesar de inegavelmente ser longo e filtrado, já permitiu a ascensão social de grupos que, se não fosse o futebol, seriam marginalizados.

A resposta histórica do Vasco em 1924, que se recusou a abrir mão de seus jogadores negros e operários, que haviam vencido o Campeonato Carioca um ano antes, é um marco. E, se negros e operários brilharam em 1923, é porque desde a virada do século os trabalhadores e crianças brasileiras tinham na bola de futebol um raro momento de lazer.

Ainda em 1919, um homem negro, Arthur Friedenreich, foi o herói do primeiro título da Seleção Brasileira, no Campeonato Sul-Americano, que se tornaria a Copa América. O futebol nacional seguiu com muitos outros ídolos, tanto nacionais quanto regionais, a partir do crescimento dos campeonatos estaduais e de suas rivalidades. Mesmo sem mencionar aqui grande parte desses ídolos, pois eles são muitos, podemos lembrar, a nível nacional, de: Leônidas, Pelé, Garrincha, Jairzinho, Tostão, Rivelino, Zico, Dinamite, Reinaldo, Sócrates, Raí, Romário, Sissi, Ronaldo, Ronaldinho, Marta, Cristiane, Formiga, e, hoje, Vinicius Jr.

Podemos observar que as mulheres, infelizmente, aparecem tardiamente nessa lista cronológica. E, a partir deste ponto, entramos no lado negativo dessa análise. O futebol feminino foi proibido no Brasil em 1941, durante o governo Getúlio Vargas, com a justificativa de que “as mulheres não foram feitas para jogar futebol.” A sociedade brasileira passou por uma dolorosa Ditadura Militar e, apenas em 1979, 38 anos depois, o futebol feminino voltou a ser legalizado. A partir de então, passamos por um longo processo de reconstrução e consolidação, com ainda um grande estigma sobre mulheres que desejavam jogar futebol. Enquanto vemos a ascensão das mulheres nos gramados, comentários, narrações e arbitragens, também vemos como resposta uma resistência misógina a esse crescimento.

Junto a isso também temos a homofobia. Não é a toa que mulheres LGBTs no futebol sejam um pouco (mas não muito) mais normalizadas que homens LGBTs. Isso acontece justamente pelo histórico estereótipo e expectativa de masculinidade no futebol.

Imagine aqui: todo ano temos, apenas na Série A do Brasileirão masculino, uma média arredondada de 30 jogadores em 20 times. Só em um ano e em uma divisão são 600 homens. É completamente improvável que esses 600 sejam heterossexuais. Agora imagine isso em outras divisões, ligas, anos e arquibancadas. Imagine quantas repressões internas aconteceram e nunca iremos saber.

Mas o futebol, enquanto elemento de reprodução da sociedade, também pode ser ruptura. Foi assim com os proletários, depois com os negros e agora, vem sendo com as mulheres. Os movimentos de resistência e a ascensão das redes sociais são primordiais nessa evolução. Nenhum desses temas foi superado totalmente no futebol, porque infelizmente na sociedade brasileira eles também não foram. Mas essa luta é constante e o futebol é instrumento.

Somos considerados o país do futebol, não apenas pelos títulos, mas também pelo que o esporte representa historicamente no nosso país. Esse esporte é tão intrínseco em nossa cultura que ele faz parte de bordões cotidianos. Indo além: em uma sociedade, com tantas represálias de comportamentos, há apenas um jeito de uma pessoa gritar no meio da rua e isso ser aceito socialmente: o grito da palavra GOL!