O governo federal precisa se comprometer com a redução do uso de agrotóxicos no Brasil
O impasse em torno do Pronara começa pelo nome. Embora a Lei dos Agrotóxicos, conhecida como PL do Veneno, não tenha mudado a denominação “agrotóxicos”, o Mapa resiste ao uso dessa palavra e à sua implementação da forma como o programa vem sendo debatido com a sociedade civil
Por Articulação Nacional de Agroecologia
Organizações, redes e movimentos sociais reunidos em Florianópolis para a Plenária Anual da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) realizaram na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), na quinta-feira (4), um ato reivindicando a inclusão do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (Pronara) no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) 2024-2027, previsto para ser lançado no dia 16 de julho.
Após a divulgação do aumento de recursos para a agricultura empresarial e para a agricultura familiar por meio dos Planos Safra anunciados, respectivamente, pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA), a Articulação Nacional de Agroecologia espera que o próximo Planapo avance em pautas fundamentais para o fomento à transição agroecológica, como o lançamento do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (Pronara), a definição de regras democráticas para a gestão do Programa Nacional de Bioinsumos e o lançamento de editais com orçamentos adequados para os Núcleos de Estudo em Agroecologia (NEAs), vinculados a Universidades e Institutos Federais.
O impasse em torno do Pronara começa pelo nome. Embora a Lei dos Agrotóxicos, conhecida como PL do Veneno, não tenha mudado a denominação “agrotóxicos”, o Mapa resiste ao uso dessa palavra e à sua implementação da forma como o programa vem sendo debatido com a sociedade civil. Para Paulo Petersen, integrante do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia, o lançamento do Pronara é urgente, em razão da aprovação da Lei 14785, de 2023, que flexibiliza o uso de agrotóxicos. “Trata-se de uma proposta coletiva, envolvendo vários ministérios, inclusive o Mapa”, diz ele. O MDA já havia manifestado publicamente seu interesse pelo Pronara, durante o Congresso Brasileiro de Agroecologia.
Com relação aos bioinsumos, trata-se de uma antiga demanda do movimento agroecológico ao Planalto, ligada à necessidade de fomentar pesquisas nessa área, que ganhou um novo sentido: regular a categoria para a liberação de produtos comerciais. “Grandes corporações estão interessadas nesta agenda, como oportunidade de negócios. Querem se apropriar dos bioinsumos que os agricultores sempre produziram e que podem ser desenvolvidos com tecnologia autônoma, para transformar numa mercadoria patenteada. As grandes corporações patenteiam microrganismos. Se os bioinsumos não forem regulamentados, fatalmente haverá uma concentração corporativa, como aconteceu com as sementes”, avalia Petersen.
Atualmente, o conselho do Programa de Bioinsumos tem vagas para a sociedade civil, mas quem escolhe seus representantes é o Mapa. A reivindicação dos representantes da agroecologia para o Planapo é que outras pastas sejam integradas a este conselho.
Já os Núcleos de Estudos sobre Agroecologia e Produção Orgânica (NEAs), vinculados a Universidades e Institutos Federais, são um dos instrumentos do Planapo apoiados pelo governo federal desde 2010, por meio de editais voltados ao financiamento de projetos de ensino, pesquisa e extensão universitária. No entanto, já tem quatro anos que editais de apoio aos NEAs não são publicados, levando à restrição de recursos para pesquisa e extensão agroecológicas e impactando a formação em agroecologia de muitas/os estudantes.
O orçamento dos NEAs virá de vários ministérios, mas a reivindicação atual é que o orçamento alocado seja compatível com a demanda acumulada nos quatro anos sem apoio efetivo. “Nossa expectativa é de um orçamento robusto para um primeiro edital e, depois, nos anos seguintes, abertura de novos editais”, explica Petersen.
Os NEAs fazem parte de políticas públicas para a inclusão e incentivo à agroecologia e sistemas de produção orgânica nos diferentes níveis e modalidades de educação e ensino. Cada NEA promove o ensino vinculado à realidade onde está inserido, construindo conhecimentos agroecológicos de forma interdisciplinar e em parceria com movimentos sociais, redes territoriais, organizações da sociedade civil e/ou governamentais.
Segundo José Nunes da Silva, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), desde a posse do novo Governo Lula, há a expectativa de lançamento de um novo edital.
“Se de fato queremos uma transformação ecológica justa e sustentável no Brasil, a promoção da agroecologia e produção orgânica, como enfoque transformador dos sistemas agroalimentares, deve ser de fato assumida pelo governo federal como prioridade”, explica Nunes.
De acordo com Leomarcio Araújo, coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a cada dia fica mais evidente para os movimentos sociais a necessidade de uma transição massiva para a agroecologia, que precisa envolver não somente quem pratica a agroecologia no campo, mas também a população urbana.
“O governo federal precisa fortalecer os núcleos de agroecologia. São duas perspectivas paralelas, duas ações que se somam. Uma não substitui a outra. A gente quer o fortalecimento de políticas públicas diretamente na organização camponesa, para que a gente consiga ampliar as nossas capacidades, mas a gente precisa, sim, fortalecer os núcleos, onde poderemos desenvolver a formação de profissionais para fortalecer e subsidiar todo esse processo de elaboração e inovação, a partir do estudo e da pesquisa.” Araújo destaca que a universidade tem um papel importante na formação dessas/es novas/os profissionais, que irão atuar no campo e que “precisam ter uma posição bem definida sobre qual projeto de campo, qual projeto de vida irão defender”.
Plano Safra, Pronaf e a agroecologia
Na última semana, foram anunciados R$400,59 bilhões em crédito para o agronegócio e R$76 bilhões para a agricultura familiar. Entidades representativas da agricultura familiar comemoram o aumento em 6,2% do volume do crédito destinado à agricultura familiar pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (Pronaf). Por outro lado, apontam a desproporção em relação ao agronegócio.
Petersen aprofunda a crítica. “Quando comparamos os recursos destinados ao financiamento da produção de alimentos com aqueles destinados ao financiamento da produção de commodities agrícolas, essa desproporção aumenta absurdamente. Isso porque parte significativa dos recursos do Pronaf continua sendo para apoiar o plantio de soja, milho e outras espécies destinadas à agroindústria, e não à alimentação básica da população. Por essa razão, parte da agricultura familiar vem sendo induzida a abandonar o plantio de alimentos para produzir matéria prima para as indústrias em monoculturas altamente dependentes de agroquímicos”.
Para Petersen, o governo insiste na ideia de que oferecer juros mais baixos para a agricultura familiar será suficiente para reverter décadas de política mal concebida. “Embora uma política de financiamento seja importante, está longe de ser suficiente. O problema não se resolve oferecendo crédito com juros mais baixos. Não é tirando um ou dois por cento da taxa de juros que as famílias agricultoras serão estimuladas a produzir alimentos de forma diversificada e com métodos agroecológicos. Essa tentativa já foi feita no passado. Não funcionou antes. Por que funcionaria agora?”, ele questiona.
Segundo Petersen, sem que seja combinado com várias outras políticas públicas, o crédito acaba sendo um instrumento de geração de dependência da agricultura familiar ao sistema financeiro e às empresas fornecedoras de insumos. “Precisamos de sistemas de financiamento que apoiem a construção da autonomia técnica e econômica da agricultura familiar”, afirma Petersen.
Na quarta-feira, 03 de junho, foi relançado também o programa Ecoforte, uma parceria entre a Fundação Banco do Brasil (FBB) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O programa, que é um dos instrumentos do Planapo, destinará R$ 100 milhões para a ampliação das redes de agroecologia e produção orgânica, uma grande conquista reivindicada pela sociedade civil.