Por Maiara Fafini e Renata Souza[1]

“A felicidade é subversiva
quando se configura como práxis coletiva.
E, mesmo que haja diferentes entendimentos
do que seja a real felicidade,
a busca por esse bem intangível
alimenta a existência humana”
(Renata Souza, Cria da Favela)

Resiliência é uma palavra utilizada para denotar a capacidade de superação, seja na física, na ecologia ou na psicologia. Na psicologia, a resiliência é a capacidade de superar obstáculos, resistir a eventos traumáticos sem ter sua estrutura emocional seriamente prejudicada. Muitas vezes esse conceito é utilizado de forma isolada, mas a resiliência não está apenas no indivíduo, no sujeito separado do todo. Ela está também na rede, na malha humana que, junto com cada nó, resiste às investidas para destruí-la. É, portanto, a partir desse conceito – o da resiliência coletiva – que gostaríamos de lembrar e celebrar o Dia da Visibilidade Trans de 2021. Conceito que bebe também na fonte da sabedoria Ubuntu (“eu sou porque somos”): eu resisto, porque resistimos, ou eu re-existo porque re-existimos, e essa resistência da coletividade fortalece e aprimora minha resiliência, que por sua vez retorna para o todo num fluxo simbiótico de retroalimentação. Nesse sentido, não há resiliência fora da tessitura humana que nos acolhe, nos envolve e nos protege.

Só assim conseguimos resistir às investidas da transfobia, da misoginia, do racismo, da LGBTfobia. E mesmo assim, segundo dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) fomos 151 corpos assassinades entre janeiro e outubro de 2020[2]. Um aumento de 47% em relação ao mesmo período do ano anterior (2019) com 124 mortes, perdendo apenas para o ano de 2017, com 157 casos. O Brasil ainda carrega a triste estatística de ser o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Ainda segundo a ANTRA (boletim 05/2020) o grupo de “travestis e mulheres transexuais negras e trabalhadoras sexuais (…)  representa a maioria dos casos de assassinatos”. Demonstra-se, assim, que essas mulheres estão expostas a diversas formas de violência e de negação do acesso aos seus direitos básicos.

Mas nossa história é feita também de conquistas, porque fomos forjadas na resiliência. Em 2020 conseguimos eleger 30 pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans), contra apenas 8 do mesmo pleito anterior (2016). Um aumento de 275% !! Duda Salabert, mulher trans mineira, foi eleita pelo PDT-MG com mais de 37 mil votos. Em São Paulo, Erika Hilton  do PSOL-SP foi a mais votada da Câmara, com mais de 50 mil votos. No nosso Estado do Rio de Janeiro, damos destaque para as duas mulheres trans eleitas:  Benny Briolly pelo PSOL em Niterói, região metropolitana do Rio, e Kará pelo PDT em Natividade (noroeste fluminense). Outra ação que merece destaque é a criação em 2020 da Rede Brasileira de Casas de Acolhimento LGBTIQA+ (REBRACA LGBTIQA+), que junto a tantas outras ONGs espalhadas por todo o Brasil foram de fundamental importância para a manutenção da segurança alimentar de diversas pessoas LGBTI, que, durante a pandemia, tiveram que ficar em suas casas.

No caso da nossa população travesti e transexual, quando privadas das nossas principais fontes de renda foram, mais uma vez, as casas de acolhimento – como a CasaNem (Instagram: @casanem_) e o CPA4, ambos na cidade do Rio de Janeiro –, que além do alimento e de um local para morar, estenderam o benefício das cestas básicas para várias outras pessoas LGBTI em situação de vulnerabilidade. Este tipo de ação tomou corpo em diversas cidades  e destacou-se como uma forma importantes de acolhimento e proteção de uma população em extrema fragilidade neste contexto de pandemia.

Durante nossos dois anos de Mandata na Alerj, criamos vários projetos de lei direcionados às pessoas LGBTI+. Abaixo destacamos aqueles que foram elaborados especialmente para as pessoas trans:

  1. PL 568/2019 – Reserva de vagas para travestis, mulheres transexuais e homens trans nas empresas privadas que recebem incentivos fiscais.
  2. PL 1287/2019 – Dispõe sobre o respeito ao uso do Nome Social nas lápides e atestados de óbito de travestis, mulheres transexuais e homens trans e demais pessoas trans.
  3. PL 1872/2020 – Assegura a travestis e transexuais enfermaria correspondente à identidade de gênero autodeclarada.
  4. PL 2600/2020 – Dispõe sobre as custas judiciais dos serviços de alteração do registro civil de travestis e transexuais.
  5. PL 2601/2020 – Garante o uso de banheiros de acesso público a travestis e transexuais de acordo com sua identidade de gênero.

A luta continua! A resistência e a resiliência são sempre necessárias e bem vindas, mas principalmente para os momentos em que os fascismos ameaçam colocar suas garras de fora. Que saibam que nunca mais voltaremos para dentro do armário, pois para nós, resiliência coletiva é a forma de re-existir. FELIZ DIA DA VISIBILIDADE TRANS 2021!

REFERÊNCIAS

ANTRA, Associação Brasileira de Travestis e Transexuais. Matérias disponíveis em:

https://antrabrasil.org/assassinatos/ e https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/11/boletim-5-2020-assassinatos-antra.pdf

https://antrabrasil.org/2020/11/16/candidaturas-trans-eleitas-em-2020/

RENATA SOUZA, Atuação Legislativa

https://www.renatasouzapsol.com.br/atuacao-legislativa

RENATA SOUZA, “Cria da Favela: resistência à militarização da vida”. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2020, p. 166.

 

[1] Maiara Faffini é transexual, psicóloga, militante LGBTI+ e assessora parlamentar da Mandata da Deputada Estadual Renata Souza (PSOL-RJ). Este artigo é fruto de uma ocupação da coluna de Renata Souza no Midia Ninja para visibilizar as trans e travestis, neste importante dia da visibilidade.

[2] Os dados completos de 2020 serão divulgados hoje, 29 de janeiro de 2021 pela ANTRA.