
Não há luta das mulheres sem as migrantes
Em centenas de acampamentos de migrantes e refugiadas hoje, uma mulher está sendo violentada e uma menina está se tornando mãe. E apesar disso, aqui estamos.
Por Lucía Ixchiú, coordenadora da Black Indigenous Liberation
Hoje compartilho estas letras migrantes, rompo o silêncio diante dos Estados e suas políticas que nos criminalizam por estarmos em movimento, ergo a voz porque nestes momentos de deportações massivas pelo ar e pelo mar, é necessário abrir caminho.
As fronteiras foram feitas para serem cruzadas, ainda que as violências migratórias e do paramilitarismo nos tornem corpos descartáveis. Em centenas de acampamentos de migrantes e refugiadas hoje, em diferentes partes do mundo, uma mulher está sendo violentada e uma menina está se tornando mãe, e apesar disso, aqui estamos.
Nestes tempos em que migrar nos custa a vida, em que caminhar é criminalizado, em que saltar caminhos e atravessar fronteiras se tornou um esporte extremo, nós abrimos espaço, nos entrelaçamos com as mãos e nos construímos entre nós com nossas estratégias permanentes de re-existência, que migram conosco, assim como nossos sotaques, nossas cores e nossos tecidos.
Viemos para mudar a dinâmica de suas cidades estáticas e frias, viemos trazer nossas comidas, dar sabor às suas existências cinzentas da ocidentalidade, trazemos todo o sabor do trópico, areia, sal, floresta. Não pedimos permissão para viver, ocupamos todos os espaços, todas as praças, todos os parques. Não viemos viver de suas esmolas, viemos existir em lugares onde possamos viver, pois por suas próprias políticas internacionais fomos expulsas de lá, fomos arrancadas de nossos territórios.
Todas as mulheres que tivemos que deixar nossos territórios, seja qual for a razão, nos abrimos ao desconhecido de uma viagem permanente, em um contexto global que ensina a odiar quem migra, e por isso, me rebelo contra o silêncio.
As narrativas construídas sobre a desumanização de quem migra são políticas dos Estados. Parece que deixamos de ser pessoas ao cruzar a fronteira imaginária de um Estado-nação. A necropolítica legislou para cometer todo tipo de crime nas fronteiras, tanto ao sul como ao norte do México, e centenas de milhares de pessoas migrantes iniciam um percurso de volta à selva de Darién.
A rota migratória não é vivida da mesma maneira pelas mulheres, migrar não nos atravessa da mesma forma no corpo, especialmente para aquelas de nós que se reconhecem na diversidade como corpos feminizados. A origem da humanidade é uma mulher migrante que povoou o mundo, uma mulher negra, uma mulher indígena. Somos todas nós, as que se movem, as que mudaram a história das mulheres.
Sua necropolítica, sua cleptocracia, seus ódios, seu racismo, seu fascismo, suas fronteiras, seus genocídios, suas estatísticas, seus números, suas prisões, seus Estados, seu machismo, seu patriarcado, seu colonialismo, seu despojo, sua crise, seu dinheiro, seu crime organizado e seus grupos paramilitares não conseguiram, nem conseguirão, deter o voo de uma borboleta-monarca, o trotar de uma rena ou de um cavalo, e tampouco deterão nossa caminhada.
Todos os dias são 8 de março, especialmente para nós, que migramos.