Mulheres: Quando a loucura é filha do machismo
A nova geração de mulheres ainda está longe de se passar ilesa pelas experiências de violência
Por Fernanda Guedes
O ano mal começou e a cada dia uma nova notícia estampando o aumento de casos de violência contra mulher, um cenário alarmante que nos faz na semana do Dia Internacional da Mulher rememorar o luto e a luta do sexo feminino contra a opressão, a violência, o abuso sexual ou psicológico, a pobreza de espírito, a ignorância, a heteronomia, a iniquidade, o preconceito, o obscurantismo e o fatalismo.
Uma data de celebração da plena cidadania, parte do escopo dos direitos humanos, mas que no calor da perplexidade do que estamos vivenciando, nos faz voltar no tempo e constatar: ser mulher, nesse mundo governado majoritariamente por homens em função de seus próprios interesses, é ser, antes de tudo, segundo sexo.
Acompanhar os casos como o da vítima de Daniel Alves, da vereadora Yanny Brena, de Titi Muller, Livia La Gatto e Luana Piovani, é nos pasmar com tamanha mesquinhez do nosso meio e desatenção com que o tema ainda é tratado. Há treze anos assistíamos um dos crimes mais chocantes que já aconteceu no Brasil, o assassinato de Eliza Samudio, e sem precisar ir tão longe, neste próximo dia 14, completamos 5 anos da pergunta que permanece sem resposta, “Quem mandou matar Marielle?”
O fato é que, salvo na imagem de nossas conquistas, como ter no governo atual 11 ministras, a nova geração está longe de se passar ilesa pelas experiências de violência. Não há como negar que vivemos em um país machista, no qual as mulheres são oprimidas em todas as esferas sociais e estão em desvantagem em relação aos homens. Os indicadores são irrefutáveis. Além da disparidade salarial e da violência, há outros fatores que explicitam essa hierarquia de gênero e o machismo estrutural da nossa sociedade; como a alta mortalidade materna; a criminalização do aborto em parte devido à discussão precária sobre o tema; e educação sexista.
Há quem até hoje procure mascarar os desafios da nossa resistência, e infelizmente a naturalização e banalização da nossa condição, não é uma atitude apenas masculina, mas de uma parcela de mulheres que ainda esbarra na rejeição ao movimento pelos antigos estereótipos colocados sobre as feministas; vitimismo, histeria e loucura. Rótulos esses que voltaram a moda no Brasil como modus operandi das defesas dos opressores para justificarem seus abusos.
A própria loucura, cuja definição variou ao longo dos séculos, ganhou o rosto da mulher rebelde. A mulher que rejeita o rótulo social, que não se cala, que não se objetiva se casar, que fala alto, que se emociona, que se impõe e não tem medo de se expor ao expor o opressor. Se hoje em dia fizéssemos uma resenha de O segundo Sexo, de Simone Beauvoir, ainda estaríamos sendo atuais. Também há quem goste de dizer que se trata de um livro ultrapassado. Podemos perguntar ultrapassado para quem?
Certamente não para quem está no Brasil, que continua afundando cada vez mais em um silêncio no que tange ao tema gênero, sobretudo quando surgem fatos e mais manchetes como as que estamos presenciando nos últimos meses. Raça e classe social também são temas que não podem mais ser mantidos longe, para a manutenção da miséria da educação brasileira que contribui, por sua própria inanição, para uma cultura cada vez mais empobrecida no que se refere à reflexão, que na base de tudo, deveria orientar as ações para outras direções.
Neste dia 08 de março, esperamos que esse mesmo Brasil, que viu a luz de Luiz acender nosso país, ouça as vozes das Marias, Mahins, Marielles e malês, e junto com a recriação do Ministério das Mulheres, coloque nossa luta em destaque.
Fernanda Guedes é arquiteta e urbanista, comunicadora, produtora cultural e mestranda em Cultura e Territorialidade. Feminista e ativista cultural, é integrante da Articulação Nacional de Emergência Cultural e Co-fundadora e coordenadora da Escola de Políticas Culturais.