Mulher negra, descanse
Especial Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha.
Existe uma pensadora negra que eu gosto muito e aqui peço licença para repetir a sua máxima: Eu, mulher negra, resisto! Quando nossa ancestral Alzira Rufino trazia essa ideia era pensando, justamente, nas mulheres que enfrentam diariamente o racismo, o sexismo, a LGBTfobia e o ódio de classe. No cruel fio da história, muitas de nós morreram de tanto trabalhar, isso após anos cuidando de várias pessoas e permitindo, assim, que elas pudessem ter acesso a uma vida com dignidade, algo que era apenas um sonho em suas trajetórias.
Todo esse excesso de trabalho trouxe e traz, pelo prisma do cansaço, uma série de outras questões, mas principalmente doenças crônicas de ordem física e emocional. O cuidado, que sempre foi visto como algo de valor menor e pago com amor em vez de dinheiro, atravessa as relações sociais e trabalhistas. Há mulheres negras que são a base da família, executando trabalhos domésticos o dia inteiro dentro de casa, ou até mesmo cuidando de parentes com problemas de saúde, e sem ganhar um real sequer.
No último levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizado em 2023, aponta que 708 milhões de mulheres em todo o mundo, com 15 anos ou mais, estão fora da força de trabalho devido ao trabalho de cuidados não remunerado. Isso representa um terço de todas as pessoas em idade ativa que estão fora da força de trabalho.
Muitas das nossas ainda se desdobram para dar conta do trabalho, da família e de si mesmas — isso quando sobra um tempinho. Das que seguem na linha de frente no trabalho de cuidados remunerados — seja como doméstica, babá, profissional da saúde, entre outras profissões da área —, a maioria está sofrendo de exaustão por ter de cumprir dupla ou até tripla jornada.
Um estudo recente da Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família, do Ministério do Desenvolvimento, com a OIT e a Federação Internacional das Trabalhadoras Domésticas (FITH), diz que 7 a cada 10 trabalhadoras domésticas estão esgotadas fisicamente e com a saúde mental afetada. O estudo ainda diz que o perfil das mulheres mais atingidas é, mais uma vez, de mulheres negras (80%), chefes de família (57%) e mães solo (34%). Eu, que por muito tempo fiz parte dessa estatística, sempre me questiono quando, de fato, o cuidado vai ser um direito adquirido para nós.
Lembro de todas as vezes em que, depois de um dia exaustivo limpando a casa dos outros e organizando o cotidiano deles, voltei para o meu lar tendo que fazer comida para os meus filhos pequenos e ainda ajeitar a casa para não virar uma bagunça. A vida de uma mulher trabalhadora e chefe de família não é fácil. Hoje, enquanto parlamentar, a minha luta, que na verdade é nossa, é pela implementação de políticas públicas, garantia de direitos às mulheres negras e pelo fim da escala 6×1, que nos impede de ter uma vida além do trabalho.
O que qualquer mulher negra deseja é ter condições de viver com dignidade. Um ambiente sem carga horária definida, sem condição básica de realização, sem horário para comer e sem descanso é extremamente adoecedor. Uma mente cansada não faz revolução e não consegue lutar por direitos. No dia de hoje, eu só quero desejar às mulheres negras da diáspora uma vida com mais amor, direitos, dignidade e DESCANSO.