Moradores tratam como crime ambiental derrubada do Bosque dos Salesianos
Construtora derruba bosque histórico em SP e revolta moradores às vésperas da COP30.
por Mauro Utida
Enquanto Belém se prepara para sediar a COP30, São Paulo assiste à derrubada de mais um de seus raros refúgios verdes. Nesta terça-feira, moradores da Lapa, na zona oeste da capital paulista, foram surpreendidos pelo som de motosserras e máquinas de grande porte derrubando centenas de árvores no Bosque dos Salesianos. As imagens da devastação e dos protestos se espalharam rapidamente pelas redes sociais, gerando comoção nacional às vésperas da conferência global do clima.
O episódio escancara o contraste entre o discurso ambiental e a realidade urbana paulistana. Na capital, o corte das árvores tem amparo jurídico: a Prefeitura de São Paulo concedeu alvará para a obra por meio da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA). “Existem todas as autorizações necessárias para as atividades”, afirmou a empresa Tegra Incorporadora, que adquiriu o terreno por cerca de R$ 95 milhões, segundo o Jornal de Brasília. O empreendimento é respaldado pelo Termo de Compromisso Ambiental (TCA) nº 463/2025, firmado com a SVMA, que prevê o plantio de novas mudas nativas como compensação.
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Contudo, ambientalistas e movimentos locais questionam a efetividade dessa compensação. O TCA autoriza o manejo de 118 árvores de grande porte — algumas delas centenárias —, conforme denúncia do movimento Salve o Bosque. Em contrapartida, determina o plantio de 1.799 árvores nativas em outras áreas da cidade e o investimento de R$ 1 milhão em ações de compensação ambiental. Para os críticos, no entanto, “mudas não substituem um ecossistema maduro” — e o replantio raramente recompõe os serviços ambientais perdidos, como sombra, infiltração de água, abrigo para a fauna e regulação do microclima.
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A Tegra sustenta que 73% das árvores removidas estavam mortas, invasoras ou exóticas, e que 66 exemplares nativos serão preservados. A informação, porém, ainda não foi confirmada por laudos técnicos públicos.
O terreno, que integrava o antigo campus do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), é considerado por moradores uma “ilha verde” essencial para o equilíbrio ambiental do bairro. A comunidade tenta o tombamento da área junto ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp), na tentativa de frear o avanço das obras.
Com as máquinas já em operação, cresce o temor de que a “janela de contestação” se feche rapidamente — e que o dano se torne irreversível. “É um sentimento de impotência. Como pode uma floresta deitada valer mais do que uma floresta em pé?”, questionou a vereadora Renata Falzoni, que se somou aos protestos ao lado de Eduardo Suplicy e Nabil Bonduki.
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Na noite de quarta-feira, ativistas projetaram em um prédio da capital paulista a frase: “A derrubada do Bosque dos Salesianos é um desastre ambiental”, em ato promovido pela organização Projetemos. A mensagem sintetiza o sentimento coletivo: em tempos de emergência climática, derrubar árvores de grande porte em uma cidade como São Paulo é mais do que uma contradição — é um retrocesso ambiental que deveria ser tratado como crime.