Minas Gerais: pagar o piso dos professores e educar para a diversidade é cumprir com a função social da escola
Cumprir com a lei, pagando o piso da educação, é o principal passo para a valorização e o desenvolvimento da Educação pública em Minas Gerais
A educação que lutamos para construir cotidianamente em nosso país visa à formação integral dos sujeitos de direitos, com promoção, respeito e valorização da diversidade, resultado da defesa inflexível de uma nova organização da educação nacional, por meio da instituição do Sistema Nacional de Educação (SNE) e o seu papel orientador nos estados.
Durante o mês de outubro, no Brasil, comemoramos, em datas muito próximas, o dia das crianças e o dia das professoras e professores. Em 2023, essa proximidade entre as datas nos provoca uma reflexão sobre os limites e potencialidades da ação docente e o papel social da educação pública em Minas Gerais.
Apesar da existência de um consenso sobre a centralidade do papel das professoras e professores na sociedade, uma grande maioria dos educadores enfrentam condições precárias de trabalho, com salários indignos, falta de recursos pedagógicos, alta rotatividade entre as unidades escolares e, em especial, nos últimos anos, um violento processo de vigilância do seu trabalho dentro das salas de aulas.
Em Minas Gerais, o que os professores desejam (e estão lutando por isso) é que o governador Romeu Zema (Novo) cumpra com o pagamento do Piso Salarial para as oito carreiras da educação.
Nosso desafio é convencer o governo de Minas de que quando valorizamos os professores e demais profissionais da Educação, estamos investindo não apenas na melhoria da qualidade das suas vidas, mas também na qualidade da educação que nossas crianças recebem. Cumprir com a lei, pagando o piso da educação, é o principal passo para a valorização e o desenvolvimento da Educação pública em Minas Gerais.
Nos dias atuais, em meio a uma verdadeira revolução tecnológica, suas transformações digitais e o seu dinamismo, o papel de mediador dos professores é ainda mais importante. Professoras e professores têm como missão possibilitar aos alunos, em especial às crianças, a criação e a produção de conhecimento, e não apenas transmiti-lo.
Paulo Freire já nos dizia que uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições para que os educandos, nas relações entre si e com os(as) professores(as), possam ensaiar a experiência profunda de se assumir como ser social, histórico, pensante, criador e realizador de sonhos.
Para tanto, a valorização dos profissionais da Educação é fundamental para garantir que a liberdade e a autonomia se constituam como dimensões inerentes à transmissão e à troca de um ensino de qualidade e o desenvolvimento integral das nossas crianças e adultos.
Minha luta enquanto pedagoga estrutura-se na defesa de uma escola capaz de trabalhar um currículo alicerçado em conhecimentos e práticas expostos às novas dinâmicas e reinterpretado em cada contexto histórico, para que o ensino e a aprendizagem de fato se efetivem e a proposta político-pedagógica se concatene com uma pedagogia contestadora capaz de desafiar as nossas crianças e adultos a pensarem criticamente a realidade social.
Defendo de forma intransigente que as escolas sejam, cada vez mais, espaços onde o racismo seja combatido, onde se promova o respeito à diferença, onde a valorização da diversidade seja uma atitude assumida e praticada por todos nós.
Isso passa pela efetivação de um currículo que valorize e reconheça a realidade da formação da nossa sociedade e do nosso povo, que supere o ideário do colonialismo e as suas permanências e, inclusive, seu efeito mais nocivo que é o racismo. Portanto, um currículo que reconheça os negros e as negras e seus descendentes não como ex-escravos, mas enquanto sujeitos históricos e sociais.
É necessário também o cumprimento da Lei n° 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da História da África e História Afro-Brasileira nas escolas, e da Lei nº 11.645/2008, que obriga o estudo da História e Cultura Indígena e Afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, mas que infelizmente não prevê a sua obrigatoriedade nos estabelecimentos de ensino superior para os cursos de formação de licenciaturas. Estamos convencidos da ineficácia de somente se abordar o racismo nas escolas no Dia da Consciência Negra ou no Dia dos Povos Indígenas.
Por acreditar no valor emancipatório da literatura para a formação das nossas crianças, jovens e adultos, reafirmo o compromisso com a luta do movimento educacional em Minas Gerais para assegurar, no ambiente escolar, o respeito à diversidade étnico-racial por meio do trabalho com textos literários dotados de valor estético – uma característica singular das obras que integram o Programa Nacional Biblioteca da Escola, que se destina à formação de leitores do Ensino Fundamental II e que tratam da temática africana e afro-brasileira.
Educar para a diversidade passa por ensinar que Laudelina de Campos Melo foi pioneira na luta pelos direitos de trabalhadores e trabalhadoras domésticas no Brasil, que Luiza Mahin foi uma das mais importantes lideranças da Revolta dos Malês e que o território brasileiro é terra indígena. É sobre a luta de homens e mulheres racializadas que forjaram ao longo da nossa história a nossa identidade e que são invisibilizados pelos currículos escolares em detrimento dos “grandes heróis” nacionais que só reforçaram e aprofundaram um projeto colonialista de Brasil.
A educação básica representa um celeiro potente e fértil para a formação de professores, entretanto, há muito tempo estamos lidando com uma baixa atratividade da profissão, que perde para oportunidades mais vantajosas de emprego no mercado de trabalho. Se este contexto permanecer, isto é, se poucos estímulos forem dados para a opção pela docência, é bem provável que sequer os cursos de mestrado profissionalizante nas áreas específicas do magistério, propostos pela CAPES, conseguirão reter os(as) professores(as) por muito tempo em sala de aula.
É preciso potencializar a formação docente; ampliar os investimentos em programas como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica (Pibid), uma iniciativa da CAPES/MEC; superar a lógica produtivista que se instaurou em torno da abertura massiva de cursos de licenciatura no modelo de EaD. O formato de ensino a distância, produzido pelo padrão de financiamento adotado pelo FNDE, dificulta ou inviabiliza o desenvolvimento de práticas pedagógicas mais condizentes com os diferentes contextos das instituições formadoras e as necessidades dos alunos-professores.
É preciso avançar na melhoria do currículo das Instituições de Ensino Superior (IES) privadas, onde há uma orientação pragmática de preparação para a sala de aula, e comprometer os seus currículos à função social da escola e à reflexão sobre a prática e a valorização da realidade do aluno. O melhor exemplo é o que ocorre na maioria dos cursos de licenciatura das Universidades Públicas Brasileiras.
Em Minas Gerais, a luta protagonizada pelos professores (as), em conjunto com as demais carreiras que formam o movimento educacional, há muito tempo defendem a melhoria nos serviços públicos prestados ao nosso povo, defendem uma educação pública, gratuita, universal, laica, democrática, inclusiva, com gestão pública e comprometida com os valores de participação. Para nós, a educação é, sobretudo, um bem público, de responsabilidade do Estado e com o devido respeito e valorização aos nossos profissionais e ao nosso povo, em especial às nossas crianças.