No próximo sábado (26/07) será realizado o 4º Encontro de Jongos do Vale do Café, no Parque das Ruínas de Pinheiral, na região do Médio Paraíba, no Rio de Janeiro. Para muitos pesquisadores foi nesta região que o jongo nasceu, durante a escravidão nos cafezais. Cerca de 400 lideranças de jongo e os mestres de mais de 18 comunidades e quilombos tradicionais do Rio e São Paulo vão se apresentar no evento, que conta com danças, músicas, comidas, artesanatos e demais elementos desta cultura ancestral tão rica.

As atividades marcam também a comemoração dos 20 anos do reconhecimento, realizado em 2005, do jongo como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em agosto haverá outro encontro na Praça Tiradentes, no Centro do Rio, dentro do calendário de festas deste ano. Para conversar sobre o assunto, entrevistamos Geraldinho Jongo, uma das referências no jongo, em especial no Vale do Café. José Geraldo da Costa, de 59 anos, nasceu em uma família ligada às tradições culturais e religiosas afrodescendentes de quem teve forte influência e desde bem cedo esteve ligado a capoeira e a prática do Jongo, e hoje coordena o coletivo Jongo Di Volta, em Volta Redonda.

Geraldinho Jongo dedica sua vida à preservação e divulgação da memória do jongo e da cultura afrodescendente como um todo. Historiador e ativista do movimento negro, atua em projetos sociais também conscientizando a juventude no combate à discriminação racial e outras formas de opressão. O Jongo di Volta, fundado em 11 de maio de 2015, ao longo de seus 10 anos, realiza palestras em escolas, comunidades, seminários, mostra de vídeo, contação de histórias e se empenha em ações de solidariedades, junto às comunidades quilombolas da região e as comunidades tradicionais de jongo.Além do Jongo di Volta, ele também é membro ativo do Clube Palmares em Volta Redonda, de onde é Vice-Presidente e exerce interinamente a sua presidência.

Na entrevista à Mídia NINJA ele fala da importância do jongo na cultura brasileira, o conhecimento passado de geração em geração, algumas características desta cultura e expectativas. No seu ponto de vista, é fundamental fortalecer as organizações para formar uma teia e conquistar avanços na perspectiva administrativa, financeira e política.

Quando foi o seu primeiro contato com o jongo?

Em 1980, quando tinha 14 anos, meu mestre de capoeira, o Mestre Daí, que era esposo da Fatinha [Maria de Fátima da Silveira Santos], a matriarca do Jongo de Pinheiral, me trouxe a Pinheiral, desde então há exatos 45 anos passou a acompanhar a comunidade jongueira de Pinheiral. Então minha história com o jongo já tem 45 anos, e o meu jeito de cantar, dançar e compor jongo aprendi com o mestre Gabiúna (Filho), o Benedito de Oliveira. Porque tinha o mestre pai dele, Gabiúna (Pai), que era o Seu José de Oliveira. Herdei essa forma de fazer jongo deles, que é bem parecida com a de Pinheiral. Faz parte dessa tradição, a forma que aprendi Jongo.

Esse conhecimento lhe foi passado, como você vê a questão geracional hoje e a transmissão de saberes para os mais novos? 

Quando era jovem tinha apenas 14 anos, mas hoje sou mestre. Esse repasse de conhecimento, a pedagogia da diáspora, é muito importante, mas tem que ser feita com responsabilidade. Tem que saber o que está passando e pode ser repassado, e na medida do crescimento você vai alimentando e incentivando. Tenho um grupo com mais de 30 componentes, vai da minha neta de dois anos à matriarca Dona Elza, que tem 95. É uma grande responsabilidade essa coisa do repasse do conhecimento, de aprender para aprender a ensinar.

Somos guardiões dos saberes produzidos coletivamente, da memória histórica material e imaterial, então, para a preservação e a continuidade do jongo é fundamental esses repassasses de conhecimentos aos mais jovens, porém, algo que me incomoda é a crescente mercantilização de nossa cultura e o distanciamento de nossas origens, temos que tomar cuidado com isso para que nossos grupos de jongo, não virem meramente grupos folclorizados e fazedores de shows. Essas questões, eu procuro repassar àqueles que fazem jongo com o Jongo di Volta.

Como você enxerga esse aumento de visibilidade e aceitação do  jongo pela sociedade?

Por um lado tem tido mais acolhimento, mas por outro reação. Infelizmente estamos vivendo num momento do país de repulsa ao tambor, ao que eles identificam como algo a ser repreendido. Mas na verdade é uma resistência, por isso chamo jongo assim. Há uma mistura, mas também uma reação por determinados setores da sociedade. Essa resistência, atualmente, não poderia ser diferente, pois o jongo nasceu enquanto resistência à exploração e opressão racial no tempo do cativeiro. Enfrentamos muita repressão, intimidação e discriminações de todos os tipos, de maneira que não poderia ser diferente nos dias de hoje. Mas apesar da crescente intolerância, continuaremos a resistir e seguir adiante.

Quais são as principais características do jongo desta região?

As comunidades jongueiras têm muitas  particularidades, por isso tem essa diversidade rica do jongo. Temos formas diferentes de tocar, cantar, dançar, e essa variedade é muito boa. Daí a importância desses encontros, onde cada comunidade preserva e dialoga sobre o que traz. Esse intercâmbio é extremamente importante, essas culturas não podem ficar isoladas. Os organizadores do jongo do Vale do Café estão de parabéns pelo evento do ano passado, tem que ter mais atividades como esta e acho que deveria ser itinerante nessas comunidades tradicionais. Porque as pessoas convivem com muita dificuldade, e isso aquece e reanima energias que estão por aí guardadas.

E os comportamentos e segredos durante os rituais nas rodas?

Você tem os pontos de jongo que são de abertura da roda, outros cantados ao longo da roda e uns pontos de encerramento. O que essa geração precisa entender é que não se canta ponto aleatório. Aprendi que os pontos precisam ter um sentido: são recados, diálogos, coisas que conversamos um com o outro. No ano passado comecei, por exemplo, louvando Nossa Senhora de Santana porque era o dia dela. Se eu vou te elogiar, é diferente, assim como ao mandar um recado, que precisa ser um ponto curto. E tem que ter um cuidado para não se perder esse tipo de coisa. Os pontos como são chamadas às canções de Jongo, eles têm que ter momentos e sentidos certos de serem cantados. O jongueiro ou a Jongueira têm que dominar a arte do improviso e do envio certo do ponto e, ao mesmo tempo, entender o que se está querendo comunicar e aí responder de forma correta. De habilidades como essas muitas, vezes se salvavam vidas no tempo do cativeiro. Como se aprende isso? Primeiramente ouvindo, isso leva tempo, tem que ter humildade para aprender e saber que nunca se sabe tudo, sempre estamos aprendendo.

Qual a relação do jongo com a religiosidade?

O homem é indivisível, então rola de tudo. Não estou falando de religião. O Jongo é um legado dos mais velhos e mais velhas. Acredito que eles estão o tempo todo conectados com a gente, portanto, para mim, isso faz muito sentido. Em alguns momentos do ano, algumas comunidades fazem rodas em intenção de Santos como São Benedito, Nossa Senhora do Rosário, Santo Antônio, Nossa Senhora Santana, São João e São Pedro. Essas práticas vêm de longo e são mantidas por algumas comunidades. O Jongo di Volta, sempre no dia (13/06) e em homenagem ao Santo Antônio, faz o nosso Arraial Junino.

Quais as perspectivas do jongo?

Temos que compartilhar mais entre nós alguns avanços, porque nem todos têm acesso a como fazer um edital, por exemplo. Tem uma burocracia terrível, necessidades de contabilidade, então muita gente se enrola. Outras pessoas têm ideias, mas não sabem como botar no papel. Então temos que criar uma equipe e funcionar como uma empresa, fazer intercâmbio nos grupos e formar uma teia para todos se ajudarem.

Os governos vão mudando, e como isso se reflete no jongo? Como se dá esse diálogo?

A eleição do presidente Lula mudou para melhor, porém, está muito aquém mas já temos abertura de diálogo, tem investimento, assessoria, etc. O governo anterior estava fechando as portas e promovendo a perseguição, fui hostilizado várias vezes nas minhas rodas em Volta Redonda. Isso não é diferente de outras realidades, então isso deu uma desintoxicada. Precisamos ter uma política pública mais direcionada e consistente para as comunidades e coletivos que desenvolvem trabalhos como o jongo. Os Mestres e Mestras devem ter uma rede de proteção social, serem tidos como guardiões de nossos saberes coletivos e por isso acolhidos em todos os sentidos pelo poder público.