Mês do orgulho LGBTQIA+: por que tanta invisibilidade no esporte?
Por falta de políticas públicas, o esporte está sendo subaproveitado como poderoso instrumento de inclusão social da população LGBTQI+ na sociedade.
Atualmente, é mais comum a presença de atletas LGBTQIs no esporte de alto rendimento, mais conhecido como profissional. Rapidamente, vêm à memória os nomes de Marta, Cristiane, Douglas Souza e Tifanny Abreu. Porém, mesmo incluindo todos os atletas LGBTQIs, a lista não se estenderia muito. Embora tenha havido visível avanço na luta contra as opressões baseadas em gênero e sexualidade dentro das quadras, sabemos que, por falta de políticas públicas, o esporte está sendo subaproveitado como poderoso instrumento de inclusão social da população LGBTQI+ na sociedade. Ao promover educação, saúde e socialização, ele poderia permitir a uma população carente dessas iniciativas uma oportunidade de ouro de conquistar respeito, trabalho e até admiração.
Tifanny Abreu é a primeira mulher trans no Brasil que vive exclusivamente do esporte. Levando em conta que, segundo dados da Associação Nacional de Trans e Travestis (Antra), apenas 10% da população de trans e travestis trabalham fora da prostituição, o que a atleta de vôlei conseguiu foi um feito extraordinário – e que precisa ser ampliado. A violência escrachada nas tentativas de excluir a população trans de tantos espaços ganha contornos mais nítidos especialmente no esporte. Existem, pelo menos, sete projetos de leis na Câmara dos Deputados, com o objetivo de proibir atletas trans de competirem em esportes de alto rendimento, o que fecharia para essa população mais uma possibilidade de dignidade e trabalho. As propostas se apoiam em justificativas tóxicas e vazias de comprovação científica. Para piorar a situação, ao menos onze casas legislativas estaduais contam com projetos semelhantes, segundo levantamento da Agência Lupa realizado em 2021.
Quanto a Douglas Souza, ele não está sozinho entre os homens gays assumidos e profissionais do vôlei. Porém, ainda há um número muito abaixo do esperado, provavelmente por conta da homofobia das instituições e dos profissionais que fazem a seleção dos futuros quadros esportivos. O Brasil não possui um levantamento de dados amplo sobre o mercado de trabalho para pessoas LGBTQI+, assim como também não tem para o esporte em especial. Não obstante, é amplamente divulgado por ativistas e especialistas em gênero e sexualidade que, em espaços onde o corpo tem mais destaque, a heteronormatividade e o padrão cisgênero (indivíduo que se identifica com o corpo biológico com o qual nasceu) atuam de maneira mais incisiva, gerando ambientes tóxicos e desconfortáveis para quem não se entende como heterossexual e/ou cisgênero. Aquela velha e preconceituosa história que para jogar futebol tem que ser homem macho, que aqui entre nós podemos dizer explicitamente: nesses espaços é necessário reafirmar o próprio gênero e a própria sexualidade, desde que eles estejam de acordo com o “normal”, o tempo todo.
Vemos, principalmente, no futebol feminino representações negras dos LGBTIs, como as já citadas Marta e Cristiane. Por que não temos no futebol masculino algum representante? Será que não existe? Ou se deve ao fato de que uma mulher não hétero, vista pela sociedade como masculinizada, é mais tolerada no viril futebol do que um homem que gosta de homens em um esporte tido como masculino? Os poucos nomes que conseguimos pensar deixam nítido que, na realidade, os corpos LGBTQI+ no futebol masculino não são permitidos. O armário no mundo do esporte tem portas mais difíceis de abrir.
Por conta dessa exclusão, muitos LGBTQIs não transformam a aptidão em carreira profissional e praticam esportes de forma amadora, apenas com o intuito de obter prazer e melhorar a condição física. Hoje existem diversos times inclusivos que acolhem essas pessoas. Eles organizam competições em outras cidades e estados para mostrar que, mesmo de forma amadora, há competitividade e talento. Um exemplo disso é a Queer Cup, o primeiro campeonato de Handebol LGBTQI+ do país, que faz parte de uma onda recente de torneios LGBTQI+ no Brasil. A maior parte dos times atuam no futebol e no vôlei.
Esses eventos refletem uma luz de esperança no fim do túnel, um pouco do sonho de igualdade que queremos ver realizado em todas as esferas da vida pública. No mês do orgulho LGBTQIA+ de 2022, assim como nos próximos meses, nós nos juntamos a essa população na luta pela quebra de preconceitos, de forma que, a cada ano, tenhamos mais direitos garantidos e, assim, novas figuras para nos inspirar.