Marcha da pamonha: liberdade oprimida na luta pela legalização em Brasília
A opressão à marcha da maconha vem sendo uma constante em diversas cidades, sempre sob o pretexto de se coibir o consumo de maconha – tolerância zero!
O Supremo Tribunal Federal, em 2011, reconheceu o direito à liberdade de expressão, de manifestação e de reunião da Marcha da Maconha. Mais que isso, trata-se do reconhecimento desta liberdade a todos que, de qualquer modo ou meio, pretendem abordar o tema da regulamentação da maconha, inclusive com a possibilidade de ampliação do debate para outras drogas ilícitas.
Somente após o julgamento da marcha da maconha é que de fato se percebe avanços no debate no Brasil, quando então cientistas, juristas, médicos, pesquisadores, dentre outras tantas autoridades em diversos ramos do conhecimento que englobam a temática começaram a se sentir menos intimidados para simplesmente poder falar, lecionar, ou ainda, com enormes dificuldades, realizar pesquisas para fins medicinais e científicos .
Antes do referido julgamento, as marchas da maconha foram constantemente proibidas em diversas cidades brasileiras, com histórico de forte repressão policial. Quando permitidas, decorriam de acordo com as autoridades no sentido de afirmar que se tratava de marcha pela liberdade de expressão, bem denominada “marcha da pamonha”.
Essas conquistas vêm da insistência de milhares de brasileiros que há pelo menos 15 anos marcham em diversas cidades por todo país, fomentando o debate na sociedade brasileira, muitos desses atos realizados com forte opressão policial.
Passados mais de cinco anos do julgamento, a resistência dos órgãos de segurança pública e a repressão policial ainda permanecem bastante forte e sem sentido, em constante violação à determinação do STF.
Como exemplo, nos anos de 2016 e 2017, a organização da marcha da maconha do Distrito Federal, apesar de toda a boa relação construída junto à Secretaria de Segurança Pública do estado, não consegue protocolar seus ofícios de prévio aviso da marcha quando estes são impressos em papel, contendo o timbre da marcha.
Os argumentos são: (I) que a marcha não possui CNPJ e por isso não pode usar timbre; (II), que se for protocolado documento com o timbre, poderá haver tipificação pelo crime de apologia, pois o documento está sendo protocolado em órgão público; (III) que o nome do movimento não deve ser marcha da maconha, devendo ser marcha pela legalização da maconha.
O voto do ministro do STF, Celso de Mello, que diz: “O Estado, por seus agentes e autoridades, não pode cercear nem limitar o exercício do direito de reunião, apoiando-se, para tanto, em fundamentos que revelem oposição governamental ao conteúdo político, doutrinário ou ideológico do movimento ou, ainda, invocando, para restringir a manifestação pública, razões fundadas em mero juízo de oportunidade, conveniência ou de utilidade ”.
Portanto, é descabida a retirada do direito de manifestação da marcha da maconha por meio dos órgãos públicos.
Noutro giro, percebe-se que a opressão à marcha da maconha vem sendo uma constante em diversas cidades, sempre sob o pretexto de se coibir o consumo de maconha – tolerância zero!
É bem verdade que, quando do julgamento da marcha da maconha, deixou-se claro que o uso drogas permanece proibido. Porém, também expressa que “(…) a liberdade de reunião, tal como delineada pela Constituição, impõe, ao Estado, um claro dever de abstenção, que, mais do que impossibilidade de sua interferência na manifestação popular, reclama que os agentes e autoridades governamentais não estabeleçam nem estipulem exigências que debilitem ou que esvaziem o movimento, ou, então, que lhe embaracem o exercício ”.
E, citando Pontes de Miranda, o Ministro Celso de Mello consignou que “(…) não é dado à polícia analisar ou apreciar a conveniência da reunião – ‘A polícia não pode intervir sem que haja perturbação da ordem. Simples inconvenientes não justificam a sua intervenção (…)”
Buscando como referência novamente a marcha da maconha do Distrito Federal e como fonte de notícias as publicações do sítio G1 os anos de 2014, 2016 e 2017 , extrai-se os seguintes dados relativos aos anos de 2014, 2016 e 2017:
Dados/Ano | 2014 | 2016 | 2017 |
Público | 4.000 | 1.500 | 500 |
Flagrantes por porte de drogas – adultos | 0 | 36 | 18 |
Apreensão – adolescentes | 0 | 11 | 3 |
Porcentagem | 0 dos participantes flagrados | 3,13% dos participantes flagrados | 4,20% dos participantes flagrados |
Importante destacar que no ano de 2014, quando a marcha da maconha contou com quatro mil participantes, não houve qualquer registro de tumulto.
Outro ponto que reforça o argumento acerca da opressão contra a marcha da maconha, é perceber que na Capital Federal, dos cerca de 500 participantes, todos foram submetidos à pelo menos uma revista pessoal por parte da Polícia Militar durante a marcha.
Deste total de participantes, apenas 4,20% dos participantes a polícia logrou êxito em flagrar o porte de maconha.
Percebe-se que para se alcançar um quantitativo pouco significante de apreensão, todo o universo de participantes foi abordado e revistado por policiais militares, sem que houvesse qualquer notícia de perturbação da ordem pública a justificar tamanha intervenção.
Os dados evidenciam que a repressão policial perpetrada em detrimento da marcha da maconha da Capital Federal tem tido como consequência o esvaziamento do movimento, o que mais uma vez vai contra o entendimento do STF, que é a garantia à liberdade de expressão, de manifestação e de reunião.
A própria repressão policial que se pretende alcançar repreendendo o uso de maconha na marcha, embora venha tendo força suficiente para esvaziar a reunião nos últimos anos, sob outra perspectiva não é capaz de coibir totalmente o uso de maconha durante a manifestação, pois mesmo com toda opressão, diversas pessoas fizeram o uso da erva proibida em todos os anos citados.
Nas cidades brasileiras onde ocorre a marcha da maconha e que não há opressão policial, elas ocorrem em clima de paz. Essa é a verdadeira essência da marcha da maconha e de todos aqueles que fazem uso medicinal e social.
Em sentido totalmente oposto, nas cidades brasileiras onde há opressão, o clima de paz é quebrado tão-somente em decorrência da opressão policial. O ato de portar ou até mesmo de usar maconha não perturba a ordem pública de modo a justificar uma ação tão grande por meio do uso da força policial.
A verdade é que marcha da maconha sem maconha, não é marcha da maconha.
Pode ser marcha do álcool, marcha do tabaco ou de qualquer outra substância. Porém, sem maconha, além desta possibilidade parecer uma utopia, nesse contexto a marcha perde toda a sua natural essência, e se transveste no odor nada prazeroso do gás de pimenta, gerando momentos de medo, susto e tensão, sem qualquer justificativa plausível.
Nas cidades em que os órgãos de segurança pública adotam a estratégia de não intervir, por entender que não está havendo perturbação da ordem pública que a justifique, quando muito um ato coletivo de desobediência civil, bem consegue se perceber o verdadeiro clima de paz, de alegria, de diversidade, de fraternidade, vetores esses já enraizados na alma do verdadeiro maconheiro ou maconheira. Essa é a verdadeira marcha da maconha.
Contexto oposto ocorre nas marchas onde há enorme vontade de se reprimir o uso de drogas. De tão oprimida, tamanho o sufoco e tamanho o cerceamento de liberdades, tamanha a sensação de estar o tempo todo sendo “tocado” pela coerção e opressão, que vem a memória a música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho …
“O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos
Contemplam esta vida numa cela
Esperam nova possibilidade
De verem esse mundo se acabar
A arca de Noé, o dirigível,
Não voam, nem se pode flutuar
Êh, oô, vida de gado
Povo marcado
Êh, povo feliz!”
E mesmo sendo tocados, a marcha pode sentar e desfrutar por 30 minutos as lindas pastagens da esplanada, onde foi possível contemplar um belo pôr do sol da capital Federal e ter a certeza de clamar para que segurem o balanço, não vão esmorecer, que esta vitória vai acontecer!
Com colaboração de Mauro Machado – Brasília.