Mamãe da Putaria
É música pra mina preta, é música pra funkeira, é música pra leitoras de djamilas, é música pra boy desavisado, é música pra maninha branca arrastar a raba no chão, é música pra nós, mulheres que não pedimos desculpas.
Dia 8 de março não para de nos dar presente – e desta vez em forma de música. Na última sexta-feira, Tati Quebra Barraco, MC Carol e Heavy Baile nos deram o feat que a gente precisava pra começar bem o ano pós-carnaval.
O clipe de “Mamãe da Putaria” já começa com dedo na cara: três homens negros estão conversando sobre produtos de limpeza e duas mulheres se aproximam mandando a famosa cantada de pedreiro. O choque é imediato e proposital: de onde saíram esses homens que sabem diferenciar marca de detergente e essas mulheres assediando eles no meio da rua? Com essa cena a história já mostra a que veio: subverter a lógica dos papéis de homens e mulheres na sociedade.
Takes de peitorais molhados depois, Tati manda a letra: ela é o terror dos carinhas que pensam que são putão. Nessa parte todas nós somos versadas. Quantas vezes você não viu um cara que fala que faz e que acontece, que se gaba das suas habilidades sexuais, mas na hora do “vamo vê” decepciona? Esses dias vi no stories do “Mensagem do EX” um cara que ficou anunciando sexo oral uma semana, chegou lá e deu o total de UMA lambida. Uma. Triste vida, mas não se preocupe que Tati “Mamãe da putaria chegou pra te ensinar”.
Enquanto isso, uma fila de carros dirigidos por mulheres se forma no pátio. Estamos num lava jato à moda antiga e os homens estão a serviço dessas mulheres. Uma motoqueira entra, joga a chave no ar e um cara corre pra pegar, outra mana manda áudios no WhatsApp enquanto espera, e justamente quando você está distraído pela delícia de ver os papéis invertidos pra variar, PÁ – uma mulher branca está lendo “Quem tem medo do feminismo negro?”, de Djamila Ribeiro.
Esse é um dos detalhes mais importantes do filme – um clipe de funk, com título explícito, de duas funkeiras negras de sucesso e sem pudores. É ali que a prática da vida delas e a teoria do livro da filósofa se encontram, afastando a visão clássica do feminismo branco “universal” de que essas coisas não se misturam. Do lado de cá, sim. E é pras brancas lerem, sim – afinal, o racismo, mesmo dentro do feminismo, é problema da branquitude, não nosso.
Isso tudo acontece quando o refrão dropa pela primeira vez: “Se eu mandar chupar, tu vai chupar. Se eu mandar botar, bota tudo!”, repetido três vezes, que é pra macho entender. Aqueles de ouvidos puritanos não vão entender o poder que tem essa frase saindo das bocas de mulheres negras, enquanto temos corpos vistos como não desejados e submissos. Empoderamento sexual é uma pauta que pega diferente para mulheres brancas e negras, então ouvi-las é importante. Repetir, mais ainda.
MC Carol entra em cena logo em seguida. Se ergue na frente de um dos carros enquanto um dos caras atrás tenta consertá-lo, mas se distrai com seus versos. É uma metralhadora, primeiro: “Falando de putaria, cheguei quente como o sol”, afinal mulher pode falar putaria sim, e logo depois: “Propaganda enganosa, não vem cantar de galo”, denunciando os contatinhos pra não perder o costume.
E minha parte favorita até então: “Sou piranha nova / Ela é piranha há muito tempo”. É uma delícia poder ouvir isso por dois motivos. 1) “Piranha, puta, vadia” nunca foram necessariamente termos em disputa para nós, mulheres negras. Vícios preconceituosos no jogo – amigos se chamam de viados, amigas se chamam de vadia. E agora, na naturalização da palavra, ouvimos um novo tom, o de assumir a piranhice, o de assumir e se orgulhar do seu desejo. 2) São duas gerações se reconhecendo sem paranoias, como não vemos nas reuniões organizativas do feminismo por aí. A mais nova não está ansiosa para disputar espaço, a mais velha não está protecionista pra não perder espaço. Estamos juntas no mesmo lugar e sabemos pedir licença pra chegar da mesma forma que sabemos ouvir o que vem de novo por aí.
Mesmo exercendo aqui tudo que a Mídia NINJA defende como mosaico de parcialidades, é impossível para mim não me identificar com quem ela, Carol de Niterói, é. Não só porque somos duas negras ou duas mulheres gordas. É porque ela termina seu gancho com: “Agora ajoelha e mostra o seu talento”, e como tenho defendido, “não há posição sexual melhor do que ver um homem de joelhos”.
Ápice da fantasia da inversão (depois pesquise no x videos sobre esse termo também, bebê) chega quando um dos lavadores esbarra e derrama água de um balde em um dos carros. A cliente dona do veículo chama atenção, a outra, do seu lado, diz que homem não entende de carro. Tati e MC Carol então o chamam pra dentro e ele é perdoado com a condição de passar na sala da Carol mais tarde. 😉
Um experimento social em forma de clipe, o vídeo segue brincando com os estereótipos às avessas, são 3:35 minutos de homens desconfortáveis e mulheres dominando a situação. Pontos extras porque os corpos desses homens não são os dos saradões ratos de academia, e por mim o carinha pode ficar rodando no pole dance quanto tempo ele mais quiser, desde que os dois lambuzados de espuma não parem de dançar.
No resumo da obra, a música é digna do “primeiro a gente grita QUE HINO depois a gente escuta”. É música pra mina preta, é música pra funkeira, é música pra leitoras de djamilas, é música pra boy desavisado, é música pra maninha branca arrastar a raba no chão, é música pra nós, mulheres que não pedimos desculpas.