Mais que mil caracteres
No campo do ativismo social, podemos dizer que a presença do design é forte, decisiva e tem deixado marcas.
Por Carla Piaggio
Design é comunicação visual. Engloba vários formatos e temas, organiza ideias, fortalece iniciativas. No campo do ativismo social, podemos dizer que a presença do design é forte, decisiva e tem deixado marcas. Da charge de protesto contra o governo ao vídeo sobre personalidades históricas ativistas. Da criação de marca do evento cultural periférico ao card sobre a feira agroecológica. Do cartaz reivindicando acessibilidade urbana ao boletim que narra a vivência de pessoas em situação de rua. Do site com vagas de trabalho para pessoas trans à melhoria do produto que gera renda na zona rural. E tantas outras contribuições.
O design se torna uma ferramenta de ativismo quando atua a favor de causas sociais, justiça, respeito, equidade. Muitos designers dedicam tempo e conhecimento a ações que mobilizam transformações positivas na sociedade. Há aqueles que, com a pulsão por conciliar trabalho e ativismo social em tempo integral, alcançam a feliz possibilidade de uni-los em uma mesma atividade. Outros, no tempo viável em paralelo ao seu trabalho, criam iniciativas, dão consultorias, apoiam grupos e instituições, colaborando de forma voluntária ou por meio de projetos.
Em projetos comerciais, a contribuição acontece da forma possível, conforme os limites da empresa empregadora ou dos clientes. Sabemos que na realidade nem todos os profissionais podem fazer escolhas e participar somente de projetos engajados, sobretudo se forem pessoas que historicamente têm menos acesso a vagas de emprego e sofrem preconceitos no mercado. Muitas vezes, compromisso social e representatividade estão somente na publicidade das empresas, não em suas práticas.
Um dos espaços de ação dos ativistas são as redes sociais, que se tornaram uma sociedade paralela: ambiente de interações e também de denúncias, conscientização, mobilização e expressão da opinião pública. Hashtags e compartilhamentos são intencionalmente utilizados a fim de atrair atenção para assuntos em pauta, e já não nos surpreende quando a imprensa cita que um tema está sendo muito comentado em redes sociais, o que amplifica o debate. A repercussão de fatos nas redes cria forte pressão popular, chegando a gerar consequências como posicionamento público de empresas, demissões, processos judiciais e revogação de projetos de lei.
Toda essa potência mobilizadora também traz aspectos negativos e desafios que não devem ser ignorados. Hoje se pondera, por exemplo, sobre os excessos da cultura do cancelamento, sobre o uso abusivo das redes como fator de risco para o adoecimento psíquico, sobre a manipulação de algoritmos por parte de empresas proprietárias de redes sociais para criar bolhas alienantes e vender mais anúncios e produtos. Outro aspecto grave são as fake news, cuja difusão é favorecida no ambiente on-line, onde todos podem produzir conteúdos, nem sempre com seriedade e conhecimento. Os efeitos sociais problemáticos e as armadilhas das redes demandam, sem dúvida, atenção e moderação. É importante nos conscientizarmos sobre a necessidade de checar dados, escolher fontes confiáveis, não alimentar polarização e ódio, filtrar nossa atenção dentro do volume de informações, reduzir o tempo de uso.
Ainda assim, o ambiente digital é um espaço importante que segue sendo demarcado por muitas pessoas com conteúdos de qualidade. Vozes de mídias independentes, grupos culturais e coletivos comunitários ganham maior alcance. São protagonistas contando suas próprias histórias: levam informação, tornam-se referências, abrem portas. Nas origens dos movimentos ativistas, por questões de segurança, toda a comunicação precisava ser no boca a boca. Hoje conquistamos a possibilidade de nos expressar por meio de canais oficiais de comunicação e documentar percursos. Os materiais de divulgação de cada iniciativa ativista costituem por si só um registro histórico relevante que, com o tempo, vai sendo inserido em mapeamentos, pesquisas acadêmicas, livros, auxiliando organizadores de novos projetos, semeando novas ações.
Os designers entram junto a esses agentes na produção de conteúdos horizontalizada. Utilizam seus conhecimentos técnicos para elaborar peças de comunicação eficazes, impactantes e que estimulem o compartilhamento. Imagens que falam mais que mil caracteres, inclusive, em diversos idiomas. Muitas peças criadas para campanhas de conscientização e protesto on-line ganharam também as ruas de cidades espalhadas pelo mundo, tornando-se cartazes de passeatas e projeções em muros. O designer da pequena cidade de interior viu sua arte em Londres ou na página de artistas internacionais. É o design criando símbolos que unificam movimentos e amplificam os questionamentos da população. O mundo é conectado e tem muitos gritos de revolta em comum.
Da mesma forma, pautas que questionam governos locais, mas nem sempre se tornam manchetes e protestos nas ruas, passam a ter mais visibilidade por meio de uma comunicação forte. Movimentos sociais comunitários e candidaturas políticas com pouca verba reverberam com apoios voluntários de comunicadores visuais. Pessoas engajadas de vários lugares participam compartilhando. Uma simples mensagem individual de conscientização ao ser publicada pode levar reflexões para além do círculo de relacionamentos inicial.
Quando pessoas se organizam coletivamente, assumem mais seu poder de influência e transformação. Cada uma com sua identidade, suas bandeiras, seu conhecimento, sua experiência – cidadãos de múltiplos perfis ocupando o espaço social que lhes pertence e onde por direito suas necessidades devem ser respeitadas. Um conhecido provérbio africano diz: “se quer ir longe, vá em grupo”. Eu acredito que essa conexão colaborativa nos torna de fato mais fortes, e você?
Revisão: Flavia Neves
Carla Piaggio é designer editorial na Carla Piaggio Design. Graduada pela Universidade do Estado da Bahia. Master em Produção Editorial pela Università di Verona, Itália. Coordenadora do coletivo de design negro PretADG, na ADG Brasil.