Carioca nascido e criado no Catete e na Lapa, Filipe Ret, de 37 anos, fenômeno do rap nacional, já ganhou diversos prêmios e faz shows Brasil afora. Cria da Batalha do Real e das Rodas de Rima das ruas do Rio de Janeiro, eventos que no início dos anos 2000 foram berços de muitos
rappers da cena atual, criou sua própria estrutura e invadiu o mercado da indústria fonográfica. Hoje tem quase 8 milhões de seguidores no Instagram, uma produtora própria, a Nadamal, e canta com os maiores artistas do país, como a sua recente gravação com a Anitta.

LUME foi recentemente o seu sexto álbum lançado, e quase todos eles foram certificados com discos de ouro, platina ou diamante. Realizando mais de 100 shows por ano, Ret tem cerca de 800 milhões de visualizações no seu canal do Youtube e no Spotify mais de 5 milhões de ouvintes mensais. É atualmente um dos artistas mais ouvidos no país, sua música 7Meiota, com os Mc’s Maneirinho e Cabelinho, tem quase 24 milhões de visualizações na plataforma.

Na entrevista à Ninja, ele fala sobre a importância de estudar os candidatos nestas eleições do próximo domingo e ouvir o próprio coração em relação às propostas apresentadas. Segundo ele, o egoísmo não deve prevalecer ao amor, apesar de ressaltar que essa opinião é de cidadão, mas enquanto  artista se posiciona como um anarquista. Fala também sobre a necessidade da legalização à maconha e a importância de estimular a juventude ao trabalho e uma vida digna a partir do seu próprio suor.

Há quase 10 anos fizemos uma entrevista (leia aqui), na qual você projetava algumas questões relacionadas ao mercado e à construção da sua produtora independente e marca. Você superou tudo o que pensava, quais as perspectivas agora?

Tudo só foi possível porque cresceu uma cena junto com o Ret. Sou o maior entusiasta desse game, vejo artistas surgindo como o MD Chefe, que passou no meu estúdio e uma semana depois estava nos palcos fazendo show. Vi nos stories e chorava de emoção vendo os moleques prosperando, a vitória deles é a minha vitória também. Só é possível hoje ter o Ret e a Nadamal, porque existem outras bancas, como a Mainstreet [Records], a Trinta [30PRAUM], toda uma cena com várias pessoas batalhando e dando a vida pelo mercado.

Você citou na época o Laboratório Fantasma, do Emicida, como exemplo. 

Já está consolidadão com os caras, Emicida, Rael, Rashid, Drik Barbosa, etc. Tem toda uma cena lutando e fazendo a coisa crescer, então essa perspectiva da correria em vários núcleos, cidades e estados diferentes fazendo a coisa acontecer é muito importante.

Essa questão do apadrinhamento com as novas contratações, quais as projeções?

A cena está ganhando hoje uma notoriedade maior, o rap que era um nicho já ganhou uma proporção de mainstream, inúmeros artistas de nicho do rap fazendo números maiores que sertanejo e pop, por exemplo. Isso mostra o quanto a nossa juventude, porque é um som dessa faixa etária, está atingindo o Brasil todo. Não só das grandes cidades, mas dos interiores também. O meu projeto pessoal nisso tudo faz parte de uma caminhada, naturalmente existe uma cultura no hip hop de selo, de banca, de crew, de ter a própria gang com os seus próprios artistas. Conforme você vai amadurecendo vai entendendo que faz parte mesmo da cultura de apadrinhar outros artistas, empurrar novos talentos e fazer o bagulho crescer como um todo.   

Flipe Ret. Foto: Cabs

 

Você se manifestou mais de uma vez nas redes sociais contra o Bolsonaro e a classe artística tem se posicionado em relação às eleições de domingo. Você tem um público bem considerável e jovem, qual recado tem para dar a ele?

O público tem que estudar, buscar se informar, entender quando cada candidato fala aonde ele atinge no seu coração: o seu egoísmo ou o seu lado povo? Atinge nenhum lado? Acho que o Bolsonaro atinge o lado egoísta do seu coração, e o Lula por seu lado atinge o lado povo do seu coração. O lado egoísta todo ser humano tem, mas o lado povo é a grande maioria. O Ciro quando fala, por outro lado, parece que só está falando nele. Fui Cirista na campanha passada, entendo que ele é inteligente e diferenciado, mas parece que ele é meio que contra todo mundo, não cria uma empatia. Então o recado é ver em que ponto do seu coração o candidato toca e como você se identifica com isso. 

São candidatos também que estão aí há muitas décadas, a gente precisa de renovação e sabemos que isso é difícil mesmo, mas o importante é estarmos estudando e lembrar que todos estamos sujeitos a contradições, erros e falhas. É preciso você ter o ideal do que você deseja para o futuro da sua sociedade, se você vê que é todos contra todos ou se pode haver uma forma mais coletiva e amorosa de conviver. Certas respostas que o Ciro dá, por exemplo, o Lula jamais daria porque me parece que ele transmite um amor maior mesmo. Você vota pela personalidade, por planos, que inclusive o do Ciro é interessante, estudado, bate muito até na questão do Lula ter o mesmo plano econômico. Ele tem lados corretos, mas a gente acaba votando num todo, numa representatividade mais ampla.

Houve uma mudança nessa transição geracional em curso dos perfis nos espaços tradicionais de poder, com a chegada de mais negros, mulheres, indígenas, lgbtqia+, etc.

A extrema direita ganhou uma força muito grande nos últimos anos, e acho que está para surgir uma esquerda também de fato que está crescendo na internet agora, e é muito interessante estudar os conflitos entre esses dois extremos: economicamente, a postura de cada lado, etc. Em muitas coisas a gente sabe que a vida é contraditória, toda guerra tem dois lados e você tem que escolher um lado. O liberalismo tem várias coisas incríveis, assim como o comunismo, parece que eu estou neutralizando mas eu gosto de conflitar as ideias e estar evoluindo. Acho que essa molecada nova, até professores que estão entrando na internet com ideias comunistas de fato, vão contribuir para abrir a cabeça das pessoas também. Uns vão achar que é utópico, outros marxista, mas o importante é querer melhorar e evoluir. Estamos num processo democrático, de informação, mas precisamos estar sempre melhorando a nossa análise de tudo.

O que você espera de um próximo governo?

O povão, a base da pirâmide, está motivada e acreditando que existe alguém por eles na presidência, eu acho isso importante e simbólico pra caralho! Prezo que o povo precise se sentir representado de fato, mas tem muita gente que se sente representado pelo Bolsonaro também. É importante que o governo tenha consciência social ampla, e como a economia move o mundo é importante também ter uma visão de ciência, tecnologia, crescimento e evolução. Isso talvez o Lula não seja o que eu busque, mas acho também que não tem candidato ideal: nós temos que ser os nossos candidatos ideais. Na prática acredito no voto útil enquanto cidadão, mas artisticamente eu sou um anarquista. 

Você andou criticando a mídia por conta de alguns sensacionalismos e o seu alcance é muito grande atualmente, qual a sua visão e relação com ela atualmente?

Hoje não precisamos mais da televisão, por exemplo, para chegar em alguns lugares. Apesar de nem todo mundo ter internet, acho que ela democratiza muito mais e por isso é importante que o próprio país desenvolva a sua tecnologia. As ferramentas democratizam, a música foi democratizada por causa da internet, o mercado mudou completamente. O youtube possibilita fazer vídeo, o dinheiro da música foi democratizado, porque antigamente só quem estava nas grandes gravadoras e shows fazia acontecer. Hoje não, esse dinheiro está descentralizado, o trap chegando nas favelas, os favelados vencendo no trap. Isso é significativo pra caralho! Todo mundo venceu na favela? Não, mas pessoas que representam aquilo estão se desenvolvendo, crescendo, sendo influentes, gerando dinheiro.

Você é um ícone para muitos jovens nas periferias, como você lida com isso?

A maior mensagem talvez seja o próprio trampo, a própria correria, a atitude de continuar no mercado. Apesar de a gente só postar as coisas boas, é muito trabalhoso. Tem muitos perrengues, mas a gente tem que mostrar as vitórias e incentivar. Apesar disso ter as suas contradições, acredito que o rap muda vidas. 

(*) A entrevista foi realizada antes do debate dos presidenciáveis do dia 28 de setembro.