A partir do projeto de lei do senador Randolfe Rodrigues, o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, foi elevado à condição de feriado nacional, previsto no calendário oficial do Estado Brasileiro. A lei foi aprovada pelo legislativo depois de severos ataques por parte de representantes da extrema direita e foi sancionada na quarta-feira, dia 21 de maio de 2024, pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. Mas qual a importância disso?

Não estamos falando apenas de um dia de folga no trabalho ou de uma data festiva, e sim de um projeto de nação. Reservar um espaço nas comemorações oficiais para relembrar eventos históricos ou manifestações culturais tem uma dimensão simbólica poderosa no imaginário de um povo. Observamos em diversos países ao redor do mundo como feriados nacionais são fundamentais para a construção da identidade coletiva e para a preservação da memória histórica.

Na esteira desse argumento, podemos observar na França, por exemplo, o Dia Nacional Francês, que celebra a Queda da Bastilha, não apenas recorda um evento crucial da Revolução Francesa, mas também reforça os valores republicanos e a luta pela liberdade e igualdade. Nos Estados Unidos, o Dia da Independência, em 4 de julho, é uma ocasião em que os americanos se unem para comemorar a independência do domínio colonial britânico e reafirmar seu compromisso com os ideais de liberdade e democracia liberal.

Da mesma forma, na Rússia, o Dia da Vitória, celebrado em 9 de maio, não apenas marca o fim da Segunda Guerra Mundial, mas também homenageia o sacrifício e a coragem do povo russo na luta contra o nazismo. Esses exemplos ilustram como feriados nacionais têm o poder de unir uma nação em torno de valores compartilhados e de fortalecer o sentimento de pertencimento nacional.

No caso brasileiro, temos feriados nacionais para valorizar a soberania do Estado, como a independência e a Proclamação da República; para dar visibilidade à importância do trabalho, representado no 1° de maio e no Dia do Servidor Público; e para celebrar a religiosidade cristã, tendo como maiores exemplos as comemorações de Natal e Corpus Christi.

Ao tornar o Dia da Consciência Negra um feriado nacional, o Brasil reconhece a relevância de honrar e manter viva a memória da luta contra a escravidão e o racismo, integrando-as à sua identidade nacional. Isso representa um avanço significativo em direção a uma sociedade mais inclusiva e equitativa, onde todas as vozes e experiências poderão ser reconhecidas e respeitadas.

É isso que vai acabar com a mácula do racismo no Brasil? Evidente que não. É um passo significativo que contribui no contexto da gigantesca batalha antirracista. Mesmo se considerarmos que grande parte da população não faça uma reflexão profunda sobre essa data, devemos perceber a relevância desse debate ser estabelecido em âmbito nacional.

Ainda que as pessoas não participem de atividades propostas no dia, como shows, eventos culturais ou educacionais, no mínimo saberão que não estão se dirigindo ao trabalho, para a escola ou qualquer atividade rotineira, pois, naquele dia Zumbi dos Palmares foi traído, capturado e assassinado por se rebelar contra a escravidão.

Vale lembrar que essa proposição sofreu profunda rejeição de parlamentares liberais e de seus correligionários, assumidamente da extrema direita. Imprescindível destacar aqui duas contestações que assinalam essa interseção. O deputado Cabo Gilberto Silva, do Partido Liberal, em seus discursos argumentou que é a luta antirracista que cria o racismo, estratégia muito utilizada para inviabilizar políticas públicas que atendessem as populações negras, a exemplo das discussões sobre a criação das cotas raciais.

Seguindo a lógica de apagamento da história preta, o deputado Gilson Marques, do Partido Novo, foi mais contundente, afirmando que a criação de outro feriado atrapalha a produtividade do sistema capitalista e, ao mesmo tempo, caso fosse considerado feriado, isso deveria ser regulamentado pelos municípios. Essa proposta é ainda mais perigosa que a anterior, isso porque Gilberto Silva repetia argumentos vazios, que à luz das pesquisas científicas, não encontraram qualquer amparo.

Contudo, a proposta de Gilson Marques advoga que a luta antirracista não deve ocupar espaço na construção de uma identidade nacional, para ele, o problema a ser enfrentado é a pobreza, que em sua suposição (evidentemente errônea) nada tem a ver com questões raciais. Ambos externalizam a asfixia que as elites têm promovido sobre a memória quilombola, retirando dela a condição de princípio formativo da civilização brasileira.

O discurso da democracia racial, frágil desde Gilberto Freyre, ainda encontra eco no parlamento e a resistência em nacionalizar o Dia da Consciência Negra é prova disso. Mesmo quando procura se camuflar, dando voltas em argumentos perniciosos, a direita trabalha incessantemente para promover o apagamento da história da resistência dos escravizados e escravizadas no Brasil, e a batalha para a rejeição dessa matéria no legislativo é prova disso.

A orientação do Partido Novo para que seus parlamentares votassem contrários ao projeto de lei, o uso de recursos regimentais para travar o debate e a articulação política para a derrubada da proposição foram caminhos escolhidos pela direita, para que a relevância das contribuições de Zumbi e do Quilombo de Palmares fossem reduzidas a discussões locais, com leis municipais discutidas por vereadores e assim não ganhassem a dimensão nacional, que acabaria por elevar a luta antirracista como propósito da nação brasileira.

Agora, derrotados, assistem impotentes enquanto o presidente Luís Inácio Lula da Silva sanciona uma lei que reforça a importância da história dos povos pretos como alicerce da nossa identidade. É triste, porém necessário, reconhecer que a construção da civilização brasileira ocorreu à custa do sangue, suor e vidas daqueles que foram sequestrados, torturados e assassinados. Esses povos têm cor, e negar isso é perpetuar a estrutura racista de nossas instituições.

A nacionalização do Dia da Consciência Negra representa um avanço crucial na luta contra o racismo estrutural no Brasil. Embora seja um marco significativo, é importante lembrar que este é apenas o começo de um longo caminho rumo à verdadeira igualdade e justiça racial. A resistência da extrema direita evidencia a necessidade contínua de combater o racismo em todas as suas formas. Zumbi e a luta dos povos negros não podem ser apagados da história, pois sua memória continua a inspirar e a fortalecer a luta antirracista. Que este feriado nacional seja um lembrete constante do nosso compromisso em construir uma sociedade mais inclusiva e justa para todas e todos os brasileiros.