Lula, governabilidade e as frescuras da política
Governar, para Lula, é ser pressionado a fazer o possível, quase sempre aquém do desejável. Mas o possível aquém do desejável é, naturalmente, um conceito em disputa. Quão aquém, afinal?
Depois que Lula disse que queria que o PSOL ganhasse alguma eleição pro executivo, que se o PSOL administrasse uma cidade como o Rio metade das suas “frescuras” iriam acabar, muitos militantes e simpatizantes do PSOL reagiram, chamando atenção para que o que Lula chamou de “frescura” seria justamente o ponto alto das pautas do partido, em especial coerência em não fazer alianças conservadoras.
De um lado, acho que Lula foi infeliz na afirmação dele. De outro, concordo com o artigo de Alexandre Varela, do PSOL, sobre esse pensamento do Lula acerca de governabilidade falar muito sobre a experiência do próprio Lula, uma experiência nada fácil.
Não é segredo para ninguém que Lula foi, durante todo o tempo do seu governo, pressionado pelos setores mais conservadores e corruptos, mas que têm assento no Congresso e que usam esse espaço para fins patrimonialistas (uso da coisa pública para fins particulares).
Governar, para Lula, é ser pressionado a fazer o possível, quase sempre aquém do desejável.
Mas o possível aquém do desejável é, naturalmente, um conceito em disputa. Quão aquém, afinal?
Na minha opinião, nos governos petistas muitas vezes o aquém foi muito abaixo do limite aceitável.
E no entanto o governo Lula fez o que nenhum outro governo fez na história desse país, muito além do que jamais tínhamos tido. Foram 36 milhões de brasileiros e brasileiras que saíram da miséria.
Por ser um conceito em disputa, uma oposição como a do PSOL é crucial. Ela força os limites para cima. Mas forçar os limites, para baixo e para cima, é em boa parte o resultado da composição de forças entre executivo e legislativo e entre todos os interesses que estão por trás deles. Quanto mais corrupto um congresso ou um governo, mais temos o estado agindo como longa manus do capital e menos espaço temos para pautas da classe trabalhadora ou ambientalistas, por exemplo.
O que Lula tem dito é exatamente isso: não se faz aliança com suplente. Quem tem maior poder de barganha é quem tem assento no Congresso. Ponto. Não existe mágica fora disso. Para termos potência para pautas progressistas, seja num governo do PT, do PSOL ou de qualquer legenda de esquerda, temos que criar as condições políticas de sustentação dessa agenda.
O único defeito das “frescuras” do PSOL foi elas não terem conseguido influenciar a agenda do governo petista com mais eficiência justamente nas pautas em que as militâncias petista e psolista convergem – afinal, a militância petista também fez oposição ao governo – e não terem conseguido fazer frente às bancadas reacionárias que muitas vezes sequestraram e ditaram a tal governabilidade.
Não tenho dúvidas de que Lula prefere ser pressionado por Jean Wyllys do que por Romero Jucá e Geddel Viera Lima. Alguém tem?
Se a frescura do PSOL foi manter a coerência com as pautas progressistas, eu espero que essa frescura se mantenha quando o partido vier a ocupar um executivo importante no país. Mas uma coisa é certa: sem base consistente no legislativo, ninguém administra nada.
Uma lição urgente que o eleitor brasileiro ainda não aprendeu e que a experiência do golpe pode vir a ensinar: o voto no executivo e o voto no legislativo devem ser casados, sob pena desse perigoso divórcio colocar o administrador na fogueira.
Lula pulou essa fogueira, mas a governabilidade – esse equilíbrio disputável entre desejável e possível – saiu chamuscada.
Claro que esse debate é necessariamente também um debate sobre regras eleitorais e mega campanhas. Basta olhar o perfil dos principais doadores de campanhas para sabermos antes mesmo das eleições ocorrerem que pautas como a ambientalista, de direito à cidade, de direito à moradia e do transporte público já foram barganhadas.
Para o bem e para o mal, a frase de Lula sintetiza uma experiência política não apenas dele, mas do Brasil. Não foi uma frase de exaspero ao PSOL. Ao contrário, acho que Lula expressou um carinho paternalista pelo PSOL, um traço bem típico dele, um líder carismático por natureza.
As perguntas que eu espero ver respondidas de modo positivo são:
Teremos, no contexto do pós-golpe, vencidas as eleições de 2018, condições de construirmos um governo mais fresco?
Teremos um congresso com ampla representatividade dos partidos e pautas do campo da esquerda, suficiente para reconstrução da democracia e retomada dos nossos direitos?
Me permito sonhar com isso.
Com essa frescura. E não apenas no campo do PSOL, mas especialmente no campo do PT de Lula.