Guilherme Boulos: Luciano Huck, candidato a Berlusconi brasileiro
Desesperada e sem alternativa política, a casa-grande apela ao velho travestido de novo, com a imagem de salvador da pátria.
Fernando Henrique Cardoso reconheceu o óbvio em entrevista recente: que a Lava Jato atingiu também os caciques tucanos. Como alternativa, disse que, embora ainda fosse cedo, talvez precisássemos do “novo”.
O “novo”, no conceito de FHC, seriam João Dória e Luciano Huck.
A operação Mãos Limpas na Itália tinha como mote a limpeza ética na política. Aniquilou grande parte das lideranças e partidos de então e abriu a avenida para Silvio Berlusconi, empresário bilionário do ramo televisivo e que não pertencia à política profissional durante a operação judicial. Um dos resultados da Mãos Limpas foram nove anos do devasso Berlusconi como primeiro-ministro da Itália.
O programa de TV italiano de maior sucesso na década de 80 chamava-se “Sonhos na gaveta”, um concurso patrocinado por empresas que dava a chance para um casal realizar o maior sonho de sua vida. Uma espécie de “Lar, doce lar”, quadro apresentado por Huck em seu programa de sábado, onde uma família pobre tem a oportunidade de uma drástica reforma na casa.
Também como o brasileiro, Berlusconi circulava entre celebridades, empresários e políticos. Huck foi visto com frequência ao lado de Eike Batista, Sérgio Cabral, Aécio Neves, Ronaldo Fenômeno, Neymar, entre outros. Tem um amplo microfone próprio: além de espaço fixo na televisão há mais de vinte anos, conta com 16 milhões de seguidores no Facebook e 12 milhões no Twitter.
Huck está no ramo do empreendedorismo social. Vem produzindo há décadas uma imagem que se pretende divertida, mas sensibilizada pela miséria e pela injustiça. Apresenta-se como o empreendedor criativo e de sucesso, que vê riqueza, mas também bem-estar como fonte de vida.
Reais ou não, numa sociedade do espetáculo como a nossa, imagens como a de Huck vendem bem.
É claro que a vontade de estar próximo aos humildes e no empreendedorismo sustentável não dura a semana inteira. Depois de “salvar a vida” de alguns pobres, reformar carros e casas e fazer projetos sociais, Huck quer ter o direito de curtir sua ilha particular em Angra dos Reis. Com a ajuda de um decreto de seu amigo Sérgio Cabral, que alterou a legislação da Área de Proteção Ambiental a que pertencia a Ilha de Palmeiras, cercou a ilha com boias e tornou-a literalmente sua. Após a contestação do decreto apelidado ironicamente de “Lei Luciano Huck” em uma ação pública de 2007, teve que paralisar as obras. Quem representava o apresentador no embate judicial era o escritório de Adriana Ancelmo Cabral, mulher do ex-governador.
Na mesma época dessa ação judicial, Huck teve um relógio Rolex roubado. Vociferou sua indignação e revolta. Disse que pagava impostos, que queria balas de caramelo depois do seu cafezinho, e não de chumbo na testa. O escritor Ferréz, do Capão Redondo, respondeu Huck com um artigo memorável na Folha de São Paulo: “A selva de pedra criou suas leis, vidro escuro pra não ver dentro do carro, cada qual com sua vida, cada qual com seus problemas, sem tempo pra sentimentalismo.”
FHC chamou Huck de “novo”. O próprio Huck disse que era hora da sua geração chegar ao poder. Na verdade, o que ele representa já está no poder há mais de 500 anos no Brasil. Nada tem de “novo”.
Desesperada e sem alternativa política, a casa-grande apela ao velho travestido de novo, com a imagem de salvador da pátria.
Estão à procura de um Berlusconi brasileiro.