Lei do Estágio: uma ferida aberta
A história do estágio acompanha o avanço educacional do país.
Por Luan Goulart para os Estudantes NINJA
A história do estágio acompanha o avanço educacional do país. Em 1942, o estágio foi definido como “período de trabalho, realizado por aluno, sob o controle da competente autoridade docente, em estabelecimento industrial”, estabelecido pelo artigo 47 da Lei Orgânica do Ensino Industrial (Decreto-lei 4.073/42). Neste caso, não havia regulamentação do estágio, haja vista a falta de prévia formalização entre empresa e instituição de ensino.
25 anos depois, através da Portaria n° 1002, de 29 de setembro de 1967, o Ministério do Trabalho disciplinou a categoria de estagiário, estabelecendo direitos e obrigações de estagiários e empresas, bem como a relação entre estes. Nesta portaria já ficou estabelecido que os estagiários seriam estudantes das faculdades e ensino médio (antigo colegial) e que no contrato haveria:
a) a duração e objeto da bolsa;
b) valor da bolsa oferecida pela empresa;
c) seguro de acidentes pessoais obrigatório, pago pela empresa;
d) horário de estágio e carga horária.
Em 1970, houve a criação do Projeto Integração, com a possibilidade de estágio em órgãos e entidades públicas e privadas, nas áreas consideradas prioritárias para o governo, como: engenharias, tecnologia, economia e administração.
Já em 1971, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação evidenciou que o estágio era necessário à complementação educacional dos estudantes (Lei n° 5.692/71).
Por meio do Decreto n° 75.778/75, há a regulamentação do estágio de estudantes do ensino superior e profissionalizante de segundo grau no Serviço Público Federal.
Finalmente, em 1977, foi promulgada uma lei federal que tratou especificamente do estágio (Lei n° 6.494/77, regulamentada pelo Decreto n° 87.497/82). Esta lei fala que o estágio deve propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem, acompanhados e avaliados. Outro ponto importante da lei é que o estágio pode assumir a forma de atividade de extensão.
No ano de 1994, a Lei n° 8.859/94 estende aos alunos de ensino especial o direito à participação em atividades de estágio.
Após mais de 30 anos de vigência, a Lei n° 6.494/77 foi revogada pela Lei n° 11.788/2008, estabelecendo que o estágio faz parte do projeto pedagógico do curso. Uma mudança significativa é que os profissionais liberais de ensino superior, a partir da lei, podem contratar estagiários.
Apesar de a lei não estabelecer um valor mínimo da bolsa a ser paga como forma de remuneração aos estagiários, está claro que essa situação não reflete a realidade atual do país. De acordo com o Censo do Ensino Superior, em 2008, no Brasil haviam 5,8 milhões de estudantes matriculados no ensino superior. Já no ensino básico, segundo o Censo Escolar da Educação Básica, haviam mais de 46 milhões de estudantes matriculados, sendo que, dentre eles, o número de estudantes que poderiam realizar estágios chegava a quase 12 milhões.
O ponto mais polêmico é realmente o não estabelecimento de valor da bolsa, fazendo com que estagiários recebam menos que o valor do salário-mínimo (há casos de estagiários matriculados nos cursos de Direito e Pedagogia recebendo bolsas de R$ 400,00, por exemplo), mesmo que muitos deles, especialmente bolsistas e cotistas matriculados no ensino superior, utilizem o valor da bolsa para sustento próprio e de suas famílias.
Na esteira do parágrafo anterior, temos ainda outro problema que decorre da falta de valor mínimo da bolsa-estágio: a diferenciação entre pessoas jurídicas de direito privado e público. Um exemplo é o valor pago a um estagiário no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), de R$ 600,00, com carga horária de 4h/dia (o que equivale a R$ 7,50/hora) e um estagiário num bom escritório de advocacia na cidade de São Paulo, de R$ 1.000,00, com carga horária de 6h/dia (o que equivale a R$ 8,33/hora). Sendo o pagamento de vale-alimentação ou vale-refeição e o plano de saúde facultativos, entendo que a obrigatoriedade de pagamento de tais benefícios, como formas de incentivos, pode aumentar a produtividade dos estagiários, sem abrir mão, é claro, do pagamento de vale-transporte e seguro de acidentes pessoais obrigatório.
Diante desses problemas, é necessária uma nova lei que estabeleça esses pontos e supra essas lacunas, não diferenciando os valores pagos por pessoas jurídicas de direito privado e público. Da mesma forma, uma nova lei pode estabelecer que, nos estágios obrigatórios e não obrigatórios, deve haver concessão de bolsa, na forma de remuneração, não sendo aceita outra forma de contraprestação, exceto na hipótese de estágio voluntário (que deve pagar ao estagiário, pelo menos, o vale-transporte). É urgente que os movimentos estudantis e organizações da sociedade civil, bem como as empresas de integração entre instituições de ensino e contratantes, articulem-se e apresentem ao Congresso Nacional um anteprojeto de atualização da Lei de Estágio.