Inclusão e legitimidade de atletas trans nos esportes
O número de atletas trans competindo no alto rendimento, e mesmo no amador, é muito pequeno em relação a atletas cisgêneros (cis). Mesmo assim alguns estados entraram com Projetos de Lei (PL) pra impedir que atletas trans possam competir com o gênero que se identificam.
Por Leonardo Morjan Britto Peçanha
O número de atletas trans competindo no alto rendimento, e mesmo no amador, é muito pequeno em relação a atletas cisgêneros (cis). Mesmo assim alguns estados entraram com Projetos de Lei (PL) pra impedir que atletas trans possam competir com o gênero que se identificam. Esse movimento ilustra bem o momento político delicado e de retrocessos que estamos vivendo no Brasil.
Importante perceber que quando se trata de corpo, existe uma pluralidade de possibilidades. O corpo das pessoas trans, é um corpo trans e não uma “cópia” do corpo cisgênero, esse entendimento é importante pra que possamos perceber a diferença de funcionamento biofisiológico do corpo trans.
As taxas hormonais de mulheres trans são equivalentes as de mulheres cisgêneras, em alguns casos chega a ser bem menor ou quase sem testosterona devido a reposição hormonal com bloqueadores de testosterona e estrogênio. Isso ilustra que elas não tem a tão esperada força que supõem, perdem devido ao uso de hormônios e bloqueadores. No caso de homens trans, o uso da testosterona é igualado aos níveis de um homem cisgênero, ou seja, ganha-se força, explosão etc.
Quando uma mulher trans é criticada em atuar na categoria feminina, além de ser transfobia, é misoginia. Existe um não entendimento, muitas vezes proposital, que deslegitima a mulher e a diversidade das diferentes possibilidades de ser mulher na sociedade. Leem uma mulher trans como homem, pois a marcação principal é a biológica, esquecendo que a biologia também é não binária e nem fixa. Não existem apenas cromossomos xx e xy. Essa transfobia toda, também é, uma tentativa de impedir pessoas trans de estarem em diversos espaços, impossibilitando de exercerem um trabalho. Ser atleta profissional é um trabalho e toda essa movimentação de exclusão é uma maneira de colocar a margem uma população que já sofre com vulnerabilidade social.
O atleta de boxe, americano e homem trans, Patricio Manuel, ganhou de um homem cis numa luta oficial ano passado. Para muitos isso seria algo impossível devido a condição biológica do homem trans. Sendo o homem cis o que produz testosterona natural em seu organismo e com todas as demarcações biofisiológicas mais conhecidas do corpo masculino cisgênero, mesmo assim, Patricio saiu vitorioso.
A vitória do Patricio nos mostra, que seu corpo passou por uma reconstrução e assume novas características corporais que estão agora ressignificadas. Pensar como sendo algo determinante a terapia de reposição hormonal, cirurgias e modificações corporais que pessoas trans fazem, para perceber que é uma mudança funcional e não apenas estética.
O Comitê Olímpico Internacional (COI) deu diretriz de inclusão de atletas trans nas competições oficiais de alto rendimento no final de 2015 antes das Olimpíadas Rio 2016 com uma série de exigências que mulheres trans devem cumprir. Final do mês de outubro de 2019, a Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) determinou, após uma reunião de consenso sobre estabelecimento de regras para atletas trans, que mulheres trans devem ter um limite fixo igual ou inferior a 5nmol / L de testosterona. O COI, havia dado a diretriz de 10nmol/L para mulheres trans e poucas restrições para homens trans, podendo eles competirem até no feminino, lendo o corpo transmasculino como um corpo de um mulher cis.
Sendo a reposição hormonal em pessoas trans funcional e não meramente estética, o acompanhamento endocrinológico faz este trabalho de manter nos níveis de homens e mulheres cisgêneros. Níveis muito acima ou abaixo, pode não ser saudável.
Levando em conta que cada esporte vai exigir valências físicas diferentes e movimentos diferentes, logo, cada corpo meio que vai se moldando devido a isso. Um atleta de boxe numa modalidade peso pesado não tem o mesmo corpo de um atleta de atletismo de corrida de longa distância, por exemplo. Impedir que pessoas trans atuem nos esportes é um posicionamento de exclusão e intolerância. Os corpos são todos diferentes entre si e irão ter vantagens em relação determinada características. Por isso, também, são separados por modalidades diferente um mesmo esporte.
Pesquisas devem ser feitas visando aperfeiçoar e entender essas diferentes manifestações das corporeidades trans, para que se fuja do debate do senso comum. Considerando que o corpo trans é um corpo biológico, assim como o corpo cis, porém precisa ser entendido com a legitimidade da corporeidade trans. Levar em conta que fatores biofisiológicos precisam estar interligados a fatores sociais, pois o corpo também é atravessado por determinantes sociais.
O esporte é uma ótima ferramenta para entendermos as diferentes manifestações corporais e que nem tudo se restringe ao binarismo de gênero. Estamos chegando numa nova era no esporte e precisamos encarar esse desafio sem preconceito, com ética e relevância científica e compromisso com a verdade.
Leonardo Peçanha é professor de Educação Física, especialista em Gênero e Sexualidade, mestre em Ciências da Atividade Física.