Histórias de diversidade e inclusão no mundo corporativo – parte 2
Confira segunda matéria da série: diversidade e Inclusão no mundo corporativo
Com dedos queimados no vapor do café e a alma fervendo, quero te convidar a embarcar numa jornada de certa forma saborosa, por um lugar familiar a muitos de nós: uma cafeteria. No entanto, essa cafeteria não é comum, é a vibrante, a desafiadora, a inescapável Cafeteria do Mercado de Trabalho, que apresento nessa segunda matéria da série: Diversidade e Inclusão no mundo corporativo.
Consegue sentir o aroma intenso e aveludado do café quentinho que acabou de ser passado? Algumas dessas cafeterias possuem estruturas minimalistas, há as mais modernas e tecnológicas, outras parecem criar uma atmosfera de tranquilidade e introspecção, e ainda existem as extrovertidas, que projetam cores e texturas diferentes nas paredes.
Mas em todas elas há baristas dançando freneticamente em volta das máquinas de café, com expressões tensas, com as mãos calejadas e impregnadas com a fragrância dos grãos de café, agarrando-se às xícaras e bules como se fossem boias de salvação num oceano tempestuoso.
Então, para entendermos melhor essa Cafeteria do Mercado de Trabalho, precisamos voltar às origens de seu estabelecimento. No Brasil, esse mercado começou a se formar durante o período colonial, sob o sistema de trabalho baseado em mão de obra de pessoas escravizadas.
Especificamente, o grão amargo da escravidão que perpetuou a desigualdade, ainda deixa um resíduo persistente em nosso café. A abolição da escravatura em 1888, embora um marco importante, não resultou imediatamente numa xícara de café bem servida para todos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), profissionais brancos recebem, em média, uma renda 75,7% superior a de uma pessoa autodeclarada preta, e 70,8% maior que a de uma pessoa autodeclarada parda.
A introdução das leis trabalhistas no século XX foi um grande passo para a melhoria do mercado de trabalho. Em nossa metáfora, isso pode ser visto como o aparecimento de uma nova máquina de café, capaz de preparar um café mais equitativo. No entanto, ainda há lacunas significativas.
Grupos minoritários, representados aqui por xícaras de café meio vazias à margem, ainda são sub-representados e mal remunerados. Segundo dados do IBGE, as mulheres ganham em média 77,7% do que os homens ganham, e a população LGBTQIAP+ é frequentemente excluída do mercado de trabalho formal.
Portanto, o que essa Cafeteria do Mercado de Trabalho precisa agora é de uma nova receita para o café. Uma que valorize todos os grãos, em toda sua pluralidade independentemente de forma ou tamanho. Uma que reconheça a necessidade de uma mistura equilibrada para obter o melhor sabor do café. A diversidade e inclusão é essa nova receita.
A inclusão, representada por habilidosos e habilidosas baristas que transformam uma mistura diversificada de grãos em uma bebida maravilhosamente harmoniosa, é a chave para transformar o Mercado de Trabalho. As empresas que abraçam a diversidade tendem a ter melhor desempenho e a serem mais inovadoras, de acordo com um artigo da empresa Blend Edu, acessível por meio deste link.
Portanto, a solução para nossa Cafeteria do Mercado de Trabalho pode estar no valor da diversidade e da inclusão. Somente através da valorização de todos os grãos de café – todas as pessoas – poderemos transformar essa cafeteria num local onde cada xícara seja servida cheia e cada cliente seja valorizado. E é disso que eu gostaria de falar hoje. Porque todos nós merecemos uma xícara de café cheia, quente e saborosa.
A Face Oculta: Diversidade Entre Inovação e Barreiras
A Cafeteria do Mercado de Trabalho é como um bule de café sob pressão, abarrotado de grãos cada um ostentando uma história, uma composição e um sabor próprio. No entanto, apesar da coexistência no mesmo bule, nem todos são devidamente apreciados, refletindo o enigma do nosso atual mercado de trabalho.
O “teto de vidro”, uma barreira transparente, porém intransponível, torna-se uma metáfora para a resistência sistêmica e estrutural que impede a ascensão de talentos diversos na nossa sociedade. Embora as empresas possam se apresentar como inclusivas e diversas em sua imagem externa, o que ocorre internamente, muitas vezes, é uma história diferente. As estruturas de poder corporativo e a falta de oportunidades iguais de crescimento impedem que muitos profissionais talentosos atinjam seu potencial completo, criando um teto invisível que limita suas carreiras.
Tamara Braga: A Barista que quebra o Teto de Vidro
No centro deste cenário, surge Tamara Braga, uma mulher negra, bissexual e neurodivergente, nascida em uma comunidade periférica do Rio de Janeiro. Tamara é uma voz autêntica que desafia essas estruturas de poder para redefinir as regras do jogo no Mercado de Trabalho.
Com mais de oito anos de experiência em Gestão de Talentos, Diversidade e Inclusão, Tamara entende o valor de cada grão na Cafeteria do Mercado de Trabalho. Seus diplomas em Engenharia Química, Sustentabilidade e Liderança Inclusiva e Acessibilidade Digital, conquistados através do sistema de cotas, são testemunho de sua resiliência e determinação.
Na busca por um mercado de trabalho mais justo, ela canalizou sua experiência e conhecimento em diversas iniciativas e organizações, liderando projetos de acessibilidade na Whirlpool, na área de Inclusão e Diversidade na Heineken, e também teve a oportunidade de gerenciar iniciativas de D&I e saúde mental na Gupy.
Agora, como uma das fundadoras da DiverCidade, Tamara tem a missão de romper de vez barreiras com uma abordagem proativa, estratégica e inovadora que está ajudando a redefinir as regras do jogo corporativo. Ao trabalhar com empresas para promover políticas de contratação mais inclusivas, ela tem a oportunidade de desafiar as práticas estabelecidas e abrir novos caminhos para a diversidade e inclusão no ambiente de trabalho.
Desafiando o Status Quo
Em seu papel como consultora de D&I (Diversidade e Inclusão) para a Vetor Brasil e Gerando Falcões, Tamara busca revelar a verdadeira face das organizações, trabalhando para desmontar as barreiras invisíveis que impedem a verdadeira inclusão.
Tamara Braga está desafiando os limites deste teto de vidro, peça por peça, garantindo que cada grão, cada indivíduo, seja valorizado e tenha a oportunidade de contribuir para o aroma delicioso do café que é o nosso mercado de trabalho. E no final, é essa habilidade de harmonizar a diversidade que transforma a cafeteria em um palco de oportunidades.
Inovação Tecnológica na Inclusão: A Jornada de Hótt da Nohs Somos
E vamos seguir para a próxima cafeteria, só que com uma pegada mais tecnológica no mercado de trabalho, aqui encontramos com Hóttmar Loch, o visionário CEO e ativista da inovadora startup de impacto social, Nohs Somos. Com uma rica experiência de oito anos no setor, Hótt também é como um mestre dos baristas, mas a sua expertise faz com que utilize a tecnologia para extrair o melhor dos grãos de café – neste caso, identificando e transformando padrões de discriminação e preconceito em diferentes pontos da cidade, através de ferramentas como a inteligência artificial e aprendizado de máquina.
Ferramentas de Transformação
O Mapa LGBTQIA+ uma ferramenta digital inovadora desenvolvida pela equipe da Nohs Somos, funciona como um moinho, ajudando a identificar os grãos que precisam de mais torrefação, ou seja, as áreas, locais e bairros que requerem mais atenção e esforço na inclusão e diversidade. Ao coletar uma variedade de dados, essa ferramenta ajuda a identificar oportunidades de melhoria e acompanhar o progresso de estabelecimentos em direção aos objetivos de inclusão. Além disso, há toda uma consultoria por trás com uma estratégia multifacetada, que inclui treinamentos para superar preconceitos e defesa de práticas inclusivas, transformando desafios em oportunidades de crescimento e mudança.
A Jornada do Líder
Equilibrando os Papéis de Barista e Gerente, Hótt também tem que liderar a cafeteria, equilibrando suas responsabilidades de CEO e ativista, e ao longo do tempo, entender como estabelecer rotinas eficientes, como montar uma equipe forte e principalmente como se adaptar às diversas realidades e contextos.
A Harmonia Entre Diversidade e Inovação Tecnológica
A história de Nohs Somos é um testemunho poderoso de como a diversidade e a inovação tecnológica, quando bem integradas, podem criar um ambiente de trabalho inclusivo e produtivo, onde todos possam se sentir bem-vindos e valorizados, tal qual uma xícara de café com a mais perfeita temperatura.
A visão da deficiência desde as antigas civilizações e a introdução à Cafeteria do Mercado de Trabalho no Brasil
A história da deficiência na sociedade humana é uma saga repleta de mitos, estigmas e luta incessante por dignidade e igualdade. Desde a visão de Hefesto, o deus coxo da metalurgia na Grécia Antiga, até a dura realidade da Roma Antiga onde o infanticídio era comum para aqueles nascidos com deficiências. A Idade Média não foi diferente, rotulando pessoas com deficiência como entidades demoníacas que precisavam de purificação.
Essa longa noite de ignorância começou a se iluminar com a Segunda Guerra Mundial. O conflito deixou um rastro de destruição e um grande número de veteranos com diferentes tipos de deficiência, especialmente deficiência física. Isso potencializou um movimento global pelos direitos das pessoas com deficiência que continuou ganhando força durante as décadas de 1960 e 1970.
Mas se entrarmos na “cafeteria corporativa” brasileira , para vislumbrar mesmo que um pedacinho da luta de uma nação que combateu uma série de batalhas para garantir os direitos trabalhistas e começou a ter algumas pequenas e significativas vitórias somente na década de 1980, a inclusão ainda não é uma realidade em muitos ambientes de trabalho.
Aqui, se os grãos de café simbolizam talentos e habilidades, a máquina de café representa o intrincado sistema de recrutamento e seleção, e a bebida final é o indicativo do sucesso ou fracasso na carreira, então a história do direito das pessoas com deficiência poderá ser ilustrada por xícaras de café duras e resistentes.
Marcos Lima e a luta contra os estereótipos
Dentro dessa cafeteria, pessoas com deficiência esperam pacientemente em uma longa fila para serem atendidas. Elas estão aguardando sua chance de provar um café digno – uma representação simbólica de oportunidades de trabalho iguais.
Marcos Lima é um desses clientes pacientes. Cego desde os seis anos devido ao glaucoma congênito, ele se recusa a ser definido por sua deficiência. Jornalista, palestrante e youtuber, Marcos redefiniu as possibilidades e traçou rumos para ser o protagonista da sua própria carreira.
Apesar das leis trabalhistas promulgadas a partir da década de 1980, e especificamente a Lei de Cotas, que exige que empresas com mais de 100 funcionários preencham de 2% a 5% de seus cargos com pessoas com deficiência, a inclusão ainda é uma realidade muito distante. Essas pessoas ainda enfrentam barreiras físicas, atitudinais, tecnológicas e institucionais. A negligência em relação a estas questões essenciais se assemelha à indiferença demonstrada por um barista que não acomoda esses tipos de clientes, mesmo que, da fila de espera, eles consigam visualizar as mesas vazias.
No entanto, a história de Marcos nos oferece um vislumbre de esperança. Através do uso de tecnologia assistiva, ele transcendeu as barreiras de acessibilidade e preconceito. Com mais de 312 mil inscritos de seguidores em seu canal no YouTube chamado “Histórias de Cego”, ele já ultrapassa 13,2 mil visualizações inspirando, surpreendendo e ensinando através das suas experiências e luta contra os estereótipos, expandindo seus conhecimentos através de livros, projetos, palestras dentre outras formas, que o preconceito está apenas “nos olhos de quem vê”.
Inclusive já quero adiantar que além de um comunicador exemplar, ele também é um esportista apaixonado (com medalhas conquistadas!) e tenho certeza que quando for assistir seus vídeos irá aprender, tanto quanto eu, a desafiar conceitos preestabelecidos e a reformular sua maneira de pensar sobre a palavra ‘deficiência’.
Mas voltando para nossa “cafeteria da indiferença”, a urgência da mudança é evidente. As empresas precisam fazer muito mais do que esse “café ralo”, para garantir a acessibilidade, a inclusão e o respeito à diversidade. Softwares e produtos precisam ser desenvolvidos com acessibilidade em mente, garantindo que não excluam pessoas com deficiência, seja ela qual for.
Para cada Marcos Lima, há milhares de outros talentos aguardando oportunidades inclusivas e pautadas no princípio de equidade para mostrar seu potencial. Infelizmente, o sistema atual muitas, e na maioria das vezes, os priva dessa oportunidade.
Hoje, pessoas com deficiência candidatas a uma vaga podem ter dificuldade em passar por processos seletivos tradicionais, que não levam em consideração suas habilidades únicas. Da mesma forma, uma pessoa colaboradora, por exemplo, com deficiência auditiva e que já esteja empregada, pode lutar para prosperar em um ambiente de trabalho que não fornece closed caption (legenda ou estenotipia) ou intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais) em reuniões importantes.
Muitos ainda não perceberam que inclusão e diversidade não são apenas palavras da moda corporativas, mas fundamentos essenciais para a inovação. Diferentes perspectivas trazem novas ideias e soluções para problemas antigos. Portanto, as empresas que se esforçam para serem inclusivas não estão apenas fazendo a coisa certa, mas também estão investindo em seu próprio sucesso.
A cafeteria da indiferença ainda serve o amargor da exclusão, mas eu acho que a mudança está no ar. Através de tecnologias assistivas, debates mais quentes e leis mais fortes, as barreiras estão lentamente sendo derrubadas.
O dia em que cada pessoa com deficiência poderá provar um café delicioso e igualitário na cafeteria do mercado de trabalho já pode ser contemplado no horizonte.
Enquanto esse dia não chega, todos nós devemos fazer nossa parte para acelerar essa mudança. Assim como Marcos, te convido a questionar e desafiar as normas existentes, continuar trabalhando, lutando, falando, criando projetos, dando voz e levantando as pautas necessárias para a criação de um ambiente de trabalho verdadeiramente inclusivo, diverso, justo e acolhedor.
Afinal, todos merecem a chance de mostrar sua contribuição para a sociedade.
E eu sei que podemos substituir o amargor da indiferença pelo doce sabor da inclusão.
E ei, você… antes que feche esse artigo e siga sua vida, poderia me falar qual é o gosto do seu café?
Essa matéria teve apoio da empresa Blend Edu na pesquisa de dados e informações.