Guia Alimentar: a teoria e a prática
Artigo de opinião de José Carlos, o NutriFavelado, para o especial ‘Alimentação de qualidade é um direito de todos!'”
Por José Carlos – O NutriFavelado
O Guia Alimentar para a População Brasileira é algo que pensa a alimentação de maneira simples e cultural, é um documento valioso, criado para ser uma ferramenta acessível e inclusiva.
Mas o que deveria ser um manual prático para todos ainda se mantém distante da vida de grande parte da população.
UM ABISMO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA
A proposta do Guia é clara: incentivar escolhas alimentares mais naturais e nutritivas, reduzindo o consumo de industrializados e evitando ultraprocessados. No entanto, sua implementação esbarra em uma dura realidade: não há condições para a população seguir suas recomendações. Então como implementar essas ideias na realidade da população?
Em um país onde a educação alimentar e nutricional básica é escassa, o acesso a informações confiáveis e acessíveis sobre alimentação é difícil. Muitos brasileiros encontram dificuldade em interpretar rótulos de alimentos ou em distinguir o que é realmente saudável em meio ao marketing envolvido que exalta proteínas, fibras e vitaminas em produtos ultraprocessados. Essa confusão não é casual, é algo sistêmico, onde a educação e o acesso são barreiras estruturais.
A falta de informação de qualidade é agravada pela dificuldade de acesso ao alimento saudável e ao atendimento nutricional na rede pública de saúde. Para muitos, consultar um nutricionista é algo distante. Essa lacuna deixa grande parte da população à mercê de informações superficiais ou equivocadas, muitas vezes encontradas nas redes sociais, onde a qualidade e a credibilidade são variáveis.
Seja por acesso ou renda, frutas, legumes e verduras não estão presentes de maneira adequada para uma boa parcela da população brasileira. A sensação é que a alimentação saudável é algo distante, algo fora do orçamento familiar.
Com o tempo, a percepção comum de uma alimentação saudável foi sendo distorcida, moldada. Distante das recomendações do guia, produtos ultraprocessados dominam as prateleiras e as mesas, especialmente nas periferias.
Se tornam protagonistas, alteram paladares e substituem hábitos tradicionais. Crianças são expostas precocemente a sabores artificiais, projetados para estimular e fidelizar o consumo. Paladares acostumados ao sabor artificial, uma relação cada vez mais distante com alimentos frescos e o aumento de problemas de saúde relacionados à piora da qualidade da alimentação, isso não apenas modifica sua relação com a comida, mas também compromete o prazer de consumir alimentos naturais como verduras e legumes.
VOCÊ JÁ PEGOU O GUIA NA MÃO?
O guia busca contrapor a influência dos ultraprocessados. Mas como incentivar o preparo de refeições caseiras em meio à sobrecarga de trabalho e a precariedade do transporte público? Como oferecer educação alimentar e nutricional em larga escala?
O guia não está presente para a população que mais precisa de suas orientações. Isso reforça desigualdades no acesso a informações que poderiam transformar a relação das pessoas com a comida. Celebrar os 10 anos do Guia é também reconhecer que ainda há um longo caminho a percorrer.
Políticas públicas precisam tornar alimentos frescos mais acessíveis e promover iniciativas que democratizam o acesso à educação alimentar. Isso inclui desde subsídios para a produção e distribuição de alimentos saudáveis, até programas de conscientização que aproximem a população do Guia Alimentar.
É necessário mais do que um documento bem-intencionado, precisamos de políticas públicas eficazes que garantam acesso a alimentos de qualidade, educação alimentar em todos os níveis e a presença do Guia Alimentar onde ele pode gerar impacto real, um instrumento vivo e acessível!
A mensagem é clara: comer bem não pode ser um privilégio. É um direito que devemos garantir para todos.