‘Eu sei o que vocês fizeram na eleição passada’ Amaro lança clipe inspirado em Guernica de Picasso
Batemos um papo com Amaro sobre seu novo trabalho inspirado na obra ‘Guernica’, de Picasso. Ele é é rapper, compositor, artista visual e ativista, e trouxe para o seu novo clipe a identidade visual dessa pintura icônica como crítica e plano de fundo à crise generalizada do país provocada pela pandemia. Com produção musical de Leandro […]
Batemos um papo com Amaro sobre seu novo trabalho inspirado na obra ‘Guernica’, de Picasso. Ele é é rapper, compositor, artista visual e ativista, e trouxe para o seu novo clipe a identidade visual dessa pintura icônica como crítica e plano de fundo à crise generalizada do país provocada pela pandemia. Com produção musical de Leandro Solano LP e direção do clipe Fabricio Carvalho.
A expressão artística de Amaro está profundamente ligada a uma narrativa realista e visceral. Seu novo single é um grito de protesto e expõe como arte as feridas provocadas pela “nova política” de Bolsonaro.
S.O.M Guernica é uma obra com um significado político profundo, e traz uma crítica à devastação causada pela guerra e forças ditatoriais da época em que foi produzida. Coincidentemente – ou não – vivemos um período tão grave quanto. Como foi o seu processo criativo para trazer essa obra pra dentro da sua composição estética e musical em ‘Eu Sei o Que Vocês Fizeram Nas Eleições Passadas’?
AMARO As linguagens de arte parecem ser uma área de conhecimento tão elitista que sempre vejo na figura do opressor a ideia de que nós, pessoas periféricas, somos incapazes de fazer uma leitura e análise de uma obra de arte. Reler uma obra de tanta magnitude, como é o caso de Guernica, parece ser mais impossível ainda. Eu tenho formação em artes visuais, sempre estudei em escolas públicas e essa invisibilidade social me conectou desde sempre com as artes visuais. Uma criança pobre, vítima do bullying constante por ser afeminado, automaticamente se isolava do convívio social e parecia que só a capacidade de criar e produzir arte me reconectava com o mundo. Hoje eu desenvolvo a minha produção mesclando música e artes visuais. Gosto de pensar o rap, uma manifestação cultural periférica se apropriando da arte elitizada, da arte que não podemos tocar e muitas vezes não podemos nem ter acesso! Andy Warhol colocava uma lata de sopa dentro de uma galeria, eu quero trazer a galeria para a periferia! Eu particularmente não tive a oportunidade de ver o Guernica além das imagens dos livros, mas quantas pessoas tiveram essa oportunidade e não desenvolveram a capacidade de ler cada elemento ali presente? Guernica é uma obra que analisa seu próprio tempo, Eu sei o Que Vocês Fizeram Nas Eleições passadas também e foi através dessa leitura das duas obras que eu pude revisitar Picasso e fazer essa releitura contemporânea.
S.O.M Em tempos de pandemia, como você, enquanto artista, observa a necessidade e o poder da cultura como um artifício de sobrevivência à crise?
AMARO Dentro das minhas bolhas eu consigo analisar que as pessoas estão começando a ter consciência da importância da arte em nossas vidas. Isso é bom? É maravilhoso! Mas por outro lado eu vejo que ainda é difícil para as pessoas consumirem artistas que não fazem parte desse meio mainstream. As pessoas precisam enxergar nesse momento que existem artistas sem recursos, sem grandes patrocinadores por trás de suas lives e com nenhum retorno financeiro. A internet pode parecer maravilhosa nesse momento, mas para os artistas da quebrada, para arte que vive em um semáforo de trânsito, uma estação de metrô ou num corredor de ônibus as coisas têm sido extremamente impossíveis. Infelizmente passamos por um momento difícil com a pandemia, começando pela saúde, passando por um governo negacionista até cair em várias outras áreas como a da cultura. Eu preciso resistir, por artistas que são como eu sou, resistir em tempos em que o próprio presidente e sua política não acredita na nossa cultura, prova disso é que até o ministério da cultura foi exterminado. Nesse período de isolamento social eu repensei muito sobre as possibilidades de fazer arte, eu tinha uma música, uma ideia, pedaços de papelão, fitas e tintas. O Vittor Sinistra, um estilista da minha quebrada, me ofereceu figurinos do seu acervo, o Fabrício Carvalho que é videomaker acreditou na proposta e na produção contei com a ajuda do meu namorado, Eric Lamounier. O opressor precisa entender que quanto mais se tenta tirar das mãos de um artista, o exercício da criatividade se torna material bélico e a luta por manter viva a nossa cultura contin
S.O.M. Sua voz é poderosa e sua imagem quebra estereótipos. O que o seu estilo transgressor no hip hop significa pra você?
AMARO Eu sempre me vejo em um lugar de questionamentos. O que é arte? O Que é ser artista? O que faço com a minha arte? Por mais voltas que dou, sempre chego no ponto de partida: a arte é quem escreve nossa história. É uma metamorfose ambulante! É política! As obras mais icônicas foram transgressoras em seus tempos. Nina Simone falava que dever do artista é refletir seu tempo! Como artista eu preciso refletir meu tempo e se escrevo nossa história qual versão dela tenho a obrigação de contar? Vivemos um período de Ascenção do fascismo, de um governo que faz piadas sobre as dores da humanidade. Se existe a possibilidade de deixar um registro a partir dessa voz, não posso ficar em silêncio! Eu sou apaixonado por artistas transgressores, Cildo Meireles, Hélio Oiticica, Mv Bill e vários outres artistas nacionais me fascinam e me inspiram. Talvez seja por influência deles que minha arte seja assim!
S.O.M Quais foram os seus maiores desafios quando se viu como rapper em um meio heteronormativo e marcado pela masculinidade tóxica?
AMARO Eu comecei a cantar rap aos 15 anos de idade, parei aos 19 para estudar arte e por acreditar que aquele era um lugar a qual eu jamais pertenceria. Por todo machismo, homofobia e heteronormatividade. Mas como dizia Sabotage: o rap é compromisso! O rap sempre foi compromisso com a favela, com a verdade, com a narrativa de vivências marginalizadas. Em 2016 eu fui espancado por 4 homens em um ataque homofóbico e pensei que aquele rap tão comprometido com essas verdades não poderia excluir a comunidade LGBTQIA+ de periferia. Nós sempre existimos e não podemos mais nos silenciar. A gente cresce aprendendo quais são os lugares que nos pertencem e a verdade é que pertencemos aos lugares que queremos pertencer! Alguns, na verdade, eu nem quero pertencer, mas quero passar por eles e deixar através da arte, um registro histórico da nossa existência e resistência.