Étudier est impérieux: estudantes e pesquisadores brasileiros podem perder suas bolsas na França
Na última coluna abordamos a questão dos estudantes que temem perder suas bolsas de estudo na Espanha por questões diplomáticas, políticas e, também, sanitárias. Esse problema se estende não apenas a Espanha, mas a outros países que possuem as mesmas questões com o Brasil.
Por Isabella Queiroz com participação de Vanessa Alvarez
Na última coluna abordamos a questão dos estudantes que temem perder suas bolsas de estudo na Espanha por questões diplomáticas, políticas e, também, sanitárias. Esse problema se estende não apenas a Espanha, mas a outros países que possuem as mesmas questões com o Brasil.
A negligência com a pandemia dentro do território brasileiro se estende aos demais países e influencia diretamente na vida de estudantes que mesmo já vacinados estão sendo impedidos de viajar para outros países a favor da educação.
Devido à pandemia Covid-19, em junho de 2021, a França suspendeu a emissão de vistos e proibiu a entrada de viajantes de 16 países, exceto por razões imperiosas. Depois de 26 de abril, e apenas para esses 16 países, incluindo o Brasil, estudar não é mais um motivo imperioso para entrar no país. Agora, muitos alunos e pesquisadores não conseguem iniciar os estudos e perdem a bolsa.
Em meados de abril os voos do Brasil à França foram suspensos, o que foi retomado em 26/4. Posteriormente, na primeira semana de junho foi publicada a estratégia de reabertura das fronteiras que classificou o Brasil como um país na denominada « zona vermelha », restringindo a entrada de brasileiros em território francês, salvo motivo imperioso. Neste momento percebemos a gravidade da situação e começamos a realizar reuniões e pensar nas medidas que seriam adotadas.
Após o registro do posicionamento do governo francês, foi criado o Coletivo “Étudier est impérieux”, um grupo de cerca de 850 estudantes e pesquisadores se mobilizam para pedir que essa categoria seja novamente considerada como um motivo imperioso para entrar na França, por meio da hashtag # ÉtudierEstImperieux.
Por volta do dia 12 de junho de 2021 foram criadas as redes sociais e recebido o apoio oficial da senadora francesa Joëlle Garriud e posteriormente, do ex-ministro da educação, Aloizio Mercadante (ele não entrou em contato com o movimento, mas realizou uma publicação apoiando o movimento na Folha de São Paulo). Ainda, nesta semana o ex-ministro da relações exteriores, Celso Amorim, encaminhou um vídeo manifestando apoio, o que foi publicado no instagram do Coletivo.
O movimento já conta com apoio da senadora francesa “Joëlle Garriaud-Maylam” e de Eduardo Rihan Cypel, membro do Conselho Nacional do partido Socialista na França e ex-parlamentar, já foi repassado pela mídia francesa (RFI e Libération), a campanha no Instagram tem mais de 100.000 visualizações e, ainda, recebeu o apoio de Aloizio Mercadante, ex-ministro da educação, do ex-ministro das relações exteriores, Celso Amorim e do jurista português Carlos Blanco de Morais.
Inclusive, o coletivo já encaminhou carta ao Itamaraty, à Embaixada do Brasil na França e da França no Brasil, além de cartas aos ministérios franceses de relações exteriores e também às Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara e do Senado com fundamento no artigo 50 da Constituição Federal e na Lei de Acesso à Informação, lei federal 12.527/2011.
Em 25 de junho, o presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, deputado federal Aécio Neves, expediu ofício ao Itamaraty solicitando informações concretas a respeito das medidas que estão sendo adotadas nas tratativas diplomáticas e no diálogo franco-brasileiro.
Já no dia 29 de junho, após o encaminhamento de mais de 320 e-mails pelo coletivo aos senadores franceses, o vice-presidente do Senado, Pierre Laurent, que também é vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e membro do Partido Comunista Republicano francês expediu ofício ao Ministro das Relações exteriores francês solicitando a inclusão dos estudantes e pesquisadores na lista de motivos imperiosos.
No mesmo dia, os integrantes Vanessa Alvarez, Flávia Barros, Luan Dias, Taísa Marques e Tiago Hindi se reuniram com os advogados especialistas em Direito Internacional, Cristiano Zanin e Valeska Martins visando analisar os próximos passos do Movimento.
Dos mais de 900 estudantes e pesquisadores, alguns já deveriam estar lá e outros precisam chegar ao país em agosto deste ano. Com a restrição de voos, consequentemente se deu uma suspensão de emissão de vistos em solo brasileiro e os estudantes têm ficado à mercê da situação.
Dadas as circunstâncias do caso, foi criada uma comissão para impulsionar um movimento, o Étudier est impérieux, que está presente em todas as redes sociais. O movimento representa os estudantes nessa situação e solicita que seja retomado o agendamento de vistos perante os Consulados.
“Meu nome é Vanessa Alvarez, sou Professora de Direito Constitucional e mestranda em Direito Político e Econômico, especialista em direitos humanos e direito constitucional, minha pesquisa no Brasil e na França visa analisar o direito de resistência política e a participação popular mediante um estudo franco-brasileiro da democracia em 2021, principalmente, sobre o efeito da pandemia nas manifestações populares. Iniciei a minha candidatura via Campus France em setembro do ano passado, 2020. Contudo, para a candidatura ao master é necessário demonstrar uma proficiência mais elevada, de forma que a preparação para a proficiência se iniciou por volta da 2017. Os testes de proficiência chegam a custar quase R$ 2.000,00, além da inscrição e dos documentos com tradução juramentada que chegam a R$ 3.000,00. Em abril recebi a reposta de que fui admitida para cursar o 2˚ ano do Mestrado em Direito Internacional (percurso Direito Comparado) na Paris 1 – Panthéon Sorbonne com exoneração parcial das taxas universitárias (mesmo valor concernente aos estudantes europeus, 243 euros), cujas aulas se iniciam em 13/9/2021. Inclusive, minha passagem já foi comprada para o dia 31/8/2021, computando o período de 10 dias de isolamento, necessário na chegada ao território francês, mas não há previsão da retomada do agendamento dos vistos e estamos extremamente preocupados, pois o processo seletivo foi extremamente complexo e nossas vagas não podem ser transferidas para 2022. Gostaria de ressaltar o trabalho extremamente sério realizado pelo Campus France, agência oficial, com os candidatos e respeitamos em absoluto a decisão soberana do Governo Francês. É questão notória e imperativa que o bloqueio de brasileiros ao território francês está além da questão sanitária e diplomática, se trata uma reverberação da política negacionista adotada pelo atual Governo Federal em todos os setores, notadamente, na saúde, na educação e na violação aos direitos fundamentais mais básicos de todos os brasileiros. Por essa razão, encaminhamos um requerimento de informações, via Comissões da Câmara dos Deputados e do Senado, solicitando a descrição das medidas efetivamente adotadas no caso concreto no diálogo diplomático franco-brasileiro, mas o Itamaraty ainda não se manifestou”.
O Brasil virou um pária internacional devido às patentes violações aos direitos fundamentais dos brasileiros, principalmente dos povos indígenas e dos grupos mais vulneráveis. Agora, no âmbito diplomático, se vê obrigado a enfrentar seus fantasmas no cenário internacional. O atraso da vacinação no Brasil é o principal motivo pelo qual todos nós, estudantes e pesquisadores já admitidos em universidades europeias, estamos passando por essa situação. Após um complexo processo de candidatura, devido ao descontrole da pandemia da COVID19 no Brasil e do atraso na vacinação, a estratégia francesa de reabertura das fronteiras classificou o Brasil como « zone rouge », resultando no impedimento da concessão de visto « long séjour » aos estudantes, pois o estudo não foi considerado um motivo imperioso. Sim, estudar é um motivo imperioso e convido a todos a seguirem também nossos companheiros nessa luta, os movimentos da Espanha, Dinamarca, Itália, Alemanha e Bélgica, que formam conosco a Frente Ampla do Movimento Estudantil e pela Pesquisa. Conta Vanessa Alvarez, a representante do movimento que entrou em contato conosco.
Destaca-se também que o país tem permitido a entrada de pessoas provenientes de outros países com situação crítica e variáveis, inclusive, a Índia que é considerada como um país da “zona vermelha”, conseguiu retomar o agendamento de vistos de estudantes para o ano letivo de 2021-2022 na França.
Os estudantes já buscaram auxílio no Itamaraty e em outros setores do governo, mas não obtiveram uma resposta direta ao Movimento, apenas notas emitidas pela imprensa oficial de forma abstrata e genérica.
“Meu nome é Mariana de Assis, sou Agente de Turismo no nordeste brasileiro, em especial os Lençóis Maranhenses. Eu trabalhava em uma agência franco-brasileira de turismo, onde toda a minha comunicação era em francês, pois mais de 90% dos nossos clientes vinham da França. Eu produzia documentos em francês, fazia intermediação entre brasileiros e franceses, organizava a viagem destes e os acompanhava em viagens como guia e tradutora. No entanto, a pandemia chegou e nos paralisou e, durante os últimos meses, só tenho conseguido trabalhar com os poucos franceses que vêm ao país e com o público local. Mesmo neste novo contexto, continuei nutrindo a paixão que desenvolvi pela profissão, fiz cursos, trabalhei meu francês e me preparei para o seletivo das universidades francesas. Assim que me candidatei, recebi a aprovação da Universidade de Toulouse para fazer uma graduação em Ciências Sociais com menção em Turismo e, mais tarde, recebi o aceite da Escola Gaston Berger, a que escolhi e onde farei um Diploma Técnico Superior em Turismo. Apesar de todos os esforços assumidos até aqui para conseguir ser aprovada em um estabelecimento de ensino francês, hoje eu não posso entrar em território francês por causa da decisão do governo francês de suspender a emissão de vistos para estudantes brasileiros, tendo em vista a situação da pandemia no Brasil. Imaginar que talvez todos os meus esforços tenham sido em vão, que todo o dinheiro aplicado na candidatura esteja perdido e que eu não poderei realizar esse sonho, que é mais que justificável tendo em vista o meu trajeto profissional, com certeza me deixa com uma sensação muito amarga de que a educação e a qualificação profissional não estão recebendo sua devida atenção, mesmo sendo precisas para que a sociedade saia da crise que esta pandemia nos deixa. Os sentimentos de dano emocional, financeiro, de tempo e de carreira são constantes”. Mariana também é integrante do Movimento.
Sou César Escobar Claros, doutor em engenharia de materiais formado na Universidade Federal de São Carlos e Université Grenoble Alpes no formato de cotutela Brasil-França. No início deste ano me postulei para um projeto pós doutoral no Grand patrimoine de Loire Atlantique, no pólo Arc’Antique de Nantes, França. Este é um projeto grande e muito interessante focado na restauração e conservação de aeronaves empregadas na segunda guerra mundial. O projeto conta com a colaboração de universidades e institutos de pesquisa da França, Itália e República Checa. Foi um processo muito concorrido e longo, mas finalmente em maio foi escolhido entre muitos participantes. Meu contrato deveria ter começado agora em junho, mas pela suspensão dos vistos não consegui viajar para França ainda.
Esta seria a oportunidade da minha vida, ser parte de um projeto tão grande e de tanta importância histórica, por isso não quero perdê-la.
Por fim, esperamos que o Itamaraty, assim como as embaixadas dos respectivos países envolvidos, se pronunciem e deem o devido suporte a esses estudantes e pesquisadores que, acima de tudo, merecem o direito de usufruir dos frutos de sua dedicação.
#Étudier est Impérieux