Especial Brazil Conference: Um papo com Carol Steinkopf

Fundadora da ‘Uma Sinfonia Diferente’, celebra 10 anos do projeto e será destaque na Brazil Conference.

Fundadora do projeto social Uma Sinfonia Diferente, Carol está celebrando 10 anos desta iniciativa que já incluiu mais de 5 mil pessoas autistas no universo da música erudita no Brasil e agora será uma das grandes protagonistas da Brazil Conference.

Nos dias 12 e 13 de abril, acontece a Brazil Conference, um evento promovido por estudantes brasileiros em Boston para atrair o olhar do mundo para o Brasil e impulsionar a economia e o desenvolvimento do país. Para conhecer melhor os embaixadores da edição deste ano, a coluna irá conversar com todos eles até o início do evento para promover diálogo com os brasileiros que irão fomentar inovação em Harvard e MIT.

No papo de hoje, vamos conhecer melhor a trajetória de Carol Steinkopf, fundadora do projeto social Uma Sinfonia Diferente, primeiro musical brasileiro protagonizado por pessoas autistas no país. Foi por meio deste projeto que Carol entendeu que atuar no terceiro setor não é somente sobre abrir uma ONG, mas ter um propósito claro e a nobreza da empatia. Nunca imaginei que como musicoterapeuta eu também seria uma empreendedora social. Hoje eu entendo que, quando você encontra um problema social e desenvolve uma solução para ele, você já é um empreendedor(a) social e já atua no terceiro setor”, conta.

Com vocês, Carol Steinkopf:

André Menezes: O que motivou você a iniciar seu trabalho no terceiro setor e como foi o começo da sua jornada nessa área?

Carol Steinkopf: Bom, aconteceu de forma incidental. Após formada em musicoterapia (UFG) eu comecei a trabalhar com crianças autistas e a pensar: “se a pessoa autista tem dificuldade na interação social, por que eu atendo ela de forma individual?”. E foi assim que nasceu o programa Uma Sinfonia Diferente. Em 2015 eu criei o programa Uma Sinfonia Diferente – primeiro musical brasileiro protagonizado por pessoas autistas no país. 

Inicialmente, eu pensei que seria uma boa maneira para aprender mais sobre o processo terapêutico em grupo, como a música poderia ser usada em grupo e depois eu percebi que o que eu estava fazendo era empreendedorismo social.

Nunca imaginei que como musicoterapeuta eu também seria uma empreendedora social. Hoje eu entendo que, quando você encontra um problema social e desenvolve uma solução para ele, você já é um empreendedor(a) social e já atua no terceiro setor.

Ao longo dos anos, eu fui me especializando na área, ganhamos o prêmio de tecnologia social da fundação do Banco do Brasil e, em 2021, durante uma formação em negócios de impacto social, eu desenvolvi o Mapa Autismo Brasil, uma plataforma de inteligência de dados sobre o perfil sociodemográfico e clínico da população autista no Brasil.

AM: ⁠Poderia nos contar um pouco mais sobre o projeto específico que a levou a ser selecionado para a Brazil Conference? O que torna esse projeto especial e qual é o seu impacto na comunidade?

CS: Atualmente, lidero o projeto Uma Sinfonia Diferente e o Mapa Autismo Brasil. A Sinfonia, como chamo carinhosamente, é um programa de desenvolvimento da comunicação, linguagem e habilidades sociais de pessoas autistas. Desde 2015 a Sinfonia já atendeu mais de 5 mil pessoas autistas em todo o Brasil; a metodologia foi replicada em várias cidades do país como São Luís do Maranhão, Fortaleza e Belo Horizonte. Esse ano, comemoramos 10 anos de Sinfonia e também o primeiro lançamento nacional do Mapa Autismo Brasil (MAB).

O MAB é uma plataforma de inteligência de dados que, por meio de pesquisa, coleta, analisa e gera insights sobre o perfil sociodemográfico e clínico das pessoas autistas. O MAB é resultado de vários questionamentos que eu recebia de patrocinadores da Sinfonia, como: “Você atende 50 crianças, quanto isso representa na comunidade de pessoas autistas?”. Ou: “como você vai mensurar o impacto se não temos dados sobre o autismo?”. 

Essas questões feitas para a Sinfonia foram motivadoras para o desenvolvimento do MAB. 

Não temos dados sobre o autismo no Brasil, não sabemos quantos são, não sabemos onde estão, não sabemos suas reais dificuldades, e sem isso é impossível desenvolver políticas públicas e programas que sejam assertivos.

Acredito que a Sinfonia e o MAB são especiais por sanar uma dor de uma comunidade muito grande, ainda não sabemos os dados no Brasil, mas se utilizarmos os dados americanos temos uma comunidade de mais de 5 milhões de autistas no Brasil. Ao ter dados sobre o autismo do Brasil poderemos mostrar quão relevante a Sinfonia e outros projetos para pessoas autistas são. O autismo é um assunto urgente, ele está em todas as camadas da sociedade, possui um acompanhamento ao longo da vida e mostra que nem toda deficiência é visível. 

AM: Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao longo do seu trabalho e como conseguiu superá-los?

CS: Eu diria que os desafios são diários, mas no meu caso, quero destacar três:

1. A falta de conhecimento sobre o autismo e entender que precisamos, juntos, desenvolver atividades que falem sobre o tema.

2. ⁠Falta de investimento, patrocínio e interesse no assunto. 

3. ⁠Racismo e machismo estruturais. Já passei por situações onde a pessoa da reunião me perguntava: “a Carol está chegando?”, mesmo eu estando lá na frente da pessoa e quando eu respondia: “sou eu”, a pessoa ficava nitidamente envergonhada, ou perguntavam quem era o criador da metodologia que eu estava desenvolvendo e quando eu respondia: “sou eu”, a pessoa não acreditava. 

Ser uma mulher negra que trabalha com um desafio que está ligado à área de saúde e políticas públicas ainda é uma surpresa. Esperam que pessoas negras trabalhem com assuntos ligados diretamente às pessoas negras; quando eu falo que trabalho com saúde, inteligência de dados, políticas públicas para pessoas autistas, alguns ainda ficam assustados. 

Como eu disse anteriormente, o autismo está em todas as camadas e tenho certeza que através de dados vamos oferecer acesso, principalmente, para pessoas negras que hoje no Brasil sofrem com o racismo no diagnóstico.

AM: Quais inovações ou mudanças você gostaria de implementar em sua organização nos próximos anos para aumentar o impacto social?

CS: Gostaria de ter recursos para ter uma gestão mais fluida e que atenda a demanda de reaplicação da Sinfonia que é uma tecnologia social certificada pela Fundação do Banco do Brasil. Ter mais pessoas apaixonadas pelo tema e que querem somar forças e oferecer sempre o melhor para as pessoas autistas. Esse ano, a Sinfonia 10 anos foi aprovada na Lei Rouanet e espero conseguir captar recursos suficientes para iniciar essa nova fase e oferecer espaço de desenvolvimento por meio da música em várias cidades do país. E para o MAB eu espero ter cada dia mais robustez para que os dados sejam utilizados da melhor maneira; os nossos pesquisadores são todos voluntários e eu sonho com o dia em que nós seremos remunerados para desenvolver cada vez mais.

AM: O que você espera aprender ou vivenciar na Brazil Conference em Harvard e MIT, e como pretende aplicar essa experiência em seu trabalho no Brasil?

CS: Espero fazer fortes conexões, espero me inspirar e assim ter mais força para continuar o nosso trabalho. Espero conseguir sensibilizar os participantes para olhar para pessoas autistas como pessoas em potencial e quero trazer todas as experiências e insights para os nossos projetos. Tenho certeza que faremos muitas conexões, muitos aprendizados e ao voltar quero mostrar que é possível. Obrigada Brazil Conference por acreditar em mim, na Sinfonia, no MAB e em cada pessoa autista do nosso país.

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