Em meio à Semana Nacional de Política sobre Drogas, Senado e PF mostraram que não entenderam droga nenhuma
A reação da comunidade científica e de ativistas pelo país foi imediata, inconformados com a falta de cuidado ao reproduzir informações sem nenhuma base na realidade.
por Ítalo Coelho de Alencar; Rodrigo Medeiros Albuquerque Bardon; José Tiago de Queiroz Mendes Campos.
Entre os dias 18 e 26 de Junho deste ano, aconteceu a Semana Nacional de Política sobre Drogas, promovida pelo Ministério da Justiça. Quando do anúncio desta iniciativa, ainda no mês de maio, o ministro Humberto Viana anunciou, dentre outras coisas, o repasse de R$100.000.000,00 (Cem milhões de reais) às chamadas “comunidades terapêuticas”, instituições privadas que têm como fonte de lucro o tratamento de usuários de drogas ilícitas. Em sua grande maioria ligadas às igrejas evangélicas, estas instituições têm recebido críticas de especialistas pelos métodos questionáveis de tratamento, sendo algumas alvo de investigações pelo Ministério Público Federal por casos de maus tratos, cárcere privado etc. Além de pautar uma suposta preocupação com o abuso de novas drogas, ainda não tornadas ilícitas.
Na mesma semana, ocorreu na Comissão de Assuntos Sociais do Senado uma audiência pública sobre o Projeto de Lei Suplementar (PLS) 514/2017, que discutiu a legalização do cultivo caseiro de maconha para fins medicinais. Nesta audiência, dirigida pela relatora do projeto, a senadora Martha Suplicy (MDB/SP), especialistas sobre o tema, como o neurocientista Renato Filev (UNIFESP), o psiquiatra Luis Fernando Tofoli (UNICAMP), mães de crianças que utilizam a Cannabis como tratamento de suas enfermidades , e também presidentes de Associações de pacientes e familiares usuárias da planta, Cidinha Carvalho (CULTIVE) e Margarethe Guete (APEPI). Foram discutidas as possibilidades terapêuticas da Cannabis, o sucesso na utilização em tratamentos de diversos quadros, além das dificuldades enfrentadas por quem opta por esta via de tratamento, reconhecida em diversos países do mundo, mas proibida em nosso país pela lei 11.343/06, a nossa lei de Drogas.
Em meio a estes eventos, a equipe de comunicação do Senado Federal resolveu publicar em suas redes sociais, com base em uma cartilha feita pela Academia Nacional da Polícia Federal, um banner “educativo” sobre os efeitos, imediatos e do uso continuado, de diversas drogas, dentre elas a maconha. O conteúdo da imagem traziam informações equivocadas, distante da realidade empírica e científica que a planta vem mostrando. Dentre os equívocos divulgados pela Polícia Federal, há a falsa informação de que a maconha pode levar à morte. Não há registro histórico ou médico que sustente a afirmação de que o uso da maconha possa causar a morte do usuário.
A reação da comunidade científica e de ativistas pelo país foi imediata, inconformados com a falta de cuidado ao reproduzir informações sem nenhuma base na realidade, reforçando o estigma criado sobre a maconha, e dificultando o trabalho daqueles que dedicam seus esforços à desmistificar esse pensamento. Diante desta reação, a equipe de comunicação do Senado retirou do ar a publicação, mas não se retratou da irresponsável propagação de fake news.
O que mais preocupa neste caso é ver uma instituição como a Polícia Federal propagando informações sem fundamentação, que acabam por reforçar ou servindo de base para o preconceito contra drogas, desprezando o potencial terapêutico cientificamente comprovado de drogas como a maconha.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) compreende que Droga é “toda substância, natural ou sintética, que em contato com o organismo vivo pode modificar uma ou mais de suas funções”. Conclui-se, a partir do entendimento da OMS, que a maconha, assim como o álcool, tabaco, açúcar, analgéssicos, é uma droga e deve ser compreendida como tal por àqueles que optam pelo seu uso, tanto em suas potencialidades benéficas quanto maléficas. Portanto, não existe droga ruim em absoluto. Os efeitos destas devem ser observados em cada indivíduo, dentro de um contexto específico. Por exemplo, há pessoas que podem comer açúcar sem maiores problemas. No entanto, quem exagera pode adquirir diabetes ou obesidade. Com a maconha, da mesma forma! Adolescentes devem evitar seu uso, devido à interferência na sua fase de desenvolvimento cerebral. Por sua vez, há quem a use socialmente por toda a vida sem maiores danos. Outras usam no tratamento de câncer, AIDS, epilepsias, Alzheimer etc.
Segundo Burgierman, estudos mostram que as leis têm efeito insignificante na decisão de usar determinada droga. Dito isto, independente de seus benefícios ou malefícios, o que não tem eficácia é a política proibicionista, a tal de “guerra às drogas” e a falta de diálogo franco e sincero sobre um tema tão complexo, mas comum na vida de muitos brasileiros. Diversos países estão revendo suas políticas de drogas, devido a sua pouca efetividade, além dos danos sociais causados pela guerra às pessoas que fazem parte direta ou indiretamente a este ramo econômico. Uruguai, Colômbia, EUA, Canadá, dentre outros estão neste caminho, discutindo as melhores formas de cuidar das pessoas usuárias de drogas, apostando em educação para prevenir e investimento em saúde pública para cuidar daqueles que fazem uso problemático de alguma substâncias. É preciso responsabilidade com as informações divulgadas para, respeitar a autonomia dos indivíduos. O Brasil não pode mais andar na contramão!
Referências
BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as drogas. São Paulo: Ed. Leya, 2011.
BORGES, Helena. Comunidades terapêuticas são acusadas de tortura. O Globo. Acessado em: 28 jun 2018.
Debatedores pedem regulamentação de cultivo da maconha para fins medicinais. Senado Federal. Acessado em: 28 jun 2018.
Projeto de Lei do Senado PLS 514, de 2017. Senado Federal. Acessado em: 28 jun 2018.
CAS debate projeto que regulamenta o uso medicinal da maconha. Senado Federal. Acessado em: 28 jun 2018.
Perguntas e respostas sobre Drogas. Polícia Federal. Acessado em: 28 jun 2018.
FRENTE NACIONAL DROGAS E DIREITOS HUMANOS. Acessado em: 28 jun 2018.