Por Lígia Batista*

É ano eleitoral e os olhares e recursos partidários estão voltados para as eleições municipais de 2024. Esse ano, o fundo eleitoral – que alcança R$4,9 bilhões – será o maior da história das disputas municipais. Porém, é preciso que mulheres negras, periféricas e LBTI+ sejam prioridade e que os partidos desafiem a mensagem que os algozes de Marielle Franco deixam à sociedade, alimentando a ideia de que nossos corpos são descartáveis. Marielle Franco não era a única parlamentar carioca que defendia direitos humanos e atuava no enfrentamento às violências e desigualdades cotidianas. Mas foi ela a parlamentar que teve sua vida arrancada a partir da expressão mais brutal da violência política de gênero e raça: o feminicídio político. Uma mulher negra, mãe, socialista, bissexual e favelada cuja morte foi encomendada. Um corpo tratado como matável, mesmo ocupando um espaço de poder e visibilidade.

Diante disso, é profundamente decepcionante que o fim da violência política não seja prioridade dos dirigentes de partidos políticos nessa corrida eleitoral. Os partidos precisam cumprir adequadamente a Lei de Violência Política, atuando para prevenir e combater este tipo de violência que atravessa e interrompe a trajetória política de mulheres negras, cis, trans e travestis, defensoras de direitos humanos. Além disso, devem respeitar as regras de paridade de financiamento de candidaturas negras e as cotas de candidaturas femininas – ferramentas importantes para reimaginar a fotografia do poder no Brasil.

Não dá mais para que partidos – particularmente aqueles que se colocam na disputa de uma agenda progressista e de direitos humanos – não se comprometam com este dever e adotem uma postura negligente em relação a essas vidas. Somos muitas mulheres negras e periféricas que querem ver pessoas como Marielle Franco fazendo a disputa eleitoral de forma segura e ocupando os espaços de poder.

A realidade é que, cotidianamente, nós do Instituto Marielle Franco acompanhamos casos de mulheres negras que sofrem episódios de violência política – seja durante o período pré-eleitoral, atravessando suas campanhas eleitorais, ou, ainda, depois de eleitas. Diante disso, nós atuamos para que os partidos, dentre outras medidas, se comprometam a construir protocolos de acolhimento e proteção em caso de violência política de gênero e raça.

Muitas vezes, as candidatas negras sofrem violência política dentro dos próprios partidos, e isso se dá de diversas formas. Por exemplo, com o subfinanciamento das campanhas, que obriga as candidaturas de mulheres negras a competirem por recursos em uma correlação profundamente desigual de forças. Por isso, a distribuição adequada de recursos financeiros e do tempo equânime para propaganda eleitoral de candidatas negras são algumas medidas imprescindíveis para que os partidos sejam capazes de efetivamente mudar a fotografia do poder.

No Instituto Marielle Franco, realizamos estudos para traçar diagnósticos apurados de como mudar esta triste realidade e incidimos para que as instituições atuem para fortalecer substancialmente a nossa democracia, a fim de garantir a ampliação e continuidade da participação e representação política de mulheres negras em espaços de poder e de decisão.

Para termos mais vereadoras e prefeitas negras, comprometidas com o legado político de Marielle, construindo um futuro mais justo e igualitário nas nossas cidades precisamos acabar com a violência política de gênero e raça.

Para isso, é fundamental que os partidos se levantem e assumam sua responsabilidade de garantir que o que aconteceu com Marielle não se repita com mais ninguém, nunca mais. A primavera das mulheres há de florescer e é para fortalecer as suas vozes que seguiremos na luta.

Com violência política de gênero e raça, não há democracia possível!

*Lígia Batista é diretora executiva do Instituto Marielle Franco. Formou-se em Direito pela Universidade Federal Fluminense e atualmente é mestranda em Políticas Públicas e Direitos Humanos na Universidade Federal do Rio de Janeiro, produzindo análises sobre democracia e os desafios para a representação política de mulheres negras. Atua há 10 anos em organizações internacionais voltadas à defesa dos direitos humanos e à promoção da justiça racial e de gênero no Brasil e na América Latina. É também fellow da Década Internacional Afro-descendente das Nações Unidas (2015-2024).