Por Danilo Lysei

Com 17 medalhas em mundiais e 3 em paralímpiadas, a cratense de sorriso largo e sotaque amistoso se tornou campeã dentro e fora das piscinas mundiais. Dona e proprietária de um repertório paralímpico ímpar, Edênia Garcia, 34 anos, é um dos nomes lembrados como referência esportiva da natação mundial.

E, longe de bastar as vitórias das águas, a atleta brasileira chega ao Japão com uma nova representatividade traçada: a da bandeira da comunidade LGBTQIA+.

Lésbica assumida, Edênia falou abertamente sobre sua sexualidade pela primeira vez em 2019 ao compartilhar sobre o seu posicionamento e objetivo educacional e, posteriormente, sobre o amor inesperado com a CEO & Founder Bia Ribeiro. Amor este que preenche sua vida e hoje a impulsiona a falar mais sobre o assunto.

 

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Ainda que discreta no seu protagonismo da pauta, Dê pontua que entendeu a importância que a repercussão sobre sua sexualidade tem. “Eu cresci dentro do esporte e não tive isso, não tive pessoas que me representavam nesse sentido. Então eu sei o quanto é importante para outras meninas, meninos, homens e mulheres, no esporte e fora do esporte também. Eu sei da responsabilidade que é, toda essa exposição. Sempre digo: o esporte é plural, ele é diverso, e aqui existem todos os tipos de corpos, pessoas, sexualidades e identidades. A gente precisa olhar as diferenças, para o mundo tão plural que a gente tem, com muito respeito e muita empatia”, empodera a nossa medalhista.

 

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Além de ter repercutido nas redes sociais sobre o tema, Edênia tem ficado conhecida com suas lives e bate papos. Hoje é palestrante com experiência em eventos de empresas de grande porte atuantes no país sobre temas de esportes, diversidade, empoderamento e anticapacitismo.

Conforme levantamento divulgado pela Outsports, nossa atleta lésbica compõe a delegação brasileira, junto da Josiane Lima (Remo) e da Mariana Gesteira (Natação – 50m e 100m Livre e 100m Costas), dentre os pelo menos 32 atletas LGBTQIA+ competindo publicamente nas Paralimpíadas de Tóquio 2020, o dobro em comparação ao Rio 2016 e recorde nas edições dos jogos.

Trajetória e (d)eficiência

Natural de Crato (CE), e orgulhosamente nordestina, Edênia descreve sua história com a maturidade de reconhecer as dificuldades do passado e o suporte familiar que a fortaleceu até onde está atualmente.

Filha de dona de casa e de motorista interurbano, pais de três filhos, a atleta paralímpica nasceu com a doença de ‘Charcot-Marie-Tooth’, conhecida também como atrofia fibular muscular, que interfere nos movimentos dos membros inferiores e ocasiona quedas durante o caminhar. Por isso, hoje a atleta se locomove sobre cadeira de rodas.

 

O primeiro contato com a natação veio aos 7 anos, quando ainda no interior do Ceará começou a praticar a modalidade nas aulas de educação física do seu colégio da época, o SESI, colocada pela mãe. Na ocasião, ela conta que encontrava dificuldade em algumas noções básicas do nado e, sem o completo amparo do professor, a mãe buscava alternativas que a auxiliassem no desenvolvimento em comparação às outras crianças, sem muito sucesso.

Alguns anos depois, quando se mudou para Natal (RN), a família procurou um médico neurologista que a acompanhasse localmente que, justamente, indicou a natação como método terapêutico. “Passou que tinha uma pessoa que trabalhava com pessoa com deficiência (PCD) em Natal e que era bem bacana o trabalho”, recorda. Não sabendo ao certo, permaneceram em busca do nome na cidade, sem qualquer indicação de quem seria.

“Até que por coincidência meu pai, motorista da linha de ônibus do bairro, sempre via um rapaz, o Francisco Avelino [tricampeão paralímpico brasileiro de natação], subindo no ônibus com aspectos esportivos, camisa da seleção brasileira, e perguntou por curiosidade para onde ele iria. E daí ele falou que estava treinando para ir para a Paralimpíada de Sidney, em 2000. Eu tinha 12 anos na época”, narra ao relembrar a ironia do destino que a colocou no conta-tempo debaixo d’água. Após o pai relatar sobre ela ao ex-atleta, Edênia se recorda que uma semana depois já estava treinando na escolinha “Tu-tu-barão”, onde grande parte da seleção brasileira de natação treinava para Sidney.

“Entrei em 2000 como tratamento e em 2001 eu já estava treinando com Rodrigo Vilar, técnico da Joana Neves. E no meu primeiro mundial em 2002, que fui campeã mundial, foi que eu vi ali uma oportunidade – depois de já ter feito toda a inclusão através do esporte, ter me dado uma boa qualidade de vida e ter me descoberto PCD, porque até então eu não me enxergava assim. Foi só quando eu participei de ambientes, grupos de PCD que são atletas, que passei a me enxergar como tal e decidi que seria isso que eu faria”, conta.

Imagem de comparação de antes e depois. Na esquerda temos Edênia em sua primeira medalha, e na direita a vitória mais recente. Em ambas ela está sobre a cadeira de rodas e sorri, ao segurar a medalha. A esquerda está escrito “How it started/ Como começou” e a direita está escrito “How It’s going/ Como está indo”.

Desde o início da carreira, a tetracampeã mundial já soma 19 anos de competições. Foto: Reprodução

Ainda adolescente, a maturidade esportiva que a acompanhava fez com que visse na natação uma oportunidade profissional que até hoje a coloca nos mais altos patamares da história paralímpica. “E aí começou tudo no meu primeiro mundial, quando fui campeã aos 15 anos. Me dedicava aos treinos e aos estudos também. Minha mãe era quem me levava na época. A gente pegava quatro ônibus por dia, dois para ir, dois para voltar. Morávamos na zona norte, o treinamento era na zona oeste”, narra a atleta ao relembrar dos desafios do início e da distância.

Com a dificuldade de suporte financeiro e investimento no início, a campeã mundial gratifica o início da carreira ao apoio e humildade dos pais. Hoje, segue sua trajetória sobre os holofotes das águas e do mundo.

Tubarã do nado costa 

Quem já a ouvir falar, sabe que quando ela fala em água, fala da liberdade que é nadar. Nadadora nas modalidades classes S3, SB2 e SM3, Dê chega em sua 4ª Paralimpíada (Atenas 2004; Pequim 2008; Londres 2012; e agora Tóquio 2020) com uma somatória de vitórias que a consagram não só como uma das referências do paradesporto brasileiro, mas sim como uma referência esportiva brasileira.

Ao todo são 20 medalhas entre as diversas competições e categorias disputadas. Carrega consigo os títulos de pentacampeã dos Jogos Parapan-Americanos (Mar Del Plata 2003; Rio de Janeiro 2007; Guadalajara 2011; Toronto 2015; e Lima 2019) e 1ª atleta paralímpica tetracampeã mundial da história, nos 50m costas S3 (Mar del Plata 2002; Durban 2006; Eindhoven 2010; e Londres 2019). “É muito gratificante. É um título único mesmo na vida de qualquer atleta. E por ser uma mulher, é bem especial também. Ao mesmo tempo que eu fico muito contente, sei da responsabilidade que é de também ter ou de representar tão bem o nosso país”, celebra.

foto perfil de Edênia posando sobre a borda de uma piscina. Em frente a ela, estão 5 medalhas de competições diferentes: uma de ouro, duas de bronze e duas de prata.

Para viajar a Tóquio com segurança, Edênia se vacinou contra a COVID-19 em maio de 2021. Foto: Reprodução

Ainda que com esta visibilidade individual, responsável de sua representatividade às PCD, Edênia pontua sobre a abertura da sociedade à comunidade paralímpica e a abertura que os Jogos Paralímpicos do Rio 2016 ajudaram na quebra de paradigma. “Nós infelizmente vivemos em um país que ainda é muito preconceituoso, muito capacitista. A pessoa com deficiência, ela tem a deficiência dela e suas limitações, mas acima de tudo como qualquer ser humano, ela tem a capacidade de performar em altíssimo nível. No primeiro dia de natação a gente já ganhou 4 medalhas, com dois veteranos e dois novatos em Jogos Paralímpicos. Então só mostra que a gente vem crescendo cada vez mais. Eu tenho percebido essa mudança de olhar, mudança de perspectiva com o atleta paralímpico”.

Promessa de ouro para o país, Edênia chega firme na competição para pesar mais ainda o pescoço e o currículo entre as melhores do mundo. “Quero muito fazer uma prova bem feita e usar de toda minha experiência ali. Eu sou a atleta mais experiente da bateria, atleta com mais tempo de esporte paralímpico e com mais paralimpíadas, então quero usar isso ao meu favor. Quero sair bem satisfeita da prova, sabendo que eu dei o meu melhor naquele momento e que eu estou em paz comigo mesma”, encerra ansiosa, mas segura.

Nesta edição, a paratleta estreia neste sábado (28), às 21h50, nos 50m costas S3. As finais da categoria serão no domingo (29) às 05h49.

Já nos 100m livres S3, a nossa tetracampeã cai na água no domingo (29) às 22h36, rumo às finais que acontecem na manhã da segunda-feira (30), às 7h25.

 

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Texto produzido para cobertira colaborativa da NINJA Esporte Clube.