Economia solidária é política climática? A Bahia mostra que SIM!

Crédito orientado, florestas em pé e reciclagem popular: é assim que a economia solidária reduz emissões, fortalece ecossistemas e amplia a renda nos territórios.

A emergência climática não se resolve apenas em cúpulas. Ela se decide no custo do frete do pequeno produtor, na forma como os municípios tratam seus resíduos e no valor econômico que a floresta preservada gera para as famílias. Quando organizamos a economia real — com crédito na ponta, assistência técnica de verdade e acesso a mercados sem atravessadores —, a política climática deixa de ser discurso e se torna renda, segurança alimentar e dignidade social.

Na Bahia, a infraestrutura pública da economia solidária mostra parte do caminho: circuitos curtos, agroflorestas e reciclagem popular. Tudo com rostos, endereços e nota fiscal.

1) Carbono cai quando a cadeia encurta

Quando produção e consumo passam a dialogar no mesmo território, desperdício e emissão caem simultaneamente. O “pós-porteira” responde por uma fatia expressiva do impacto climático do sistema alimentar; estimativas situam o conjunto do sistema de alimentos em cerca de 34% das emissões globais, e de 8% a 10% vêm de comida que nem chega ao prato. Reduzir perdas e quilômetros rodados é uma ação climática de primeira linha.

Mais uma vez, a Bahia montou a engrenagem pública para essa virada: os Centros Públicos de Economia Solidária (Cesols) integram assistência e comercialização, enquanto o CrediBahia garante fôlego ao oferecer capital de giro para padronizar, embalar e chegar ao mercado. Em 2023, R$ 53,7 milhões foram liberados a empreendedores. O resultado aparece nos detalhes: polpas, queijos, chocolates e hortas que antes perdiam valor no transporte agora chegam mais rápido e padronizados às feiras e compras públicas, reduzindo quebras, a necessidade de refrigeração prolongada e as emissões de carbono “invisíveis”.

2) Floresta em pé paga a conta

Na cabruca, o cacau cresce sob a copa da Mata Atlântica: é agricultura com floresta — e com carbono estocado. Pesquisas na região cacaueira mostram estoques expressivos de carbono em sistemas agroflorestais de cacau, comparáveis a ecossistemas naturais e superiores às pastagens degradadas.

Outro exemplo vem do manejo sustentável do paisagismo cacaueiro no sul da Bahia, que alia conservação, inclusão produtiva e renda na mesma trilha. Quando a base agroflorestal gera chocolate de origem com marca territorial, a conservação se torna economicamente vantajosa, reduzindo a pressão por novas áreas e fortalecendo a resiliência climática. Floresta em pé deixa de ser slogan e vira modelo de negócio.

Nas cidades, a economia solidária se expressa na gestão de resíduos sólidos por cooperativas e associações. No São João da Bahia (2024), cooperativas parceiras recolheram toneladas de alumínio e plástico; na Micareta de Feira (2024), foram 6,3 toneladas em quatro dias — resultados que reverberam na redução de metano e na geração de renda direta a catadoras e catadores. Em Salvador, a Limpurb instalou centrais de reciclagem no Carnaval, encurtando a distância entre quem descarta e quem vive da reciclagem. Nos festejos juninos de 2024, estimou-se R$ 90 mil em renda a partir de nove toneladas recolhidas nas vilas.

Esse arranjo tem efeito cascata: contratos e logística → maior volume recuperado → renda previsível para cooperativas → escala para a indústria recicladora. Trata-se de uma economia circular de base comunitária — uma política climática urbana com comprovada eficiência financeira e ambiental.

Política de Estado, não de governo

Política climática que entrega resultados tem governança participativa, crédito e regra. O Brasil sancionou, no fim de 2024, a Política Nacional de Economia Solidária (PNES) e criou o Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes), instrumentos de fomento, compras públicas e finanças solidárias. Na Bahia, esse arcabouço encontra um aparelho público ativo: Cesols e microcrédito.

Quando produção e consumo se encontram no mesmo território, cai o carbono e sobe a renda; quando a floresta trabalha como provedora, a economia local se torna resiliente; quando a reciclagem é reconhecida como trabalho, a cidade evita metano, e catadoras e catadores passam a ter renda estável e trabalho decente assegurado.

O Brasil chega à COP30 com a oportunidade de mostrar que política climática também se materializa em contratos, nota fiscal e governança comunitária. A Bahia, referência no segmento da economia solidária, apresenta casos, números e leis que comprovam isso.

Wenceslau Júnior é superintendente de Economia Solidária da SETRE-BA, professor universitário, advogado e mestre em Direito. Com 35 anos de militância política, atua na defesa da economia popular, da soberania dos territórios e das políticas públicas de inclusão produtiva.