É urgente mudarmos o pensamento coletivo sobre nós
Há urgência de deixarmos o pensamento de que nossas pautas são identitárias ou de minorias, e acelerarmos as mudanças estruturais. Para isso, continuaremos avançando rumo ao horizonte que desejamos e co-criando a sociedade que sonhamos para nós todas
Março chega com a urgência de repensarmos a sociedade em que vivemos, essa sociedade na qual ainda é preciso sinalizar as condições extremamente desiguais das mulheres. Apesar dos avanços obtidos pelas lutas historicamente encampadas por nós, produzindo mudanças e inegáveis avanços, ainda estamos longe de vivermos de uma situação ideal, em especial para as mulheres negras.
Vemos a distância a percorrer por muitas de nós até a plenitude de direitos. Fora as batalhas do dia a dia, há uma guerra na qual a morte de crianças e mulheres chama a atenção (já são 30 mil mulheres e crianças mortas na Palestina), o que nos alerta para o quanto a dinâmica do ódio e das inúmeras violências acabam intensificadas nos corpos das mulheres e das meninas.
Assim é em todo o mundo e, infelizmente, também aqui. Estamos longe de termos um ambiente de plena segurança para mulheres e ao olharmos os indicadores relativos à vida e à experiência das mulheres negras, principalmente, confirmamos o quanto ainda precisamos lutar e é nesse ponto que a coisa nos pega. Estar constantemente em luta é extremamente angustiante e, assim como no poema de Galeano, quando pensamos que estamos chegando no ponto desejado, vemos que ainda precisamos caminhar um tanto mais.
Para nós, caminhar nunca foi problema, mas até no caminhar há uma grande questão. Não se pode achar normal e aceitável que, em pleno século XXI, essa seja a dinâmica social incorporada ao fato de sermos mulheres, que os números de feminicídios sejam tão altos.
Somente em Março de 2021, para o nosso espanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), segundo foi noticiado, firmou entendimento de que a tese de legítima defesa da honra é inconstitucional. Essa tese por muitas vezes foi usada para atenuar a condição dos algozes e revitimizar as reais vítimas de uma sociedade machista, patriarcal, o que nos deixava muito longe da condição de vivermos em condições plenas de direitos.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho de 2023, 1.437 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil em 2022, um aumento de 6,1% em comparação com 2021. Cerca de 70% delas foram mortas em casa. Os marcadores de raça demonstram que em 2021, tomado como base até aqui, houve redução de 2,8% para mulheres não negras (brancas, amarelas e indígenas). No caso das mulheres negras, segundo o Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA), foram 2.601 mulheres vítimas de feminicídio, representando um percentual de 67,4% do total de mulheres assassinadas, o que corresponde à taxa de 4,3 vítimas por 100 mil, gerando o índice de 79% superior ao das mulheres não negras.
É urgente contundentes políticas de defesa da vida das mulheres, principalmente das mulheres negras, que historicamente são as maiores vítimas das inúmeras violências. O Atlas da Violência recorre em mostrar números que corroboram com esta verdade incômoda e triste. É preciso encarar com vigor a questão racial, a igualdade nas condições de trabalho e salariais, sobretudo. Dignidade ambiental (hídrica, saneamento, condições de moradia e acesso à saúde).
O 8 de Março é um marco importante como luta histórica por igualdade de oportunidades e condições de vida. Nesse dia devemos ser de muito mais firmeza na cobrança por uma sociedade que nos respeite e que garanta isso de forma muito concreta. O orçamento público precisa ser adequado para a execução das políticas públicas, para melhor funcionamento dos equipamentos públicos de proteção, para uma rede pública que garanta creches, que haja garantia de melhora nos salários das mulheres, pois a autonomia econômica salva vidas de mulheres e dos seus filhos e filhas.
Em pleno 2024, ainda há uma naturalização da feminização do trabalho do cuidado e o Estado precisa atuar no sentido de garantir campanhas que ajudem na mudança desse pensamento coletivo. É urgente aprender coletivamente como lidar com as mulheres, para, assim, alterar o pensamento socialmente construído sobre nós.
Somos nós, mulheres, que sustentamos o mundo, que mantemos a “máquina girando” e, quando temos nossas vidas melhoradas, ampliamos o benefício para toda a sociedade. Os dados do Censo 2022 nos mostram um país mais feminino, de maioria negra e mais velho. Há urgência de deixarmos o pensamento de que nossas pautas são identitárias ou de minorias, e acelerarmos as mudanças estruturais. Para isso, continuaremos avançando rumo ao horizonte que desejamos e co-criando a sociedade que sonhamos para nós todas!