E se a agroecologia estivesse na moda?
Respondendo à pergunta do enunciado, a agroecologia já está aqui. Mas não na proporção, visibilidade e financiamento que deveria
*Instituto Febre e Elo Artuso
A história do Brasil com o algodão é longa e colonial. Se hoje o Brasil está entre os cinco maiores produtores mundiais da fibra, ao lado de países como China, Índia, EUA e Paquistão (Abrapa), é porque a cotonicultura convencional tem um dos maiores mercados de agrotóxicos do planeta, sendo o algodão a quarta cultura que mais consome os químicos. Isso representa 10% do volume total de pesticidas utilizado no país.
Mas entre Pacotes do Veneno que tentam passar a todo custo no Congresso Nacional, lobbys midiáticos do “agro é pop, top, tudo” e montanhas imensas de dinheiro para financiar tais campanhas, existem aqueles que resistem. Alguns deles estão em Pajeú, no sertão pernambucano, praticando a agroecologia.
A prática, que remonta meados de 1990, começou na região em 2008 com a fundação da Associação Agroecológica do Pajeú (ASAP/PE). Após um período de seca extrema, nasceu o Projeto Algodão em Consórcio Agroecológico.
Até ao final de 2022, o projeto envolveu a participação de mais de 1300 famílias de agricultores, das quais quase dois terços agora podem produzir algodão em consórcios agroecológicos: um sistema de cultivo de múltiplas espécies de plantas para aumentar a biodiversidade, gerir “pragas”, otimizar o ciclo de nutrientes e promover a resiliência ecológica como uma alternativa sustentável à monocultura.
É uma prática centrada na multicultura, na soberania das sementes, na governança coletivista e nos insumos naturais. O cultivo de uma infinidade de culturas alimentares e medicinais juntamente com o algodão não só proporciona soberania alimentar para a comunidade, mas também enriquece o solo e protege a terra.
Seu Francisco tem pelo menos 23 espécies cultivadas em suas terras, incluindo pitaya, pinha, caju e plantas medicinais como saião e erva-doce, além do algodão. Galhos e palhas são usados para enriquecer o solo e são utilizadas sementes nativas do semiárido, livres de qualquer modificação transgênica. “Cada produtor é responsável pelas suas próprias sementes”, explica a agricultora Joana Dark, mas alguns agricultores funcionam como bancos de sementes, partilhando as suas sementes com outros.
A agroecologia também pode ser uma prática feminista. Casos de violência de gênero, infelizmente, são comuns na região, mas o Consórcio busca incentivar as mulheres para a agroecologia, empoderá-las e conscientizá-las sobre seus direitos. Isso acontece por meio de grupos de trabalho, presentes nas sete associações envolvidas no projeto do consórcio de algodão.
As mulheres ocupam quase metade (47%) de todos os cargos de tomada de decisão e são frequentemente as maiores defensoras da prática. “Temos que desconstruir a ideia de que as mulheres vão ao campo ajudar os maridos. A gente vai trabalhar, então é justo que a renda seja dividida entre os dois”, conta a agricultora Joana.
O depoimento de Seu Francisco, de Joana e de Pajaú fazem parte da campanha Algodão na Origem, ou Cotton At The Source, que reúne as entidades @cottondiaries e @agrowingculture para destacar produtores e produtoras de algodão agroecológico, suas comunidades e seu papel na criação de soluções holísticas, que incluem as pessoas e o meio ambiente, para a crise climática e para os modelos convencionais da moda.
Ao olharmos para essas práticas, descobrimos um exercício do Bem Viver, que, quando aplicado à moda, permite que ela emerja de forma plural, responsável, justa e conectada com as pessoas e com o planeta. Se hoje o algodão usado em nossas peças de roupas é uma das culturas que mais consome agrotóxicos e concentra terras no mundo, a agroecologia proposta pelas comunidades mostra que é possível fazer, produzir e consumir diferente.
Respondendo à pergunta do enunciado, a agroecologia já está aqui. Mas não na proporção, visibilidade e financiamento que deveria. Para isso, será preciso abandonar as duas monoculturas: a da mente, que perpetua uma moda egóica, hiperconsumista e frívola, e a da biodiversidade, que transforma a variedade das fibras têxteis em commodities que beneficiam só quem já detém o monopólio industrial. Não é uma tarefa fácil, mas ela já começou – na terra e nas comunidades.
Eloisa Artuso é designer estratégica, pesquisadora e educadora com foco em justiça socioambiental na intersecção entre clima, gênero e moda. É cofundadora da Febre, professora de design sustentável do IED-SP e cofundadora do Fashion Revolution Brasil. @eloartuso / eloisaartuso.com