Juliana Cardoso: E essa gente como é que fica?
O incêndio que destruiu a Favela do Cimento no último sábado, 23 de março, em São Paulo, deixou mais de 200 famílias desabrigadas e expôs mais uma vez a ação higienista da atual gestão da Prefeitura e truculência da Policia Militar para com as pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Por Juliana Cardoso, vereadora (PT/SP) e membro da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de São Paulo.
O incêndio que atingiu a Favela do Cimento no entorno do Viaduto Bresser, na Mooca, na noite de sábado (23) deixou mais de 200 famílias desabrigadas e expôs mais uma vez a ação higienista da atual gestão da Prefeitura e truculência da Policia Militar para com as pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Para este domingo (24) estava programada uma ação de reintegração de posse da área. Durante a semana, foi oferecida a alternativa de praxe aos moradores: aceitar o acolhimento num equipamento da Assistência Social e deixar os pertences num galpão nas proximidades “por tempo indeterminado”.
Mas o prenúncio de tragédia estava no ar. Durante a semana um aviso originário da Polícia Militar, que circulou nas redes sociais, solicitava as pessoas para não trafegar no domingo pelo local “para que tudo seja resolvido com segurança”.
E, literalmente, tudo foi “resolvido com segurança”.
Além de enfrentar o incêndio e sofrer queimaduras para tentar salvar seus pertences, cuja causa moradores apontam justamente a PM, corpos de desabrigados exibem marcas de violência dos disparos das balas de borracha e dos golpes de cassetetes.
Num relato dramático, um homem não identificado deu entrada em estado grave no Hospital Salvalus com queimaduras pelo corpo. Ele chegou caminhando junto com uma mulher. Um vídeo postado no site Jornalistas Livres registra na calçada as marcas de sangue contornando os seus passos. Ele faleceu.
Na manhã de domingo as cenas de abandono do poder público dominavam a região. Famílias perderam os poucos bens e ficaram só com a roupa do corpo. Algumas conseguiram se alojar em outras ocupações. Outras vagavam nas ruas sem ter onde morar. E no Galpão, as pessoas em estado de choque aguardavam a chegada do auxílio do Serviço Social da Prefeitura.
No local do incêndio, ainda de madrugada a Prefeitura demostrava sua eficiência. Diversos caminhões se apressavam em retirar os rescaldos do incêndio. Para as vítimas do incêndio e da truculência resta a solidariedade da sociedade para minimizar a tragédia.
Tudo isso evoca o saudoso Adoniran Barbosa em sua música Despejo da Favela que fulmina às autoridades: “E aí, hein, e essa gente como é que fica?”.
Afinal, a preocupação com o ser humano existiu. Mas ela foi seletiva no comunicado “para que tudo seja resolvido com segurança”.
Como integrante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal estamos apresentando requerimento para a realização de audiência pública para apurar o uso indevido de força repressora contra os moradores e para saber os encaminhamentos da administração municipal para com as famílias.
Para além desse trágico acontecimento e das necessárias apurações, nosso mandato, alinhado com os movimentos populares por moradia digna, continuará lutando por mais investimentos em programas de habitação, principalmente os voltados para famílias de baixa renda e que foram excluídos ainda no governo Temer do Programa Minha Casa Minha Vida.
Da Prefeitura, continuaremos cobrando além do cadastramento dos desabrigados, que as famílias sejam de fato contempladas pelos projetos municipais.