Do manejo ancestral à economia de baixo carbono: a Amazônia no centro da COP30
Amazônia mostra ao mundo, na COP30, que desenvolvimento e preservação são o mesmo caminho
Por Rafaela Collins, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
Se tu achas que a floresta Amazônica é intocada, vazia e isolada, é hora de mudar esse olhar. A Amazônia é viva, habitada, cultivada e profundamente manejada há milhares de anos. Não por tratores ou drones, mas por gente. Gente que planta, colhe, cuida. Gente que deixa marcas no solo, nas árvores, no tempo. Gente que sabe onde brota a mandioca, onde floresce a castanheira, onde o curupira não deixa passar.
Nos últimos anos, uma onda de pesquisas vem colocando no chão uma velha ideia de floresta virgem. Cientistas da Universidade Federal do Oeste do Pará, como Vinícius Honorato e Bruna Rocha, estão escavando não apenas a terra, mas também a nossa visão de mundo. Em parceria com comunidades tradicionais e com ajuda do LiDAR — uma tecnologia que “varre” a floresta com laser — foram descobertos geoglifos, estradas, montículos, artefatos indígenas com mais de 7 mil anos. Sabe onde? No quintal de um seringueiro, o Do Carmo, que plantava mandioca onde seus antepassados já tinham plantado história.
Aprender com a floresta e preservá-la faz parte da identidade do Norte e o mundo precisa escutar. Pesquisas arqueológicas da Universidade Federal do Pará revelam que cerca de 12 milhões de pessoas viviam na Amazônia antes da colonização, em sistemas urbanos sofisticados integrados aos rios e ecossistemas. A COP30 é uma oportunidade histórica de olhar para esse passado e, com ele, construir um futuro mais sustentável e conectado com os ciclos da natureza.
Não é coincidência. A chamada terra preta do indígena, solo riquíssimo feito de restos orgânicos, cerâmicas, carvão, mostra que populações indígenas e tradicionais não só viviam aqui, mas moldaram esse chão e continuam moldando. O manejo tradicional da floresta, baseado em roçados circulares, bancos de sementes naturais e respeito às cheias e secas do ano, é um dos maiores exemplos de sustentabilidade já vistos. A floresta em pé tem dono, sim. E é manejada com sabedoria ancestral pré-colonização.
Enquanto isso, nas prateleiras das farmácias, circulam analgésicos feitos com base no salgueiro, na arruda, no boldo. O que pouca gente sabe é que mais de 40% dos medicamentos modernos têm origem no conhecimento tradicional dos povos indígenas, informação reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A indústria farmacêutica lucra bilhões por ano com esse saber que impulsiona o mercado global de analgésicos, por exemplo, que movimenta mais de 25 bilhões de dólares anualmente, mostrando que os remédios do mato são, sim, ciência.
E se tudo isso ainda parece novo para ti, saiba que já existe um centro de saúde em Manaus onde a medicina tradicional indígena é praticada com seriedade: o Bahserikowi. Criado após um caso emblemático em que uma criança indígena teve a perna salva pelo uso de saberes ancestrais, o centro já atendeu quase 3 mil pessoas. Medicina não é só bisturi, mas também é folha, raiz, reza e respeito.
A Amazônia Legal concentra atualmente somente 867,9 mil indígenas, que representam 51,25% da população indígena do Brasil, segundo o censo de 2022. Não são obstáculos à preservação, são aliados. São os olhos atentos de quem sabe ler o som da chuva e a cor do rio. São jovens que hoje mapeiam sítios arqueológicos no aplicativo do celular, reconhecendo no presente o que os ancestrais deixaram como pista. Eles são o futuro que já começou.
Em 2024, o desmatamento caiu em todos os biomas e a Amazônia teve o menor número desde 2019. Ainda é pouco, mas mostra que é possível, que dá certo. Segundo dados do relatório lançado MapBiomas: “O Pará é o estado com maior área desmatada no acumulado de 2019 a 2024, com cerca de 2 milhões de hectares desmatados (1.984.813,8 hectares)”. A lição que o mundo precisa aprender ainda é que a floresta se preserva com gente dentro e não com grades em volta, porque tudo que é assassinado retira da humanidade cura, economia, subsistência e por aí vai…
A Amazônia não é um vazio verde no mapa. É território ocupado, manejado, vivido. E reconhecer isso é o primeiro passo para uma economia de baixo carbono que leve em conta o que (e quem) sempre esteve aqui.
Se fosse só pela floresta, já seria suficiente, mas a Amazônia é muito mais: é farmácia, biblioteca, cozinha, museu, berçário de culturas, e motor de um país que precisa, urgente, parar de olhar para ela como quintal. E começar a ver como sala de estar.
Aliás, se você ainda precisa de mais motivos para valorizar a Amazônia como ativo econômico e ambiental, considere estes três, destacados pelo economista Ricardo Amorim: ao longo das últimas décadas, a Amazônia Legal dobrou sua participação no PIB brasileiro, passando de 5,5% para mais de 10%; A sustentabilidade na região pode gerar lucro e desenvolvimento social por meio de instrumentos como o crédito de carbono; E valorizar a biodiversidade local e transformar produtos nativos em soluções inovadoras, como a indústria farmacêutica fez e é uma das grandes oportunidades para o futuro.
Porque a Amazônia não é o passado do Brasil, ela é o futuro que já começou. E esse futuro, como mostram os vestígios milenares sob nossos pés e os bilhões que circulam em cima de seus princípios ativos, pode e deve ser cultivado com inteligência, estratégia e urgência. Da terra preta que alimentou civilizações à economia verde que pode transformar o país, a Amazônia é prova viva de que desenvolvimento e preservação não são opostos. São o mesmo caminho!