Desinformação no discurso do governo bolsonarista
Uma análise de dados para comparar pronunciamentos do Bolsonaro com informações reais. Confira artigo escrito por Fernanda Meireles, Laís Palma e Rafael Weiblen.
Este artigo foi escrito por Fernanda Meireles, Laís Palma e Rafael Weiblen
A análise de dados é uma ferramenta importante e muito usada na tecnologia, existe a possibilidade de analisar qualquer tipo de conteúdo e isso nos permite explorar um campo pertinente à sociedade atualmente e sentindo a necessidade de ampliar os conhecimento conseguimos chegar em qualquer campo das ciência e por que não da política? Por isso, com o objetivo de comparar os pronunciamentos do presidente Bolsonaro correlacionamos com os dados extraídos de portais da saúde da COVID-19 a fim de desmentir as informações divulgadas pelo Presidente da República.
Para isso precisamos contar uma história e ela começa em março de 2020.
COVID-19 e o Brasil
O ano de 2020 foi um período em que o mundo todo se viu novamente acometido de uma pandemia mortal. A necessidade de medidas de proteção foram divulgadas pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e a responsabilidade na gestão dessas medidas ficou delegada para cada presidente dos países. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro não cumpriu com tais medidas e ainda promoveu o negacionismo, divulgando informações não compatíveis com a realidade e mudando sempre os ministros da saúde quando contrariado de suas ideias. O objetivo de analisar os pronunciamentos do presidente surgiu da necessidade de comprovar que muitas das suas posições são baseadas em dados falsos ou dados manipulados por uma narrativa que o presidente segue desde que foi eleito.
No Brasil a primeira morte por COVID foi divulgada no dia 17 de março de 2020 em São Paulo, sendo assim a pandemia chegou no país, o vírus se disseminou e até agora em julho de 2021 chegamos a 533 mil mortes. O presidente da república não cumpriu com as medidas da OMS, nos primeiros meses além de contrariar essas medidas ele promoveu aglomerações, não usou máscara, contrariou o ministro da Saúde na época Luiz Mandetta acerca do isolamento social da qual ele era contra, demitindo-o logo em seguida substituindo por Nelson Teich que também não ficou por muito tempo no cargo por ser contra o uso da cloroquina como tratamento precoce a COVID-19, tratamento esse que o presidente é a favor até hoje mesmo com estudos que já comprovam a ineficácia deste tipo de medicamento. Após a saída de Teich, o país ficou mais de 3 meses sem ministro da saúde em meio a uma crise sanitária que já estava matando mais de 100 mil pessoas e sem perspectiva de melhora. Durante todo esse processo, Bolsonaro chegou a dizer que seria apenas uma gripezinha e que também o isolamento social seria responsável pela queda da economia nacional, descredibiliza a vacina e até disse em dado momento que não tomaria a vacina porque já tinha imunidade por ter pego o vírus anteriormente (o que já foi comprovado que não existe imunidade sem vacinação).
Baseado em argumentos sem comprovações, Bolsonaro vem fazendo pronunciamentos cada vez mais nocivos à população, promovendo a desinformação, quando um chefe do executivo fala em rede nacional que não compraria vacinas da China, chamando-a de VaChina o que vem a cabeça é a forma como a população vai absorver, Bolsonaro também cita a politização da vacina, falando como os governadores dos estados estão usando a vacinação como palanque político e não como medida de redução de mortes e aumentando assim a imunidade dos habitantes. Bolsonaro tinha (e tem), como presidente da república a obrigação do cuidado com a população, o Brasil durante anos foi o país com o melhor sistema de vacinação mundial, inclusive usado como exemplo em artigos científicos internacionais recebendo até prêmios, mas não o fez.
Continuou usando o seu poder de comunicação para atacar os médicos que não aprovaram o uso da cloroquina como tratamento precoce e os políticos dos quais não são alinhados com os seus pensamentos conservadores.
Para cada pronunciamento em sua live, Bolsonaro tem cada vez falado menos sobre políticas públicas sérias ao enfrentamento da COVID-19 e tampouco tem falado sobre o aumento da fome no Brasil.
Durante a CPI da COVID foram denunciadas inúmeras irregularidades em sua gestão como compra da vacina, incentivo e promoção do tratamento precoce, propinas e afastamento de funcionários contrários aos comportamentos do presidente.
Usando a análise de dados na narrativa bolsonarista
Diante de toda essa situação, a necessidade de buscar dados para confrontar com as omissões e mentiras do presidente foi algo necessário e aqui vamos contar como usamos a análise de dados para extrair essas informações.
Começamos tentando mapear e coletar tweets de diferentes grupos de governo, chamamos de níveis (Nível 1, 2 e etc), nível 1 seria o primeiro escalão do governo Bolsonarista até o nível 3 que seria os influenciadores e apoiadores.
Com ajuda de uma colaboradora Pietra Freitas, usamos uma biblioteca em Python “Twint” e conseguimos buscar os tweets de usuários específicos assim como também de grupos criados previamentes no twitter, esses dados não estão limitados a uma quantidade específica de tweets ou mesmo precisa ser desenvolvedor do twitter, uma biblioteca mantida pela comunidade de desenvolvedores disponível no github.
Nessa primeira análise iniciamos com a amostragem de tweets de um mês específico, começamos a tentar estruturar esses dados, buscando ferramentas que poderiam ler o conteúdo, interpretar e agrupar por temas, porém seria necessário um trabalho muito pesado de construir uma IA (Inteligência Artificial) ou algo que fizesse essa interpretação. Ponderamos alternativas como usar hashtag para criar clusters que nos dessem alguma informação, porém acabamos percebendo que o uso de hashtags é bastante aleatório sem uma linearidade específica, muita gente se promovendo dentro das hashtags, uso de hashtags não relacionadas e etc.
Outro caminho que perseguimos foi a relação dos pronunciamentos com os dados de mobilidade urbana oferecidos pelo Google, neste relatório o Google disponibiliza os dados sobre a movimentação das pessoas em determinados locais dado a pandemia, deste relatório buscamos um indicador que poderia nos ajudar e encontramos o indicador “Residência” que neste relatório é medido de acordo com o tempo em que a pessoa fica em casa, com essa informações poderíamos relacionar dado o pronunciamento a variação do tempo das pessoas em casa. O desafio de cruzar essas informações é justamente que diferentes variáveis podem impactar esse indicador, alguns exemplos desse impacto são feriados estaduais e municipais e definições de lockdown nas cidades, essas variáveis tornam difícil relacionar essas duas informações.
Mas isso não permitiu a nossa desistência nessas análises e vamos trazer aqui outro caminho que seguimos, também baseadas em experimentos e dados.
Dados para correlacionar pronunciamento do Bolsonaro com informações verdadeiras
Sendo assim, a partir daqui segue um comparativo de pronunciamentos que analisamos e podemos correlacionar com dados reais de como Bolsonaro tem manipulado a população para criar uma narrativa, negacionista, mentirosa e irresponsável.
Tratamento precoce
O governo Bolsonaro e seu grupo defenderam desde o início da pandemia o uso de medicamentos não comprovados como alternativa aos protocolos recomendados pela OMS como lockdown, máscaras e o distanciamento social.
O uso dessa narrativa Bolsonarista ainda está sendo investigado pela CPI da Covid seja ela para criar a tal imunidade de rebanho por contágio ou mesmo para favorecer algum grupo farmacêutico, atravessadores ou políticos.
Nas palavras do presidente em seu twitter:
Buscamos nos tweets do Jair Bolsonaro e encontramos 87 tweets e retweets que promoviam ou defendiam o tratamento precoce, buscamos as seguintes palavras e expressões (Cloroquina, HCQ, hidroxicloroquina, Azitromicina, zinco, off label, tratamento precoce e ivermectina) considerando esses números podemos dizer que o presidente fez uma média de 2,96 posts no twitter por mês desde o início da pandemia. A Folha de São Paulo fez uma análise parecida considerando 3 plataformas o Twitter, Facebook e Youtube e encontraram uma média de 1 post por semana defendendo o tratamento precoce.
Se excluirmos a irresponsabilidade em promover um tratamento que não possui comprovação científica e que hoje estudos já comprovam com testes cegos e randomizados que o uso de Hidroxicloroquina não apresenta nenhuma eficácia essa lógica de promoção do tratamento precoce pode ser bastante eficaz pois a Covid19 no Brasil está com uma taxa de letalidade de 2,8, isso significa que se pegarmos 40 pessoas diagnóstica apenas uma (1,42) destas pessoas viria a óbito, o que pode significar é que para as outras 39 pessoas foram os medicamentos que salvaram suas vidas o que é uma falsa correlação, essa vai ser uma informação que ganhou grupos de comunicação e comentários como os abaixo proliferam no whatsapp.
Como forma de desafiar essa lógica, se trocarmos os medicamentos por sorvete vamos ter os mesmos resultados e melhor não vão ter os efeitos colaterais que esses medicamentos podem causar. A hidroxicloroquina pode causar arritmia cardíaca e deve ser administrada com monitoramento, assim como a Ivermectina pode causar problemas renais.
Outra consequência levantada e defendida por um estudo em andamento realizado pela Fiocruz do Amazonas e Universidade Federal do Amazonas é que a partir do momento que as pessoas tomam esses medicamentos elas acabam negligenciando outras práticas para evitar o contágio como uso de máscaras e distanciamento social essa postura descuidada se justificam pois as pessoas já estariam tomando os cuidados necessários contra a Covid19 com o tal tratamento precoce.
Nas palavras da Jaila Dias Borges, professora da Universidade Federal do Amazonas e uma das autoras do artigo.
“Se eu acredito que essa droga previne, o que é que acontece? Eu baixo a minha guarda. Porque eu tomei a medicação que eu acredito que me protege”
“Não vou me preocupar tanto com as intervenções não farmacológicas porque eu já estou tomando algo que eu acredito mais do que a máscara”.
Segundo o artigo, as pessoas que fizeram uso de tratamento precoce tiveram uma taxa de infecção maior em torno de 12,64 pontos percentuais, as pessoas se expuseram mais ao vírus devido a falsa segurança que os medicamentos ofereciam, o Data Folha em pesquisa ainda evidencia que 1 ⁄ 4 da população fizeram uso de algum medicamento para tratamento precoce.
Não foi possível comprovar o impacto dessa narrativa nos números da pandemia, porém esse exercício foi pensado para desmentir essa narrativa através da lógica e dados.
“O Brasil é o país que mais vacinou no mundo”
Jair Bolsonaro usa muito sua conta do twitter como um dos canais principais para divulgar informações distorcidas para seus seguidores.
A campanha de vacinação no Brasil teve início no dia 17/01/2021 e o presidente fez diversas postagens sobre o desempenho do país no ranking mundial de países que mais se vacinaram.
Analisando seu perfil no Twitter, observamos que do dia 10/03/21 até 22/06/21 ele fez um total de 24 postagens, sendo março o mês em que ele fez 11 postagens anunciando que o Brasil estaria entre os países que mais vacinam.
Bolsonaro não está errado quando diz que somos o país que mais vacina no mundo, entretanto este é um patamar esperado para o sexto país mais populoso do mundo, com 212 milhões de habitantes, além de que o Brasil foi o segundo país com mais mortes do mundo, atrás dos Estados Unidos.
Amostras tendenciosas
Quando olhamos para os dados fornecidos, precisamos prestar atenção nas informações complementares. Como dito, o Brasil está entre os países que mais vacinam, mas também é o 6º país com mais não vacinados, segundo o G1.
Maior número de vacinados (1ª DOSE)
1º. China*: de 340,95 milhões a 681,91 milhões
2º. Índia: 171,87 milhões
3º. Estados Unidos: 168,73 milhões
4º. Brasil: 46,50 milhões
Maior número de não vacinados (1ª DOSE)
1º. Índia: 1.210.419.205
2º. China*: entre 757,4 milhões e 1,1 bilhão
3º. Indonésia: 256.929.040
4º. Paquistão: 215.414.262
5º. Nigeria: 204.179.094
6º. Brasil: 166.619.199
fonte: g1 – Our World in Data – 02/06/2021
Os dados que indicam um avanço na vacinação é a porcentagem da população vacinada. Até o dia 09/06, o Brasil havia aplicado pelo menos uma dose em 23% da população brasileira. Isso coloca o país em 72º lugar no ranking de 190 nações e territórios. Para a população que recebeu as duas doses, temos apenas 10,8% de vacinados, fazendo com que o Brasil apareça em 74º no mundo e 18º na América.
Em entrevista ao Jornal Nacional, em 05/01/2021, o epidemiologista Pedro Hallal diz que pelo menos 70% da população tem que tomar a vacina.
“A vacinação no caso de uma doença como a Covid- 19, tem que ser um pacto coletivo. Uma pessoa estar vacinada significa apenas que ela não vai pegar a doença. Agora, quanto mais gente tiver vacinado, menos vírus circula no país. A gente tem um número mágico que a gente usa na epidemiologia que é de 70%. Quando 70% da população adquire a imunização, o vírus praticamente não consegue mais se replicar. Então essa tem que ser a nossa meta”, diz.
Segundo o microbiologista Luiz Almeida para o Jornal Nacional, explica que para saber a quantidade de pessoas que precisam ser vacinadas e o tempo médio de vacinação é feito um levantamento sobre a proteção de cada vacina. Os pesquisadores utilizaram dados oficiais do governo federal na campanha contra a gripe de 2020, quando o país vacinou 530 mil pessoas por dia.
A vacina da Pfizer/BioNTech possui 95% de eficácia e com isso teria que ter 52% da população vacinada, o que equivale a 81 milhões de pessoas. Caso a campanha de vacinação contra Covid-19 repetir os números da vacinação contra a gripe, levará um total de 153 dias ou cinco meses para dar uma dose.
No caso da vacina AstraZeneca/Oxford, tem 62% de eficácia com uma dose inteira. Com a eficácia da vacina sendo menor, o Brasil precisará vacinar 80% da população, sendo mais de 129 milhões de pessoas, levando um prazo de 244 dias, mais de oito meses para ser aplicada a primeira dose.
Para fechar esse raciocínio e também a interpretação desses dados, chegamos a conclusão que além de ser um caminho contínuo de aprendizado, conseguimos permitir que com o uso de ferramentas de programação e tecnologia é possível identificar falhas e mentiras no discurso do Bolsonaro e principalmente um entendimento maior sobre análise de dados, esse projeto não termina por aqui, ainda temos muito a analisar e constantemente somos bombardeados por mais afirmações das quais nunca sabemos se são verdadeiras ou não, o que faz esse trabalho de uma análise crítica e a comparação de dados cada vez mais importante para a sociedade. Existem outras formas de extrair dados e também de interpretá-los, esse foi o nosso. Um conjunto de pessoas que tiveram objetivos em comum e também como profissionais da área de tecnologia concluímos o quão é dinâmico o caminho de dados, diversas formas de extrair informações, de clusterizar e até mesmo de validar hipóteses que nem sempre são a resposta à realidade. Deixamos aqui esse estudo para que outras pessoas também entendam que os dados são parte da comunicação, são armas nas mãos de pessoas perigosas e não podemos nos calar.